Eu, Estudante

Velhofobia

Educação, legislação e convivência entre gerações podem diminuir etarismo

Envelhecimento da população exige mudanças nas políticas públicas e adequação dos ambientes para acolhimento

Um informe mundial da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre etarismo mostra que uma em cada duas pessoas já sofreu algum tipo de discriminação por causa da idade. O documento da OMS relaciona como ferramentas para combater esse tipo de preconceito a legislação, as atividades educativas e uma maior convivência entre pessoas de diversas gerações.

A discriminação tem vários nomes: etarismo, idadismo e ageísmo são alguns deles. O fenômeno mereceu discussão na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara nesta quarta-feira (17). O debate foi motivado por um episódio que aconteceu no início de março envolvendo alunas de uma faculdade de Bauru, no interior de São Paulo. Três colegas publicaram vídeos na internet zombando da estudante Patricia Linares por ela estar cursando Biomedicina com mais de 40 anos.

Patricia participou da audiência pública e agradeceu o apoio que recebeu de todo o País depois de sofrer a discriminação. Ela relatou que, por ter tido uma infância digna, mas difícil, só pôde fazer um curso superior aos 45 anos e afirmou que ainda está abalada.

"Era o meu sonho estudar, sempre foi. Sempre quis ser da área da saúde e escolhi esse curso com tanto amor, com tanta paixão. Aí eu pergunto: até que ponto a gente pode seguir? Porque a empolgação que eu tive quando as aulas começaram, para hoje, é diferente. Hoje eu tenho medo de me expressar, hoje eu tenho medo de fazer perguntas para os meus professores, porque a pessoa pode pensar: ‘Nossa, o que é que aquela velha está falando? "

Violência

De acordo com Maria Cristina Hoffmann, consultora sobre Envelhecimento Saudável da Organização Pan Americana da Saúde (OPAS/OMS), a discriminação compromete a qualidade de vida dos idosos e é o primeiro passo para a violência. Ela afirma que o envelhecimento da população exige mudanças nas políticas públicas e a adequação dos ambientes para acolher os mais velhos.

"A grande maioria da população, se a gente fosse fazer uma enquete, quando se fala ‘como você percebe uma pessoa idosa’, a maioria diria ou descreveria como uma pessoa dependente ou doente. E essa não é, nem de longe, a realidade do Brasil. A grande maioria da população idosa, em torno de 70% da população idosa é autônoma e independente", disse. Maria Cristina enfatizou que isso não significa que os idosos não tenham problemas de saúde, por exemplo, ou não tenham alguma limitação no dia a dia, para desenvolverem suas atividades.

Secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, Alexandre da Silva exemplificou os diversos tipos de idadismo. Um é o estrutural, quando, por exemplo, uma senhora recebe olhares reprovadores porque foi para uma academia malhar com uma roupa considerada inadequada. Existe o idadismo cultural, quando quem é velho é sempre tido como ultrapassado, que não serve mais. E a pior modalidade, na opinião dele, é o idadismo internalizado, quando o próprio idoso não se sente capaz e assume o estereótipo negativo.

Pandemia e velhofobia

Para a antropóloga Mirian Goldenberg, a discriminação "mora" dentro das nossas casas, praticada pelos familiares dos idosos. Segundo ela, a pandemia de Covid-19 escancarou o que ela chama de "velhofobia".

"Nós escutamos de autoridades que velho é descartável, que o grande problema do Brasil era que os velhos queriam viver até os 100 anos; que seria até bom para a Previdência se os velhos morressem. Escutamos que eram só os velhos que tinham que ficar em casa. Nós escutamos e, pior ainda, eles escutaram essa discriminação e essa violência todos os dias", afirmou.

Medidas protetivas

Vice-presidente da Comissão do Idoso, o deputado Castro Neto (PSD-PI), que propôs a discussão, apresentou um projeto (PL 2419/23) que especifica, no Estatuto do Idoso, as diversas formas de violência e dá mais celeridade à adoção de medidas protetivas para as vítimas. Ele afirmou que já passou da hora de um esforço conjunto do Legislativo e do Executivo em prol dessa parcela da população.

"A pressão social para determinar e controlar como a pessoa deve se comportar enquanto envelhece é inaceitável. Por isso mesmo, precisamos debater e encontrar caminhos para combater o preconceito e a violência contra a pessoa idosa".

Os debatedores salientaram a importância de que o Brasil ratifique a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos (MSC 412/2017), aprovada em 2015 e que está no Congresso desde 2017. Entre outros itens, a convenção fala da heterogeneidade da velhice, das vulnerabilidades e das múltiplas discriminações.