Eu, Estudante

AUTISMO

Estudante autista escreve livro inspirado em jogo

Às vésperas do Dia Mundial de Conscientização do Autismo, Gabriel Dionísio, 16 anos, aluno do CEM 01 do Guará, mostra seu talento como jovem escritor. Ele procura editora para publicar a obra

 “Sempre foi muito compreensivo, amoroso e um ótimo aluno”, diz Maria Ducarmo Dionísio, ao comentar sobre o filho, Gabriel Dionísio Cravo, 16 anos. Diagnosticado aos 9 anos com autismo de suporte grau 1, Gabriel Dionísio é atendido desde os 5 anos pela sala de recursos do Centro Escolar Fundamental 1 (CEF 1), do Guará. Estudante da sala de recursos do Centro de Ensino Médio 01 do Guará (CEM 01) e apaixonado pela literatura e cinema, Gabriel escreveu, aos 13 anos, seu primeiro livro.

Intitulado Simulacra – o livro, a obra surgiu inicialmente como um trabalho escolar, mas a criatividade e o senso de escrita de Gabriel, estudante autista, levou a história a ter mais de 100 páginas. Ainda no CEF 1, o aluno recebeu um trabalho, em 2019, para escrever sobre um tema livre que mais fosse interessante a cada jovem. Assim, Gabriel entregou uma história com diversas páginas e enredo aprofundado sobre um jogo que é fã, o Simulacra, da websérie de Rafael Lange (Cellbit).

“Acho o jogo muito interessante, tanto pela jogabilidade, quanto pela maneira como o terror e o suspense são utilizados ao longo da narrativa para proporcionar uma imersão no jogo”, afirma Gabriel, que diz ser fã de histórias de mistério. O rapaz entregou a história com 125 páginas. Foi, então, que uma professora da sala de recursos percebeu o talento de Gabriel e o recomendou a escrever o livro.

O transtorno ainda é visto de maneira estereotipada e, por isso, neste domingo (2/4) é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, estabelecido pela ONU em 2007 com objetivo de difundir informações para a população sobre o autismo e assim reduzir a discriminação e o preconceito que cercam as pessoas afetadas pelo transtorno.

Processo de escrita

Gabriel Dionísio começou a escrever seu livro em 2019, ainda no CEF 1, e finalizou a escrita, com seis capítulos, em 2020, durante a pandemia. “Depois de finalizar a escrita, reescrevi algumas partes e, com a revisão, concluí o processo todo em 2022, com 139 páginas”, diz. Para revisar o livro, o estudante convidou a professora Rita de Cássia de Almeida Rezende, apelidada como Ritinha.

Professora da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal há 24 anos, mestra e doutoranda em educação, Ritinha diz que Gabriel é um aluno que sabe se posicionar criticamente. "Ele é um aluno brilhante, extremamente responsável e que consegue atuar em todas as disciplinas normalmente", afirma. Hoje, professora do CEM 01 do Guará, Ritinha foi professora de Gabriel no CEF 1. A professora relembra que ficou bastante envolvida com a leitura e que a revisão foi um trabalho conjunto com Gabriel.

“Ela é muito querida. Além de fazer o trabalho dela muito bem, a professora Ritinha incentiva muito os alunos e ajuda a gente a alcançar nosso potencial. Quando percebi que teria que escolher alguém para revisar meu livro, pensei nela”, conta Gabriel. Com o livro finalizado, Gabriel está a procura agora, juntamente com a mãe, Maria Ducarmo Dionísio, 58, de uma parceria para a publicação da obra, já que a família não tem condições financeiras.

O  livro de Gabriel narra a história de uma personagem principal que encontra um celular de alguém na porta do apartamento e resolve olhar o conteúdo do telefone. Com isso, depara-se com um vídeo estranho por meio do qual descobre que o celular pertence a uma mulher cujo nome é Ana e que ela manda uma mensagem estranha, pedindo para não irem ao encontro dela.

Isso desperta a curiosidade da personagem principal, que passa a acessar os aplicativos do aparelho para encontrar pistas sobre o local em que Ana se encontra e outras informações sobre ela.

