Julgamento

STF decide que garantia de vaga em creche e pré-escola é dever do Estado

Decisão implica em cumprimento obrigatório nas mais de 20 mil ações sobre o mesmo tema que tramitam no Judiciário do país. CNM afirma que decisão é desfavorável aos municípios

Eu Estudante
postado em 22/09/2022 19:48 / atualizado em 22/09/2022 20:40
 (crédito: Barbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)
(crédito: Barbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (22) que é dever do Estado garantir vagas em creches e na pré-escola para crianças de 0 até 5 anos de idade. Por unanimidade, a Corte confirmou a garantia, que está prevista no artigo 208, inciso IV, da Constituição. Para a Confederação Nacional de Municípios (CNM), a decisão pode afetar os serviços prestados em todas as etapas da educação e totalizar prejuízo de R$ 120,5 bilhões aos municípios.

Apesar de o direito a creche estar previsto na Carta Magna, o Supremo precisou decidir sobre a questão porque diversas prefeituras são acionadas na Justiça pelos pais de crianças em busca de vagas, mas alegam que não têm recursos para garantir as matrículas.

Prevaleceu o voto proferido na quarta-feira (21) pelo relator, ministro Luiz Fux. No entendimento do ministro, o direito à educação infantil é assegurado na Constituição e não pode ser negado sem justificativa.

Ao final do julgamento, o plenário decidiu aprovar uma tese que será aplicada aos casos semelhantes que tramitam na Justiça.

"A educação infantil compreende creche (de 0 a 3 anos) e a pré-escola (de 4 a 5 anos). Sua oferta pelo poder público pode ser exigida individualmente, como no caso examinado neste processo. O poder público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica", definiu a Corte.

O caso que motivou o julgamento foi um recurso do município de Criciúma (SC) contra decisão da Justiça de Santa Catarina que obrigou o governo local a ofertar vaga em creche para uma criança carente.

O processo julgado tem repercussão geral, ou seja, a decisão tomada pelo STF será de cumprimento obrigatório nas ações sobre o mesmo tema que tramitam no Judiciário do país.

CNM destaca prejuízos

Por meio de nota, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) afirma que acompanhou e atuou diretamente no julgamento pelo STF do recurso extraordinário da ação movida pelo município de Criciúma sobre a obrigatoriedade do poder público de oferecer e garantir vagas em creches e pré-escolas para crianças de 0 a 5 anos, e vê o resultado com extrema preocupação.

De acordo com a entidade, a tese de repercussão geral aprovada pela Corte pode afetar os serviços prestados em todas as etapas da educação e totalizar R$ 120,5 bilhões aos municípios, considerando-se o atendimento a todas as crianças entre 0 e 3 anos. A CNM afirma que fez contribuições à matéria, com sustentação oral em que apresentou dados em defesa dos entes locais.

"A repercussão vale como uniformização da interpretação no âmbito do Judiciário e, apesar de não vincular de forma direta à administração pública, caberá aos municípios a garantia das vagas a todas as crianças na faixa etária. Existem 20.266 processos judiciais que foram sobrestados aguardando a decisão do STF no Recurso Extraordinário de Criciúma. Nesses casos judicializados e que estavam aguardando, as vagas deverão ser disponibilizadas imediatamente pelos municípios. Além disso, a decisão do STF poderá levar à judicialização extenso número de processos neste mesmo sentido no futuro", afirma a CNM.

A entidade afirma lamentar defesas feitas por magistrados que optaram por não considerar a viabilidade da decisão, a diversidade de realidades locais, os desafios já enfrentados pelas administrações municipais na prestação de serviços básicos à população e os impactos decorrentes da decisão. Segundo seus dirigentes, "erram os ministros ao não diferenciarem creche de pré-escola, na medida em que a creche é o único segmento da educação básica que, constitucionalmente, não é obrigatório".

A entidade entende que o poder público tem o dever de assegurar vaga a todas as crianças e jovens, mas pondera que a Constituição Federal de 1988 diferencia as creches das pré-escolas. "Esta última, sim, tem caráter obrigatório e a meta do país, de acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE), é atender a 100% das crianças de 4 e 5 anos nesse segmento da educação básica. Em 2019, segundo dados do Inep, a taxa de atendimento foi de 92,9%. Já a creche não tem como meta universalizar o atendimento educacional na faixa etária de 0 a 3 anos, mas assegurar, até 2024, no mínimo, a cobertura a 50% dessas crianças. Em 2019, o Brasil atendeu 35,6% das crianças nessa faixa etária."

 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país possui aproximadamente 11,8 milhões de crianças de 0 a 3 anos. O Censo Escolar de 2021 apontou que 3,4 milhões de crianças são atendidas pelas creches no país. Os Municípios são responsáveis por aproximadamente 70% das matrículas totais nas creches, enquanto os outros 30% são atendidos pela iniciativa privada, uma vez que as esferas federal, estadual e o Distrito Federal possuem uma quantidade pouco expressiva de matrículas.

As prefeituras possuem um custo por aluno aproximado de R$ 1.200 por mês. O custo médio de manutenção das crianças na creche, atualmente, chega a cerca de R$ 50 bilhões ao ano, dos quais R$ 35 bilhões estão sob responsabilidade dos municípios.

A CNM calcula que, para matricular 50% das crianças nas creches, seria necessária a abertura de 2,6 milhões de novas vagas, totalizando um custo anual de R$ 37,4 bilhões. E observa que o atendimento de 100% das crianças nessa faixa etária requereria a criação de 8,4 milhões de vagas, o que corresponde a 71% da estimativa de população da faixa etária para 2021 e os R$ 120,5 bilhões, que ainda não consideram todas as despesas para a construção das creches e sua manutenção.

"A CNM destaca o desrespeito ao princípio da unidade da constituição, que busca evitar contradições e antinomias na interpretação constitucional. As normas constitucionais devem ser consideradas em um sistema unitário de regras e princípios e, dada essa premissa, é evidente que o texto da Constituição não confere direito subjetivo público à creche para crianças de 0 a 3 anos", frisa a nota da CNM.

A entidade aponta, ainda o artigo 208, inciso IV, da Constituição, que dispõe sobre o dever da oferta da creche e pré-escola, foi lido isoladamente. E observa que o artigo 208, inciso I, dispõe sobre a oferta da educação básica obrigatória dos 4 a 17 anos, correspondendo à idade adequada à pré-escola (4 e 5 anos), ensino fundamental (6 a 14 anos) e ensino médio (15 a 17 anos) e que, ao mesmo tempo, os parágrafos 1º e 2º do art. 208 da CF dispõem que o ensino obrigatório é direito público subjetivo e que a autoridade competente somente pode ser responsabilizada pelo não oferecimento, ou sua oferta irregular, do ensino obrigatório.

"Ao ler isoladamente determinado dispositivo constitucional, o STF não contribui para esclarecer a sociedade sobre as políticas públicas a serem implementadas pelas autoridades competentes, que devem, por exemplo, observar as metas definidas pelo PNE. Na formulação das políticas educacionais relativas à oferta da creche, é preciso considerar as necessidades das famílias e a disponibilidade de cada ente local, de forma a não causar problemas para a gestão da educação no país", finaliza o documento.

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