Polêmica

Professor é demitido por usar tirinha sobre polícia em prova

Colégio Visão, de Goiânia, cedeu à pressão de seguidores do blogueiro Gustavo Gayer, que postou vídeo acusando o mestre de "doutrinação"

Jáder Rezende
postado em 29/06/2022 21:03 / atualizado em 30/06/2022 20:02
O professor Osvaldo Neto, demitido do Colégio Visão, de Goiânia:
O professor Osvaldo Neto, demitido do Colégio Visão, de Goiânia: "Saio de cabeça erguida" - (crédito: Arquivo Pessoal)

Por ter utilizado em uma prova uma tirinha do cartunista André Dahmer, do jornal Folha de S Paulo, o professor de sociologia do colégio Visão, de Goiânia, Osvaldo Machado da Silva Neto, 41 anos, foi sumariamente demitido. A decisão provocou a reação dos estudantes, que promoveram, na manhã desta quarta-feira (29), uma manifestação nos corredores da escola privada, contra o desligamento do funcionário. O motivo da demissão foi a publicidade do fato, que ganhou repercussão ao ser veiculada pelo blogueiro Gustavo Gayer, em suas redes sociais.

A tirinha de André Dahmer foi usada em uma prova de recuperação, questionando “qual o elemento do Estado que está sendo retratado”. Mostra um dos personagens do cartunista lendo um jornal, comentando, no primeiro quadro, sobre mais um assalto ocorrido em São Paulo. Em seguida, o mesmo personagem diz “Ainda bem que temos a polícia para combater a violência em prol...” E finaliza com a frase “...da barbárie”.

Indignado com a utilização da tirinha na prova, Gayer postou um vídeo acusando o professor de “doutrinar” os alunos. “O professor de sociologia ensinando para os jovens que a polícia causa barbárie. Odeia a polícia, nas ama os bandidos”, disse, ele na gravação postada na segunda-feira, que recebeu apoio de dezenas de seguidores. Ex-candidato a prefeito de Goiânia, Gayer foi citado em uma lista do Google encaminhada à CPI da covid como o segundo blogueiro que mais disseminou fake news no país durante o auge da pandemia.

Osvaldo Machado, que mora em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, lecionava há seis anos no colégio. Ele disse que viu o vídeo de Gayer na segunda pela manhã e foi informado sobre sua demissão no dia seguinte. “Esse vídeo produziu enorme desconforto. A questão na prova, com a utilização da tirinha, não era sobre polícia ou bandido, mas sobre o aspecto do estado”, disse, observando que a prova foi aplicada somente para seis alunos.

Segundo ele, o uso da tirinha foi comunicado à direção da escola, sem que houvesse qualquer manifestação contrária. “No dia seguinte (terça-feira), percebi algo estranho. A diretora me chamou e, depois da aula, quando me apresentei, fui surpreendido com o anúncio da demissão. Considerei o motivo desproporcional”, disse.

Osvaldo leciona em outro colégio particular de Goiânia, o Simbios, e afirma que lá recebeu apoio dos professores e diretores. “Me acolheram, disseram que nada ocorreria em função desse episódio lamentável. Fui vítima da ideia de escola sem partido, de violência psicológica e econômica, mas saio de cabeça erguida, com o apoio de pais, alunos e professores do colégio que me demitiu”, afirma. “Eu e minha esposa planejávamos uma gravidez, mas agora, com a maior parte dos meus rendimentos cortada, e sem plano de saúde, fica mais difícil realizar esse sonho”, lamenta.

Tirinha de André utilizada na prova do professor Osvaldo Neto
Tirinha de André utilizada na prova do professor Osvaldo Neto (foto: Reprodução)

Osvaldo disse não ter decidido ainda se pretende processar o colégio Visão, mas está inclinado a mover uma ação contra Gayer, por difamação e danos morais.

Por meio de nota, divulgada nesta quinta-feira (30), a assessoria do Colégio Visão informou que a escola proíbe “manifestações ideológicas”. "A escola possui um código de conduta que veda manifestações políticas, partidárias ou ideológicas em ambiente escolar. A direção do colégio mantém um canal de diálogo aberto com alunos e familiares, sempre pautando suas ações no código de conduta", diz a nota.

O cartunista André Dahmer também se manifestou em uma rede social sobre o episódio. "O colégio Visão não sabe, mas meu trabalho aparece com frequência em concursos públicos e vestibulares. Em 2011, um dos meus quadrinhos foi tema de redação do ENEM". Durante os protestos dos alunos, a publicação do cartunista foi reproduzida em cartazes espalhados pela escola. 

O caso remete ao de um professor da rede pública do Distrito Federal, que foi enxovalhado por deputados distritais e pela Secretaria de Educação do GDF por usar em suas aulas de sociologia do ensino médio a cartilha da personagem Niara, do cartunista Aroeira, explicando a necessidade de tributação de grandes fortunas.

O Correio entrou em contato com Gayer e com a diretora do colégio Visão, Any Rezende, mas ambos não retornaram até a publicação da matéria.

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