Nesta quarta (15), estudantes, professores, gestores, parlamentares e sociedades civil participam de mobilização nacional em prol da revogação do novo ensino médio, que foi instituído de forma plena em 2022. A comunidade escolar tem criticado a implementação desde 2016, no governo Temer, quando o assunto começou a ser estudado, dando origem a Lei 13.415, em fevereiro de 2017. Em Brasília, a concentração será no Museu Nacional da República, às 9h.
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o Novo Ensino Médio, estabeleceu mudança na estrutura desse nível de ensino, ampliando o tempo mínimo do estudante e definindo uma nova organização curricular, mais flexível, que contemple uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a oferta de diferentes possibilidades de escolhas aos estudantes, os itinerários formativos, com foco nas áreas de conhecimento e na formação técnica e profissional.
O Novo Ensino Médio amplia a carga horária mínima de 2.400 para 3.000 horas, divididas entre 1.800 horas/aulas de disciplinas básicas como português, matemática e biologia e 1.200 de itinerários formativos, que cada escola pode fornecer, criando uma grade de ofertas, a para atender aos interesse, necessidades e ambições dos estudantes.
O novo modelo, segundo a Lei 13.415, a oferta de diferentes itinerários formativos no Novo Ensino Médio possibilitará a escolha das trilhas de aprofundamento e eletivas pelos estudantes, ampliando seus conhecimentos em uma das áreas como linguagens, matemática, ciências da natureza ou ciências humanas e sociais; ou ainda, em uma formação técnica e profissional que poderá ser ofertada pela escola.
O novo regime passou a ser adotado por diversas instituições do país, para que aos poucos as gestões escolares pudessem realizar adaptações na infraestrutura das escolas e organizar ofertas de aulas, entrando em vigor pleno apenas em 2022.
A justificativa para a mudança é garantir a oferta de educação de qualidade a todos os jovens brasileiros e de aproximar as escolas à realidade dos estudantes de hoje, considerando as novas demandas e complexidades do mundo do trabalho e da vida em sociedade.
Em contrapartida, o cenário observado no país inteiro em relação ao novo ensino médio, é marcado por aflição da comunidade escolar. Professores e alunos relatam desamparo por parte do Estado. Alunos afirmam que as matérias ofertadas pelas eletivas pouco têm contribuído com suas formações, como a disciplina O que rola por aí, ofertada em uma escola do Rio de Janeiro e que trata de assuntos do cotidiano e explora a interação com as formas de expressão utilizadas no meio digital. Ou Ping Pong, que compõe a grade de uma escola no DF, onde os alunos jogam durante toda a aula, de forma livre, sem a interação e didática do professor. Educadores dizem não saber como gerir as aulas nos novos formatos, muito assumiram itinerários formativos que não condizem com suas formações.
Na última semana, o MEC abriu consulta pública para que toda a sociedade avalie e indique pontos para a reestruturação da política nacional do ensino médio. A ideia é de que por meio das interações sociais, mudanças sejam feitas.
Posição da Ubes
A presidente da União dos Estudantes Secundaristas, Jade Beatriz Martins, 19 anos, estudante do ensino técnico em edificações pelo Instituto Federal de São Paulo, diz que a grande problemática do Novo Ensino Médio é, além da infraestrutura das escolas para receber os novos itinerários.
“A grade do ensino é muito focada no mercado de trabalho, a escola é um ambiente onde a gente forma o senso crítico, precisamos ter aulas que ajudem a fomentar os pensamentos. Algumas das aulas optativas ofertadas fogem da nossa realidade. Tem escolas tendo aula sobre como fazer brigadeiro. O Novo Ensino Médio agrava a desigualdade social.”
Jade destaca que escolas particulares que estão colocando em prática o novo modelo se saem bem, pois tem estrutura e investimento necessários para gerirem o formato e proporcionarem melhores experiências aos alunos. “No Rio de Janeiro, estudantes precisam se deslocar para uma segunda escola para conseguir cumprir com a carga horária. Porque suas escolas não oferecem estrutura para algumas aulas essenciais e eles não podem reprovar.”
