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INCLUSÃO

Entidades comemoram revogação do 'decreto da exclusão'

O presidente Lula revogou o decreto 10.502 instituído pelo ex-presidente Bolsonaro que abria margem para que escolas recusassem a matrícula de pessoas com deficiência

Diversas entidades que representam as pessoas com deficiência no Brasil comemoraram a revogação do decreto n° 10.502, assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 30 de setembro de 2020. A medida é uma das primeiras ações do presidente Lula, consolidada em 1º de janeiro de 2023 pelo decreto nº 11.370 e publicada no dia seguinte no Diário Oficial da União. O decreto de Bolsonaro recebeu crítica de diversos setores por abrir margem para que escolas negassem a matrícula de alunos com deficiência e por ser uma forma de segregar essa população.

Desde 2020, o decreto do ex-presidente Bolsonaro, conhecido como “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida” estava suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, que considerou inconstitucional o decreto. A revogação estava prevista no relatório final da transição do governo Lula. O governo instituiu, ainda, a Diretoria dos Direitos da Pessoa com Deficiência e o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade).

Na época, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) entrou com ação no STF pedindo a revogação do decreto e  a Federação Brasileira das Associações Brasileiras de Síndrome de Down (FBASD) participou como apoiadora no processo. “Batalhamos para que tivesse uma audiência pública e conseguimos afastar, por liminar, a previsão do decreto”, lembra a presidente da FBASD, Cléo Bohn. O decreto, no entanto, continuou em vigor, uma vez que ainda não tinha sido avaliado pelo pleno do STF.

Garantia constitucional

A presidente da FBASD considera a construção de escolas especializadas um absurdo. “Todas as pessoas têm a garantia constitucional, na lei brasileira de inclusão e na convenção internacional pelos direitos das pessoas com deficiência — que tem status constitucional e da qual o Brasil é signatário — de estarem nas escolas regulares”, defende.

A federação argumenta que é pela escola, pela socialização e pela parte acadêmica que o cidadão poderá se desenvolver e estar em todos os espaços da sociedade, que é um direito deles. “Além da revogação do decreto, é preciso garantir a capacitação de professores, de mais salas de recurso, monitores e mediadores. A inclusão é um conjunto de forças, tanto da sociedade quanto das famílias”, analisa.

Especialista em educação do Unicef no Brasil, Veronica Bezerra afirma que as salas de aula como ambientes da diversidade são espaços de afirmação dos valores democráticos que favorecem o desenvolvimento de práticas educacionais inovadoras e colaborativas, ampliando as chances de diálogo com o processo de aprendizagem de cada estudante. “A educação inclusiva é um desafio contemporâneo. É preciso uma transformação da cultura, de práticas e de políticas para garantir não apenas o acesso, mas a participação, o pertencimento e a aprendizagem de todos, sem exceção”, diz.

Desmonte no governo Bolsonaro

O defensor público federal de São Paulo especialista em direitos humanos e sociais André Naves, 41, reitera que a criação de turmas especializadas em escolas em turno normal de aulas, prevista pelo decreto 10.502 do ex-presidente Bolsonaro é uma forma de segregar as pessoas com deficiência. “Não há aprendizagem fora da diferença. Retirar as pessoas com deficiência da convivência é desastroso porque é justamente a convivência que gera o aprendizado. Como diz Paulo Freire, ninguém se emancipa sozinho”, argumenta.

André, que também é escritor e professor, explica que a criação de classes especializadas somente é benéfica quando aplicadas como reforço escolar no contraturno. Na análise do especialista, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro promoveu um desmonte em políticas públicas de inclusão social. “Foi um governo que desprezou essa parcela da população, que não deu prioridade a essa pauta e incentivou o preconceito”, observa. Para o governo do presidente Lula, a expectativa é de que haja um compromisso com a inclusão, conta. “A assinatura da revogação logo no primeiro dia do mandato demonstra que o governo está comprometido e que a inclusão vista na posse será de fato concretizada”, diz.

Ele destaca, ainda, que uma escola inclusiva gera um ambiente mais amistoso e reflete resultados positivos para todas as pessoas, não apenas às pessoas com deficiência. “A revogação foi necessária, mas não é suficiente. O Brasil precisa fortalecer o ensino com medidas transversais”, completa.

Compromisso no novo governo

Para Renato Godoy, coordenador de Relações Governamentais do Instituto Alana, uma das entidades que faz parte da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva, a revogação do decreto 10.502 é um sinal de esperança e também reforça a postura de compromisso do atual governo com as pessoas com deficiência. “Essa medida foi cobrada por vários grupos de trabalho na transição e foi muito celebrada”, comemora. Godoy ressalta que a medida não é isolada, e que é acompanhada por um conjunto de leis, como a volta da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), criada em 1999 e que tinha sido extinta por Bolsonaro.

Arquivo pessoal - Renato Godoy, coordenador de Relações Governamentais do Instituto Alana, uma das entidades que faz parte da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva
Arquivo pessoal - Cléo Bohn: escola regular para todos, sem discriminação, é garantia constitucional
Arquivo pessoal - André Naves, defensor público federal de São Paulo especialista em direitos humanos e sociais

“Essa atitude mostra que o governo irá priorizar a educação inclusiva. Precisamos ainda de um trabalho de escuta constante da sociedade civil e desse arranjo institucional do governo para construir políticas públicas eficazes a essa população”, destaca.