EDUCAÇÃO

‘Gritei por desabafo’, diz mãe de autista encontrado sujo de fezes em escola

A mãe afirma que encontrou a criança em pé, seminua, com o órgão genital exposto e suja de fezes. Defesa quer saber se houve abandono de incapaz e negligência

Jéssica Andrade
postado em 09/12/2022 18:57 / atualizado em 09/12/2022 19:13
Mãe acusa escola de deixar filho autista sujo de fezes e rodeado de moscas -  (crédito: Reprodução/Redes Sociais)
Mãe acusa escola de deixar filho autista sujo de fezes e rodeado de moscas - (crédito: Reprodução/Redes Sociais)

A atendente Tatiana Petroceli acusa a escola do filho, que é autista nível 1 de suporte, de deixá-lo sujo e rodeado por moscas durante quase uma hora. Funcionários da escola, por sua vez, registraram boletim de ocorrência contra ela por desacato. A Polícia Civil e a Secretaria de Educação do DF investigam o caso.

Tatiana conta que, na manhã da última quarta-feira (7/11), recebeu uma ligação da escola, o Centro de Ensino Fundamental 02 de Planaltina, informando que o filho dela, de 5 anos - que não terá o nome divulgado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - havia usado o banheiro e sujado a roupa. Na ligação, feita pela professora, ela solicitou ainda que a mãe levasse uma toalha de banho e uma muda de roupas, sem dar mais detalhes.

O percurso entre a casa da família e a escola é de 40 minutos. Ao chegar ao local, Tatiana se deparou com a criança sem as partes debaixo das roupas, com as partes íntimas expostas, segurando a camisa acima da barriga para não sujar, enquanto fezes escorriam pelas pernas do aluno. “O banheiro estava todo sujo, tinha fezes e papel higiênico por todos os lados. Provavelmente porque ele tentou se limpar e não conseguiu. Os shorts dele estavam no vaso ao lado, todo sujo. Ele estava em pé ali desde que me ligaram. Minha única reação foi abraçar meu filho e dizer que estava tudo bem”, relembra.

O estudante tem um monitor terapêutico - o que lhe é garantido por lei - que tem o dever de mediar as interações do aluno com os professores e colegas, facilitar a participação nas atividades pedagógicas e sociais, oferecendo ferramentas que permitam o entendimento do paciente daquele contexto e também segurança para sua participação de forma autônoma nas atividades escolares.

Segundo a mãe, o monitor ficou o tempo todo próximo ao menino, mas do lado de fora do banheiro. “Eu perguntei porque ele não havia ajudado o meu filho, ele disse que havia sido proibido pela administração da escola." O homem indicou para Tatiana onde ficava o banheiro, para que ela pudesse dar um banho no filho. Além dele, outras crianças e servidores assistiam a cena, inclusive vendo o menino nú, rindo e zombando, segundo a mãe.

 

  • Mãe acusa escola de deixar filho autista sujo de fezes e rodeado de moscas Reprodução/Redes Sociais
  • Mãe acusa escola de deixar filho autista sujo de fezes e rodeado de moscas Reprodução/Redes Sociais
  • Mãe acusa escola de deixar filho autista sujo de fezes e rodeado de moscas Reprodução/Redes Sociais

“Quando o levei para o banho, a ficha do que tinha acontecido caiu. Foi quando me dei conta da situação vexatória e humilhante que ele viveu. Eu não estava acreditando que o meu filho, que é uma criança muito tranquila, estava vivendo aquilo. Entrei em choque”, relembra a mãe.

Tatiana conta que, por não saber lidar com a situação, chamou a irmã para ampará-la. E que ao avistar a vice-diretora, Girlene, perguntou o porquê ninguém havia ajudado o garoto. “De forma grosseira, ela simplesmente disse que não ia responder. Que não tinha a obrigação, que a obrigação de limpar ele e o banheiro era minha. E que, se eu quisesse, que fosse buscar meus direitos”, conta Tatiana.

Foi nesse momento que a mãe do menino gritou as seguintes palavras, segundo ela, para a discente: “Se você fosse seu filho, você faria isso? Se fosse seu filho, você o deixaria assim? Você deixaria todo mundo ver ele nu e zombar dele?”. "Eu gritei (com ela) por desabafo", afirma a mãe.

Em seguida, Tatiana disse que passou a se sentir mal, e resolveu ir à Unidade de Saúde, que ficava próxima à 31ª Delegacia de Polícia, em Planaltina. Ela viu que os profissionais da instituição já estavam na DP, mas preferiu ir ao posto de saúde primeiro, pois estava com a pressão arterial alta e precisou ser medicada.

“Ao retornar para a delegacia, eu contei tudo o que aconteceu, acreditando ter registrado um boletim de ocorrência (BO) e fui embora. Só no dia seguinte, quando minha minha advogada pediu para eu buscar o BO, foi que eu descobri que não havia registrado nada, eu apenas fui testemunha do BO que a escola registrou contra mim”, conta a mãe do aluno.

“Não é verdade que ele estava em crise e impediu o monitor de ajudá-lo. Ao contrário, eles se dão super bem”, diz Tatiana, ao destacar que o filho é diagnosticado com autismo nível 1 de suporte, antigo autismo ‘leve’, e que foi ao banheiro sozinho porque é independente e, na maioria das vezes, sabe se limpar sozinho. “Quando perguntei para o meu filho o que tinha acontecido, ele disse que foi fazer xixi, sentiu vontade de soltar gases e, sem querer, defecou. Acredito que ele teve uma dor de barriga ou diarréia e tenha perdido o controle da situação”, expõe a mãe.

O outro lado

Em nota, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal afirmou que instaurou um procedimento de investigação preliminar para apuração dos fatos, mas que não pode emitir maiores detalhes, tendo em vista a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o ECA.

A reportagem pediu ainda para falar com a vice-diretora da escola e o monitor educacional que acompanha o garoto, para que ambos contassem a versão deles sobre o fato. Porém, até a última atualização desta matéria, não recebeu resposta. O espaço segue aberto para manifestações.

O Correio tenta contato também com a Polícia Civil do DF para mais detalhes sobre a investigação.

Defesa

A advogada de defesa de Tatiana Petroceli afirma que ela não "desacatou ninguém", apenas quis uma explicação sobre o ocorrido. "Na verdade, a escola tentou tirar o foco do ocorrido com a criança tentando imputar um crime de desacato, outro absurdo”, defende a jurista.

Simone disse que vai protocolar uma ação pedindo que a escola ofereça um plano de ação, abordagem e conduta sobre questões diárias da instituição, segundo a cartilha da Educação. De acordo com ela, o documento define que, nesses casos, os pais devem ser consultados e deve ter uma integração entre família e escola para que a inclusão possa dar certo.

“O que não acontece pois a pessoa do educador deveria vir antes do cargo que ocupa para poder tomar as decisões pautadas na dignidade da pessoa e da criança, nas limitações diárias, tudo de forma transparente. Esse diálogo não existe entre os pais e a escola, porque o educador deve acolher as crianças e os pais numa ação de cooperação e atitude contínuas”, afirma a defesa de Tatiane.

Para a advogada, houve uma omissão por parte da escola. “Estaremos analisando se houve abandono de incapaz ou até mesmo discriminação para entrar com as medidas judiciais cabíveis, já que a escola não apresenta aos pais um plano de ação para construção dessa relação família”.

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