Na última quarta-feira (8/3), data em que é celebrado o Dia da Mulher, uma professora de escola pública de Ceilândia sofreu racismo em sala de aula após um aluno dar, na frente de toda a classe, um saco de palha de aço à educadora. Segundo André Lúcio Bento, doutor em linguística e especialista em cultura afro-brasileira, o ato racista não é um caso isolado, mas, sim, uma "réplica de ocorrências diárias que afetam estudantes, professores e demais servidores negros".
Para o especialista, as escolas devem encarar o racismo como um problema social e aplicar práticas para o enfrentamento do preconceito e discriminação. Essa abordagem no ambiente escolar é chamada de educação antirracista e é norteada pela frase da filósofa e ativista norte-americana Angela Davis: "Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”.
"O fato é que o racismo só existe porque existem racistas. Racismo não é produto da natureza; é fruto de pessoas racistas. No caso de Ceilândia, temos um tipo de racismo que é alegórico. Esse é o caso da esponja de aço, da nega maluca, do urubu, do macaco… Depois as pessoas se desculpam e dizem que foi brincadeira, que não quiseram ofender. Mas ofendem não só a vítima da ação, como também uma coletividade inteira", pontua André.
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No Brasil, a educação antirracista é respaldada há 20 anos pela lei nº 10.639. Esse dispositivo legal estabelece a obrigatoriedade do ensino sobre história e cultura afro-brasileira nos ensinos fundamental e médio. Entretanto, o professor André avalia que a abordagem ainda não é amplamente difundida nas escolas do Distrito Federal porque falta o envolvimento da comunidade escolar como um todo e não apenas "por iniciativa de um grupo diminuto".
"A educação antirracista não pode ser apenas um apelo de meia dúzia de professores negros da escola. Todos precisam entender que o combate ao racismo é uma prática cotidiana de todos, uma abordagem interdisciplinar que pode envolver todas as disciplinas, uma vez que o racismo tem raízes históricas, culturais, geográficas, religiosas, entre outras", comenta. "É como se o problema racial no Brasil existisse apenas porque existem pessoas vítimas do racismo. Existem os agentes do racismo. E as causas do racismo e as possibilidades de superá-lo devem ser um compromisso de toda a escola", emenda o especialista.
Valorizar a pluralidade brasileira
A professora e mestra em direitos humanos e cidadania Aldenora Conceição de Macedo explica que a educação antirracista deve ser vista como uma política pública de estado, sendo avaliada e acompanhada pelos órgãos responsáveis. "A implementação e execução é uma obrigação legal. É preciso lembrar disso, pois as escolas e a própria Secretaria (de Educação do DF) pode ser alvo de denúncias ao não cumprir com a lei. Já que não há sensibilização social, precisa haver a lembrança de que lei se cumpre, não se negocia", frisa.
Segundo ela, a falta de subsídios não é explicação plausível para que a abordagem contra o racismo não seja implementada nas escolas. "É, acima de tudo, negligência, descumprimento de dever. Uma educação que respeita as diferenças, não as coloca como desigualdades, e que valoriza a pluralidade brasileira, com olhar para as enormes contribuições do povo negro, aliás, a maioria da população brasileira. Essa é a educação antirracista, e ela carrega esse olhar interseccional, também para as questões de gênero, sexualidade, de religião", analisa a também doutoranda em educação.
Aldenora afirma, ainda, que o racismo sofrido pela professora em Ceilândia veio acompanhado de outras violências e "demonstra como as relações de poder estão interseccionadas". "É chocante, causa indignação por acontecer dentro de uma escola, mas denota que se trata de um problema social profundo, estruturante e de muitas camadas, que está presente em todos os espaços da sociedade. Mas a escola ainda é o ambiente com maior potencial para reconstrução de relações sociais mais justas e saudáveis. Precisa assumir esse papel", ressalta.
Para auxiliar as escolas a aplicarem práticas pedagógicas voltadas ao enfrentamento do racismo, a Secretaria de Raça e Sexualidade do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) elaborou uma cartilha com orientações. Ler obras de autores e protagonistas negros, promover discussões sobre questões raciais e incentivar pesquisas sobre as contribuições dos povos africanos são alguns dos métodos listados para a educação antirracista.
"Exibição de filmes, séries e documentários sobre a riqueza cultural dos países africanos. Organização de rodas de conversa virtuais com estudantes e professores africanos. Isso ajudaria os estudantes a compreender a África para além dos estereótipos", recomenda o doutor em linguística André Lúcio, que tem o projeto de identificar e mapear Baobás no DF — árvores que são símbolos culturais do continente africano.
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