Fome nas escolas

Entidades repudiam falta de merenda nas escolas públicas do país

Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação apontam retrocesso histórico no país

Jáder Rezende
postado em 13/09/2022 14:55
Alunos do Centro Educacional 3, em Planaltina, exibem carimbos nas mãos, medida adotada naquela unidade para impedir a repetição da merenda escolar -  (crédito: Reprodução/G1)
Alunos do Centro Educacional 3, em Planaltina, exibem carimbos nas mãos, medida adotada naquela unidade para impedir a repetição da merenda escolar - (crédito: Reprodução/G1)

A merenda escolar oferecida nas escolas públicas do país nunca foi tão pobre e racionada. O governo disponibiliza, hoje, menos de R$ 1 por aluno para a alimentação dos estudantes do ensino básico, ignorando o reajuste da inflação. Para os alunos da pré-escola, a merenda, agora, custa 53 centavos e, para os que estão no ensino médio e fundamental, 36 centavos, de acordo com o Ministério da Educação (MEC).

Em agosto, o presidente Jair Bolsonaro vetou o reajuste de 34% aprovado pelo Congresso, para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), por considerar a medida “contrária ao interesse público”. Há cinco anos o programa não é reajustado. Entidades como a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) repudiam a medida.

Na semana passada, chamou a atenção a realidade do Centro Educacional 3, em Planaltina, onde alunos estavam sendo carimbados nas mãos para evitar a repetição da merenda, fato classificado pela própria Secretaria de Educação do GDF como “lastimável”.

Outro exemplo de descaso com a fome foi registrado na Escola Francisca Mendes Guimarães, em Nova Fátima (BA). Lá, a merenda dos alunos se resume a bolachas doces e salgadas, que devem ser escolhidas em uma bacia, e um copo de suco de maracujá.

Para o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, trata-se de mais uma grande frustração. “desde 2017 sofremos com essa realidade. Não é admissível que o valor da merenda para os estudantes dos ensinos médio e fundamental seja apenas 36 centavos. Isso é impraticável”, afirma, lembrando que a alimentação escolar é fator primordial para a garantia da aprendizagem. “É preciso garantir o mínimo necessário”, alerta.

Garcia pondera, ainda, que passado o período crítico da pandemia a expectativa recai sobre a implementação de programas complementares de alimentação nas escolas, como forma de grantir a recuperação da aprendizagem. “Mas o que vivenciamos é uma frustração total”, lamenta, observando que a única saída seria a intervenção do Poder Legislativo. “A situação  está insuportável pra os municípios. Poucos são os que conseguem relocar recursos de outras fontes. Não faz sentido aceitar a perda de qualidade da alimentação escolar. Estamos retrocedendo 30, até 40 anos no tempo. É inadmissível”, diz.

Para a gerente de Conhecimento Aplicado na Fundação Maria Cecília Souto Vidgal, Beatriz Abuchaim, o papel da escola no desenvolvimento infantil é fundamental. Entre outros pontos, afirma, a escola é capaz de garantir estímulos adequados ao desenvolvimento integral, promovendo aprendizagens significativas. Além disso, completa, os estabelecimentos de ensino também desempenham papel protetivo, de identificação da exposição de crianças a situações de violência e fome, por exemplo. “É papel da escola prover merenda escolar”, alerta.

Abuchaim lembra que a alimentação escolar é um direito garantido pela Constituição Federal, como um programa suplementar à educação e que o Estado tem a obrigação de garantir que os estudantes recebam alimentação durante o período em que estiverem na escola. “Essa merenda, no Brasil, é subsidiada pelo Governo Federal para todos os alunos da educação básica de escolas públicas e filantrópicas. O repasse é feito diretamente aos estados e municípios, com base nas matrículas declaradas no censo escolar”, pontua.

Ela é mais uma a observar que em um cenário pós-emergência da covid-19, no qual a insegurança alimentar é realidade no país, o veto presidencial contra o reajuste do PNAE impacta diretamente nas crianças. “A insegurança alimentar precisa ser combatida, pois representa uma violação aos direitos da criança e pode resultar em impacto negativo para o seu desenvolvimento pleno”, diz.

Além disso, frisa a especialista que diferentes pesquisas acadêmicas indicam que o acúmulo de deficiências nutricionais causado pela fome ou pelo consumo de alimentos de baixa qualidade impactam diretamente na aprendizagem e no desenvolvimento infantil.

“Não podemos esquecer que o último Censo Escolar da Educação Básica, realizado pelo INEP em 2021, apontou que cerca de meio milhão de estudantes matriculados em período integral realizam pelo menos uma refeição na escola. Em muitas famílias em situação de vulnerabilidade, as crianças acabam por depender das escolas para se alimentar de forma adequada. Assim, é imprescindível garantir recursos para uma alimentação escolar suficiente e de qualidade, que possa contribuir para o desenvolvimento saudável das crianças”, conclui.

Posicionamento do MEC

O MEC informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o FNDE não possui autonomia para aumentar o valor a ser repassado às entidades executoras e que esse aumento só pode ocorrer se houver majoração do valor per capita, já que o montante a ser transferido é o produto, conforme estabelecido em resolução do fundo.

Argumentou "que o atendimento do PNAE é universal e alcança todos os estudantes matriculados na rede pública de ensino, em conformidade com o Censo Escolar do exercício anterior ao ano de assistência, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)".

Afirmou, ainda, que "a previsão é atender, até o final de 2022, 40,3 milhões de estudantes da educação básica pública das redes municipal, estadual, distrital e federal, e que os valores per capita repassados a cada ente federado são definidos no Art. 47, da Resolução CD/FNDE nº 6/2020, não havendo aporte diferenciado entre os municípios em maior vulnerabilidade social".

Além disso, destacou que, "durante o período de pandemia da covid-19, o FNDE repassou duas parcelas extras, a fim de apoiar os municípios e estados, garantindo mais recursos para viabilizar a distribuição de kits de alimentos aos estudantes em aulas remotas".


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