Eu, Estudante

Entrevista

'Em nenhum momento, o governo encerrou a conversa', afirma Hélvia Paranaguá

Em meio à paralisação dos professores da rede pública do DF, a secretária de Educação destaca que o governo tem diálogo aberto, apesar de Ibaneis pedir a ilegalidade da greve

A secretária de Educação do Distrito Federal, Hélvia Paranaguá, afirmou, durante entrevista ao CB.Poder, programa do Correio em parceria com a TV Brasília, que "a greve é ruim para todos, para o professor, que não vai ter garantia de ter algum benefício, e vai ter que repor (as aulas); para a família, que não sabe onde deixar o filho e para essas crianças, que precisam se alimentar. O diálogo ainda é a melhor saída".

À jornalista Ana Maria Campos, Hélvia destacou também o problema de pais em situação de vulnerabilidade social que deixam os filhos nas escolas, onde eles comem a merenda, que costuma ser a única refeição do dia. "A merenda escolar é muito nutritiva e, às vezes, é a principal refeição que uma criança faz. É uma galinhada ou um macarrão com carne moída. Por isso que a gente pede muito à categoria para voltar e retomar o diálogo".

Estamos em um período menos preocupante da pandemia de covid-19, em que a comunidade escolar também está retomando à rotina. O que uma greve como essa prejudica a situação?

A greve é ruim para todos, para o professor, que não vai ter garantia de ter algum benefício, e vai ter que repor (as aulas). É a única categoria que repõe dias parados. Se os metroviários entram em greve, não vão repor um dia parado. Nós não tratamos como dia, tratamos como dia letivo. Então, como são 200 dias letivos, a gente tem que cumprir a lei. A greve é ruim também para a família, que não sabe onde deixar o filho. Para essas crianças que precisam se alimentar, e é ruim para o governo. O diálogo ainda é a melhor saída, tanto é que foi com diálogo que conseguimos aumento no salário dos cargos de diretor e vice, concedido no ano passado, e a criação do cargo de coordenador pedagógico e incorporação do auxílio-saúde. Tudo isso foi sem greve. E o governador Ibaneis (Rocha) é aberto ao diálogo, mas é importante os professores voltarem.

O governador Ibaneis Rocha vai receber o Sindicato dos Professores (Sinpro) para dialogar com os professores sobre uma nova proposta de reajuste salarial?

O que foi conversado na penúltima reunião que houve com o sindicato, em que estavam presentes o secretário da Casa Civil, Gustavo Rocha; o secretário de Planejamento, Orçamento e Administração (Seplad-DF), Ney Ferraz; e o secretário-executivo da Educação, Isaías Aparecido — eu estava no Ministério da Educação em uma reunião ministerial com o ministro da Educação, Camilo Santana — ficou decidido  que continuassem as conversas com a Secretaria de Educação. Mas o secretário Gustavo colocou que se houvesse a greve, o governo suspenderia as tratativas que vinham avançando. Em nenhum momento, o governo encerrou a conversa. Em cima disso, o governo disse que está dando 18% de reajuste para todas as categorias linearmente. É uma coisa boa também, porque tem muitos estados que estão dando o piso e chegou naquele limite de R$ 4.420,55, e quem não é do piso não recebe nada.  

No evento em que o governador Ibaneis sancionou o reajuste de 18% dos servidores, ele disse que cumpria o compromisso que fez com a categoria, não aceitava radicalização e que também poderia radicalizar. O que isso significa?

O governo tem possibilidade de judicializar sempre que há greve no Distrito Federal. Aí a greve é considerada ilegal, suponhamos, e tem que voltar. Não conversei com o governador após esse discurso, mas imagino que seja isso, de buscar as garantias aos estudantes da rede pública de ensino (ontem à noite, o governador acionou a Procuradoria Geral do DF para ir à Justiça contra a greve). O governador cumpriu o que ele disse que cumpriria, em relação à terceira parcela do último plano de cargos de salários de todos os profissionais, que não tinha sido pago. Incorporamos o auxílio-saúde, que a legislação dizia que se tivesse um plano de saúde do GDF para os servidores, retiraria esses R$ 200 para ajudar a pagar outro plano. Entrou o plano e isso não foi tirado. Foi incorporado. No ano passado, houve essa incorporação. Criamos cargo de coordenação pedagógica, que não existia na Educação. Ele (Ibaneis) incorporou esse auxílio-saúde, que ajuda a pagar o plano. Os servidores receberam essa última parcela, e agora vão receber 18% divididos em três parcelas.

