Eu, Estudante

ENTREVISTA

Violência escolar afeta saúde mental de crianças e de adolescentes

Doralice Oliveira Gomes, psicóloga da Secretaria de Saúde e professora da UnB (câmpus Gama) analisa o atual cenário envolvendo as unidades de ensino e fala sobre a importância da presença da polícia nas escolas

A saúde mental das crianças e dos adolescentes nesse período de ameaças em escolas e de outros tipos de violência foi o tema central do CB.Poder — parceria entre Correio e TV Brasília. A convidada foi a psicóloga Doralice Oliveira Gomes, da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), e professora de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), câmpus Gama. Na entrevista, concedida nesta quinta-feira (13/4) à jornalista Carmen Souza, a especialista, que é referência em cultura de paz nas escolas, também comentou sobre os impactos da pandemia nesse cenário de violência escolar e destacou a importância da presença policial nas unidades de ensino, para que os estudantes se sintam seguros.

Quais os impactos desse cenário de violência e de medo nas escolas na saúde mental das crianças e dos adolescentes?
É um impacto imediato. (...) São situações que podem gerar o que a gente chama de trauma, algo que acontece em um determinado momento, mas que tem uma validade eterna se não for trabalhado. Mas, hoje, qual a repercussão? Temos crianças, adolescentes e familiares preocupados, muitos com dificuldade de dormir, com dor de cabeça, com uma ansiedade maior do que normalmente estariam por estarem inseguros. O espaço da escola, que é é protetivo e acolhedor por excelência, de repente, tornou-se um espaço em que a pessoa pensa 'como é que poderei estar aqui?'. Então, é importante a gente conversar sobre isso, para essas pessoas saberem que não são "pessoas espetáculo". Elas têm nome, local, e têm outras pessoas que olham para elas com essa sensibilidade.

Muitos pais relatam que os filhos não querem ir para a escola porque têm medo. Que tipo de conversa eles devem ter com as crianças?
O que eu recomendo que os pais façam, se eles não estão se sentindo seguros para conversar com o filho, que primeiro procurem o diretor da escola, o orientadora educacional ou alguém da rede de ensino e converse com esse profissional, busque se informar. (...)A família pode contar com a escola, pode perguntar 'o que eu digo para o meu filho, como vocês estão lidando com isso, vocês pensaram em algo?'. Os pais podem até dar sugestões para a escola. (...) Então, vejam como está lá e conversem com seu filho. Fala: "olha meu filho, a sua escola é um espaço que está sendo bem cuidado para você estar lá. Se eu puder eu te levo lá na porta". (...) Mas que ele possa ir para a escola, sim, porque é um ambiente protetivo. Tem problemas? Tem. Mas o aluno pode continuar a vida dele com regularidade, que é o que vai fazer com que essa criança tenha saúde mental.

No caso do adolescente, ele sabe o que está acontecendo. Ás vezes, repercute, não percebe a gravidade disso, leva como uma brincadeira. Que cuidados os pais devem ter?
Mostrar a seriedade da situação, que isso não é uma brincadeira, que gerar boatos sobre isso prejudica a vida de muita gente, inclusive crianças pequenas, que são indefesas. Então, que o adolescente saiba que o que ele faz repercute na vida do outro. Então, ele pode, sim, ter uma atitude mais responsável. E o que é que o adolescente pode fazer? Se chegar esse tipo de notícia, comunicar o diretor da escola, o orientador, alguém da confiança dele. Não propagar isso como brincadeirinha, porque são coisas graves, e ele pode, inclusive, ser alguém que está contribuindo para isso não acontecer. Ele está sendo alguém que está contribuindo para a vida. Acho que os adolescentes também podem ser grandes parceiros nesse processo.

Há uma grande discussão de que o uso de videogames estaria, de certa forma, relacionado a esse comportamento mais violento dos jovens, das crianças e dos adolescentes. É um fato?
Não tem como fazer esse "ligue os pontos". Vai depender muito mais dos valores que a pessoa tem. Se eu tenho dentro da minha casa um espaço de diálogo, de respeito a conviver com as diferenças. (...) É reduzir demais uma pessoa porque ela joga um videogame. Pode ser um fator de risco? Pode, mas nunca vai ser isolado. Garanto que se é um espaço de lazer, de entretenimento, mas o adolescente, a criança têm uma saúde bem cuidada, outras formas de lazer, brincam com os amigos, assistem TV, têm uma alimentação bacana, têm espaço de diálogo, têm outras coisas da vida, o fato deles terem um tempinho para jogar videogame... Está tudo bem.