Arquivo pessoal - Gabriel ao lado da professora de português, Rita de Cássia
Arquivo pessoal - Gabriel e a mãe, Maria Ducarmo
Arquivo pessoal - Gabriel no CEF 1 do Guará

Diagnóstico de autismo

Maria Ducarmo, mãe de Gabriel, acompanha o filho desde a pré-escola. Antes de levá-lo a consultas com uma médica neuropediatra, Maria Ducarmo recebeu alerta da primeira professora do filho, que percebeu que Gabriel se destacava das demais crianças. “A professora me relatou que ele não brincava com as outras crianças e queria socializar com os adultos. Então, pensei em levar ele em um neuropediatra, quando ele tinha 5 anos”, lembra.

A primeira médica, no entanto, não conseguiu identificar um quadro de autismo em Gabriel, e o diagnosticou com altas habilidades. “A médica me disse que, por ele não ter sinais claros de autismo, como dificuldade na fala, não havia indícios de um possível diagnóstico para o transtorno. Ele sempre gostou muito de escrever e de ler. Desde pequeno, lia de tudo, gibis a revistas. Gabriel aprendeu a ler sozinho ainda antes dos 2 anos. Quando percebemos, ele já estava lendo e com pontuação.” A mãe então decidiu deixar o mercado de trabalho para conseguir atender as demandas do filho.

“Eu mesma faço a terapia de desenvolvimento dele. Sempre busquei impulsionar muito o aprendizado do meu filho. Coloquei na natação, no curso de inglês. Para isso, acabei saindo do mercado de trabalho e comecei a trabalhar como manicure em domicílio, fazendo a minha agenda”, destaca. Então, em consulta com outro médico neuropediatra, quando Gabriel tinha 9 anos, é que recebeu o laudo de pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), com grau 1. “Gabriel sempre gostou muito de escrever e de ler. Desde pequeno, ele lia de tudo, de gibis a revistas. Ele aprendeu a ler sozinho ainda antes dos 2 anos. Quando percebemos, ele já estava lendo e com pontuação”, diz a mãe.

Para o futuro, Gabriel pretende seguir na área de comunicação, no ensino superior. Ele conta que está em dúvidas entre o curso de jornalismo e o de comunicação social em audiovisual. “A literatura e o cinema são minhas paixões. Acredito que a leitura é uma forma importante de transmitir cultura e de agregar na nossa formação enquanto cidadãos. Agradeço muito pela minha mãe sempre ter me apoiado”, conclui.

Autismo

Os transtornos do espectro autista (TEAs) aparecem na infância e tendem a persistir na adolescência e na idade adulta. Na maioria dos casos, eles se manifestam nos primeiros 5 anos de vida. As pessoas afetadas pelos TEAs frequentemente têm condições comórbidas, como epilepsia, depressão, ansiedade e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. O nível intelectual muda muito de um caso para outro, variando de deterioração profunda a casos com altas habilidades cognitivas.

A professora Ritinha defende que a escola pública do DF acolhe e tem estrutura adequada para aprimorar as habilidades das crianças com autismo. "É notável essa relação de empatia dos professores. Damos apoio quase que em tempo integral", argumenta. Capacitada em ensino especial, Ritinha frisa que todo professor deveria passar pela capacitação. "Temos muitos cursos da rede pública que preparam esses profissionais para trabalhar com crianças autistas e com outros transtornos."

Embora algumas pessoas com TEAs possam viver de forma independente, existem outras com deficiências severas que precisam de atenção e apoio constante ao longo de suas vidas. As intervenções psicossociais baseadas em evidência, tais como terapia comportamental e programas de treinamento para pais, podem reduzir as dificuldades de comunicação e de comportamento social e ter um impacto positivo no bem-estar e na qualidade de vida de pessoas com TEAs e seus cuidadores.

As intervenções voltadas para pessoas com TEAs devem ser acompanhadas de atitudes e medidas amplas que garantam que os ambientes físicos e sociais sejam acessíveis, inclusivos e acolhedores.