Esses dias parados também podem ser descontados no salário dos professores, se não forem repostos?

Também há essa situação. Mas quero deixar claro que sou sempre à favor do diálogo, que é a melhor alternativa. Estamos caminhando para sensibilizar a diretoria do Sinpro. Sou professora de carreira, sou sindicalizada, entendo a luta deles, mas a gente quer retomar as aulas para continuar a discussão sobre a melhoria no salário da categoria. Eles querem um plano de cargos que tenha incorporação da Gaped, que é uma Gratificação de Atividade Pedagógica, e várias coisas que colocaram no plano. Tem a Lei de Responsabilidade Fiscal, e o governo não pode ser irresponsável de conceder um reajuste e, lá na frente, gerar prejuízo para ele e para os próximos, de algo que ultrapassa a lei. Qualquer 1% de uma categoria grande como a dos profissionais de educação, o reflexo é muito alto. Hoje, temos uma folha salarial de R$ 10 bilhões por ano na educação.

O deputado distrital Gabriel Magno (PT-DF) esteve no CB.Poder nessa semana e disse que como a educação é paga pelo Fundo Constitucional do GDF, que comportaria um reajuste maior para os professores. Mas o GDF também está negociando um reajuste da segurança pública. Como analisa esse entrave?

Em uma reunião nessa terça-feira à noite com o colegiado do Sinpro, o secretário (de Planejamento, Orçamento e Administração) Ney Ferraz abriu toda a questão orçamentária do Distrito Federal. E o Fundo Constitucional vem caindo. Às vezes, o cenário de hoje não é o cenário daqui a seis meses. Tivemos uma troca de governo. Então, a política também foi toda mudada. Em 2019, quando o ex-presidente Bolsonaro entrou, também houve uma queda, até as coisas entrarem nos eixos. Inclusive, quando conversávamos com a equipe de técnicos do subsecretário do Tesouro Nacional, a gente colocou que ninguém está encerrando a negociação. Vai que daqui para agosto ou setembro, retomamos o crescimento e o país comece a crescer, sou sempre otimista. O Fundo volta a crescer e a arrecadação no DF também retoma o crescimento.

Diversos pais deixam os filhos na escola, vão trabalhar e as crianças comem uma refeição de merenda escolar. Como o governo pode sensibilizar os professores mostrando esse problema?

Primeiro, a família se programa para tirar as férias em janeiro, porque é o período das férias coletivas. No restante do ano, vai se organizando para deixar os filhos na escola e os pais no trabalho. Isso gera esse mal-estar na sociedade, porque não ter onde deixar o filho é muito ruim, principalmente para aquelas crianças em situação de vulnerabilidade social. A merenda escolar é muito nutritiva e, às vezes, é a principal refeição que uma criança faz. É uma galinhada ou um macarrão com carne moída. Então, é preocupante. Por isso que a gente pede muito à categoria para voltar e retomar esse diálogo, pois também é ruim para o professor. Muitas vezes, a sociedade fica chateada mais com o professor do que com o governo. Ouvi dizerem assim: "Não ganharam os 18% em três parcelas? Por que estão fazendo greve?". Não é uma promessa de governo, é concreto. É uma conquista.

Na greve, os sindicalistas mostram vídeos de Ibaneis Rocha durante a campanha de 2018, que, na época, disse considerar justo que um professor ganhe como um juiz. É possível chegarmos a esse patamar?

Não sei se a gente chega. Estou sendo bem realista com você. Na Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF), por exemplo, há 200 ou 300 pessoas. E o nosso universo de profissionais é mais de 40 mil, sem contar com os terceirizados. Hoje, temos mais de 60 mil pessoas trabalhando na educação. É utópico imaginar isso, porque poucos países no mundo conseguem pagar o mesmo valor a todos os profissionais. Sei apenas da Finlândia, um país de 6 milhões de habitantes. É um sonho. Quem sabe a gente consiga algum dia. Chegar a esse patamar, só se a gente realmente crescer muito, tirar o Brasil de uma situação de miserabilidade e a população toda trabalhando para gerar mais impostos e vir retorno para implementar no salário.