“A fotografia da educação do Brasil é a mesma há muitas décadas. E uma revisão precisa ser feita, acompanhando as mudanças sociais e as necessidades de quem está todos os dias em escolas. O modelo atual não foi construído por nós, não houve participação de alunos e professores.”
“Para que um novo modelo seja aplicado, é necessário antes revogar completamente esse, que não funciona. E apresentar novos modelos, que levem em conta questões como investimento na educação brasileira”, diz. “As escolas estão caindo aos pedaços.”
A líder estudantil afirma que será necessária uma recomposição orçamentária na educação e que sem ela, nenhum novo projeto será bem sucedido sem investimento financeiro na educação básica. “Tudo o que a gente tem hoje é fruto da luta de outros estudantes. Agora, é a nossa vez de garantir o futuro da educação. A reconstrução do país precisa surgir através da educação.”
Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Edileuza Fernandes explica que, em 2003, foi instaurado debate, em seminário com foco no Ensino Médio: Ciência, Cultura e Trabalho, com o objetivo de discutir e propor uma política voltada ao ensino médio, considerando a necessidade do enfrentamento da fragmentação curricular que sempre caracterizou o ensino médio e de dar protagonismo ao jovens no processo de pensar outro currículo, mas também as finalidades e princípios da formação das juventudes.
Segundo a professora: "O Novo Ensino Médio, aprovado pela Lei 13.415/2017, vai na contramão do que os especialistas discutiam em 2003 e ao que os estudantes desejam hoje, um currículo que leve em conta as demandas da sociedade da informação e da tecnologia e os interesses e necessidades dos estudantes.”
“É muito difícil fazer a correção de um projeto questionado desde a sua origem por ter sido instituído por Medida Provisória em 2016 e que na implementação tem esbarrado com dificuldades relacionadas à formação docente, à estrutura física e tecnológica das escolas. Além da fragilidade nas orientações emanadas do MEC e secretarias de educação. Esperamos que a consulta pública de iniciativa do MEC, considere as avaliações que serão feitas pela comunidade escolar, acadêmica e entidades representativas dos profissionais da educação. E, se a avaliação indicar a necessária revogação, que este seja o caminho a se tomar”, mostra.
A docente também aponta que os alunos não estão tendo acesso aos conhecimentos das diferentes áreas de conhecimento e isso confronta o direito ao pleno desenvolvimento, como previsto na Constituição Federal e que esta ação, para além da formação, prejudica o futuro acadêmico dos estudantes e o prosseguimento de estudos no ensino superior.
"É histórica a luta por uma formação das juventudes que supere as desigualdades no acesso ao conhecimento das ciências, não podemos aceitar formações diferenciadas de acordo com o nível social e econômicos dos sujeitos. Isso é reforçar as desigualdades no ponto de partida", acrescenta.
Segundo ela, os vestibulares e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ainda não foram adaptados ao novo formato, mas a proposta é de que isso ocorra. Dessa forma, estudantes que estão recebendo menor carga horária de disciplinas relevantes para a formação integral, podem se prejudicar. “Os itinerários formativos que trazem abordagens e assuntos temáticos, pelos depoimentos estudantes, estão dispersos e pouco contribuem para que se preparem para os vestibulares e ao mesmo tempo, matérias muito importantes como filosofia, sociologia e história tiveram carga reduzida.”
A professora Edileusa mostra que as escolas privadas estão ampliando a carga horária para aprofundar conteúdos que a escola pública está aligeirando. “Será necessário que os novos modelos superem as diferenças entre alunos que frequentam a rede pública e a rede privada.”
Outra situação comum no atual modelo e que é apontada pela professora é a desvalorização da profissão que acontece quando professores formados em áreas específicas precisam assumir itinerários que não correspondem à sua atuação e preparação.
Estagiária sob a supervisão de Ana Sá