Passados mais de 60 dias desde a suspensão do calendário de implementação do novo ensino médio, pouco se sabe sobre os rumos dos estudantes brasileiros acerca do modelo de ensino. Só na última semana, a questão foi tema de audiência pública na Câmara dos Deputados e no Senado, dividindo opiniões sobre uma revogação, manutenção ou ajuste da determinação de 2017. Fato é que o novo retrato da educação brasileira ainda deve passar por uma série de discussões antes de ter novos desdobramentos.
Do lado dos defensores do novo modelo educacional está o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede). O grupo afirmou que percebe na revogação um resultado de debate democrático. "A Câmara dos Deputados aprovou com mais do que o dobro de votos e o Senado com mais de três vezes os votos contrários. Foi democrático. Se essa foi uma escolha acertada ou não, o futuro vai dizer", argumentou o presidente da entidade, Ricardo Tonassi Souto durante audiência da Subcomissão Temporária para Debater e Avaliar o Ensino Médio no Brasil (Ceensino) da última quarta-feira na Casa Alta.
Do outro lado, há entidades que justificam a revogação por conta do foco nos resultados e a metodologia da implementação. "É bom lembrar que não é um projeto de um novo ensino médio, é uma reforma curricular que foi feita por medida provisória. Então, não é só que precisa de ajuste. De fato, o que se chama entre 'implementação' tem que ser interrompido, rediscutido e repactuado", opina a presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Maria Luiza Süssekind.
A mudança no ensino médio foi publicada em setembro de 2016, durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e já vinha sendo debatida pelo Legislativo desde 2015. As mudanças foram sancionadas em fevereiro de 2017 e desde então dividem opiniões na sociedade. A relatora da subcomissão no Senado, Professora Dorinha Seabra (União-TO), que manteve posição contrária à medida durante a audiência, avalia que realizar uma "reforma por MP é sempre ruim".
O novo ensino médio é organizado por áreas de conhecimento e não por matérias. Ao todo, são quatro áreas de conhecimento e mais uma que corresponde à formação Técnica e Profissional. Até 1.800 horas da carga horária contemplam habilidades e competências relacionadas às áreas do conhecimento.
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Recuo
O ministro da Educação, Camilo Santana, suspendeu no dia 8 de março a implementação que já estava em andamento desde 2020 para instituir uma consulta pública junto a estudantes, educadores e entidades de classe. Com seminários e debates em diversos estados do país, debruçados sobre a educação secundarista, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) pediu à Câmara que realizasse um seminário em São Paulo para abordar aspectos do novo modelo.
"O novo ensino médio precisa ser revogado, não somente revisto em partes. Estruturalmente é um projeto que precariza a educação pública e aumenta a diferença de formação de acesso ao conhecimento que tem entre estudantes pobres e estudantes ricos", argumenta a parlamentar, em conversa com o Correio. "Porque tem como coração os itinerários formativos, que parece ser uma concepção moderna de educação, mas na verdade significa uma limitação do acesso ao conhecimento."
A deputada avalia que a manobra do Ministério da Educação (MEC) foi uma conquista parcial, pois, assim, a sociedade pode opinar e intervir nos rumos do currículo do ensino médio proposto. Apesar disso, Sâmia avalia que a suspensão é insuficiente.
"Colocou a cargo dos estados e municípios a definição do modo que se dá essa suspensão. Há lugares impulsionando o modelo anterior, em outros, o novo modelo. A gente precisa acabar o prazo da consulta pública e ainda sem a perspectiva de que possa ser de fato revogado. Por isso que eu acho que agora, até o fim do prazo, a gente tem que intensificar o tom, audiências, seminários", explica Sâmia.
De acordo com a portaria editada por Camilo Santana, a consulta pública tem o prazo de 90 dias, podendo ser prorrogado. O fim do período inicialmente estipulado está previsto para o dia 8 de junho. A presidente da Anped reconhece os avanços na consulta, que, a seu ver, envolveu a comunidade escolar, acadêmica, sindicatos e outros movimentos. "Mas é muito evidente que o direcionamento do MEC, desde o início do governo, seria de manutenção tanto do novo ensino médio quanto da BNCC (Base Nacional Comum Curricular)", disse Maria Luiza Süssekind, que defende que "estudantes e educadores não sejam objetos das políticas públicas, mas sim os próprios sujeitos delas".
"Posição contundente"
Apesar do recuo em relação à implementação do novo ensino médio, a deputada Sâmia Bomfim entende que a suspensão do MEC atende às pressões da base do governo e movimentos sociais, mas que o ministro ainda não teve uma "posição contundente". Segundo ela, Santana é "cauteloso" e, na prática, está "ganhando tempo". "O tempo também trabalha a favor de quem quer manter as coisas como estão", pondera a parlamentar.
Em meio a debates e seminários, fica difícil entender o que acontecerá com estudantes em meio à suspensão de um modelo e um vácuo na orientação. Maria Luiza destaca que professores sobrevivem às reformas curriculares. "Eu tenho 34 anos de sala de aula. Como professora, eu já passei por diversas reformas, várias delas que nunca pegaram — no modo popular de dizer. Jamais chegaram à realidade cotidiana da sala de aula".
"Os estudantes vão continuar fazendo que eles vinham fazendo, porque não se muda o cotidiano de uma rede com essa facilidade, inclusive essa "implementação" foi de alguma maneira forçada pela pandemia, pela deficiência de quadros, pelas instabilidade do modelo e inclusive pelas parcerias com entidades e fundações, que forçaram as escolas a se adaptarem, sem ter tempo de se qualificar adequadamente, discutir, pactuar, negociar, territorializar as propostas", finaliza.
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