Com o fim do isolamento, houve um período de brigas nas escolas, com vídeos, disseminação de imagens violentas. Qual foi o impacto da pandemia, do isolamento, no comportamento das crianças e dos adolescentes?
Pensa quem tinha uma escola como um espaço de socialização, de encontrar com os amigos, de brincar, de jogar bola. De repente, o mundo caiu. A pessoa está dentro de casa, confinada. (...) Isso tem uma repercussão na saúde mental daquele adolescente, daquela criança, daquela família. (...) Se a criança tinha 6 anos, passou 2 anos em que o convívio social é primordial no desenvolvimento, estava em casa. Quando ela volta, isso meche, tem uma readaptação. E no caso dos adolescentes, essa questão da expressão da agressividade, da ansiedade. Não teria como elencar exatamente o que pode ter acontecido, não sei como é a relação em todas as casas, não sei como foi isso no ambiente familiar. Mas quando isso foi para a escola, é uma sociedade que sofreu um terremoto junto. E uma das formas de expressão que apareceu foi essa agressividade. (...) Durante a pandemia, não conseguíamos chegar em todos os alunos. Nós, da Secretaria de Saúde, com a Coordenação Regional de Ensino (CRE) do Gama, fizemos encontros de terapia comunitária on-line com professores de 42 escolas públicas da cidade. Isso porque os professores, que têm acesso aos adolescentes e às crianças, também estavam na mesma crise, saíram do ambiente deles de estabilidade, onde têm todo um repertório de como lidar, educar, trabalhar. Tiveram de se reinventar. Então, se os professores estivessem melhores, chegariam até os estudantes. A forma que a gente encontrou de estar com os estudantes foi cuidando dos professores, nesse pequeno espaço.

Como esse projeto vem sendo desenvolvido?
Nós temos um projeto com a CRE do Gama, desde 2018, o Escola Inspiradora. No Centro Educacional Gesner Teixeira —na divisa com Goiás, que é uma região com vulnerabilidade social considerável —, criamos um espaço de acolhimento dos estudantes, onde acontecem várias práticas integrativas — terapia comunitária, meditação, automassagem, reiki. Nós levamos a saúde nessa parceria com a educação, formação dentro das escolas, para que elas tivessem esses espaços de acolhimento. Então, a nossa Escola Inspiradora é o CED Gesner Teixeira, em 2018. De 2019 para cá, conseguimos expandira proposta para mais oito escolas do Gama e de Santa Maria e para a Universidade de Brasília (UnB). Na UnB têm os jovens que estão na faixa etária de 18 até 23 anos, em geral. Então, a gente tem aí uma experiência bacana. Uma coisa que é um xodó pra mim são as rodas de terapia comunitária com as crianças do jardim, de 4, 5 e 6 anos.

O que temos visto como uma resposta dos governos mais imediata é a presença da polícia nas escolas. Há projetos para haver detectores de metais nas instituições de educação básica. Essas medidas funcionam?
A segurança pública tem um papel fundamental como parceira da educação, porque o estudante precisa se sentir seguro para poder aprender. Do mesmo jeito que ele precisa se sentir bem consigo mesmo, com suas emoções, para poder aprender, também necessita ter segurança. (...) O papel que a polícia faz externo à escola para que ela se sinta dentro da política pública, amparada, de maneira geral, é de suma importância. O papel da polícia é esse mesmo. (...) Agora, detector de metais na porta da escola é uma coisa bem nova. Estou pensando sobre isso e não tenho uma opinião formada.

Qual o papel dos pais na dinâmica da cultura de paz?
Quando os pais forem convidados pela escola para participar das atividades, por favor, compareçam, participem. Sei que muitos pais trabalham, têm uma vida pesada, enfrentam problemas de trânsito, de transporte, mas, muitas vezes, os professores fazem atividades à noite, aos sábados, para que os pais possam estar junto, e eles não vão, ficamos muito tristes. É importante essa participação dos pais.