Por ter utilizado em uma prova uma tirinha do cartunista André Dahmer, do jornal Folha de S Paulo, o professor de sociologia do colégio Visão, de Goiânia, Osvaldo Machado da Silva Neto, 41 anos, foi sumariamente demitido. A decisão provocou a reação dos estudantes, que promoveram, na manhã desta quarta-feira (29), uma manifestação nos corredores da escola privada, contra o desligamento do funcionário. O motivo da demissão foi a publicidade do fato, que ganhou repercussão ao ser veiculada pelo blogueiro Gustavo Gayer, em suas redes sociais.
A tirinha de André Dahmer foi usada em uma prova de recuperação, questionando “qual o elemento do Estado que está sendo retratado”. Mostra um dos personagens do cartunista lendo um jornal, comentando, no primeiro quadro, sobre mais um assalto ocorrido em São Paulo. Em seguida, o mesmo personagem diz “Ainda bem que temos a polícia para combater a violência em prol...” E finaliza com a frase “...da barbárie”.
Indignado com a utilização da tirinha na prova, Gayer postou um vídeo acusando o professor de “doutrinar” os alunos. “O professor de sociologia ensinando para os jovens que a polícia causa barbárie. Odeia a polícia, nas ama os bandidos”, disse, ele na gravação postada na segunda-feira, que recebeu apoio de dezenas de seguidores. Ex-candidato a prefeito de Goiânia, Gayer foi citado em uma lista do Google encaminhada à CPI da covid como o segundo blogueiro que mais disseminou fake news no país durante o auge da pandemia.
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Osvaldo Machado, que mora em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, lecionava há seis anos no colégio. Ele disse que viu o vídeo de Gayer na segunda pela manhã e foi informado sobre sua demissão no dia seguinte. “Esse vídeo produziu enorme desconforto. A questão na prova, com a utilização da tirinha, não era sobre polícia ou bandido, mas sobre o aspecto do estado”, disse, observando que a prova foi aplicada somente para seis alunos.
Segundo ele, o uso da tirinha foi comunicado à direção da escola, sem que houvesse qualquer manifestação contrária. “No dia seguinte (terça-feira), percebi algo estranho. A diretora me chamou e, depois da aula, quando me apresentei, fui surpreendido com o anúncio da demissão. Considerei o motivo desproporcional”, disse.
Osvaldo leciona em outro colégio particular de Goiânia, o Simbios, e afirma que lá recebeu apoio dos professores e diretores. “Me acolheram, disseram que nada ocorreria em função desse episódio lamentável. Fui vítima da ideia de escola sem partido, de violência psicológica e econômica, mas saio de cabeça erguida, com o apoio de pais, alunos e professores do colégio que me demitiu”, afirma. “Eu e minha esposa planejávamos uma gravidez, mas agora, com a maior parte dos meus rendimentos cortada, e sem plano de saúde, fica mais difícil realizar esse sonho”, lamenta.
Osvaldo disse não ter decidido ainda se pretende processar o colégio Visão, mas está inclinado a mover uma ação contra Gayer, por difamação e danos morais.
Por meio de nota, divulgada nesta quinta-feira (30), a assessoria do Colégio Visão informou que a escola proíbe “manifestações ideológicas”. "A escola possui um código de conduta que veda manifestações políticas, partidárias ou ideológicas em ambiente escolar. A direção do colégio mantém um canal de diálogo aberto com alunos e familiares, sempre pautando suas ações no código de conduta", diz a nota.
O cartunista André Dahmer também se manifestou em uma rede social sobre o episódio. "O colégio Visão não sabe, mas meu trabalho aparece com frequência em concursos públicos e vestibulares. Em 2011, um dos meus quadrinhos foi tema de redação do ENEM". Durante os protestos dos alunos, a publicação do cartunista foi reproduzida em cartazes espalhados pela escola.
O colégio Visão não sabe, mas meu trabalho aparece com frequência em concursos públicos e vestibulares. Em 2011, um dos meus quadrinhos foi tema de redação do ENEM: https://t.co/dxJGbCwIHK https://t.co/29uXCyW6vb
— André Dahmer (@malvados) June 29, 2022
O caso remete ao de um professor da rede pública do Distrito Federal, que foi enxovalhado por deputados distritais e pela Secretaria de Educação do GDF por usar em suas aulas de sociologia do ensino médio a cartilha da personagem Niara, do cartunista Aroeira, explicando a necessidade de tributação de grandes fortunas.
O Correio entrou em contato com Gayer e com a diretora do colégio Visão, Any Rezende, mas ambos não retornaram até a publicação da matéria.