A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (18), por 290 votos a 144, o regime de urgência para o projeto de lei que regulamenta a prática da educação domiciliar no Brasil. Partidos de esquerda tentam obstruir a pauta. Caso não obtenham êxito, a proposta será votada em plenário ainda hoje. A polêmica pauta representa o único projeto prioritário do governo federal para a educação.
Entregue no fim de abril, o parecer da relatora da proposta, deputada Luísa Canziani (PSD-PR), abriu a possibilidade de que a matéria fosse apreciada em plenário antes do recesso parlamentar, em julho, mas acordo de líderes abriu a possibilidade da votação do texto em regime de urgência.
Ainda de acordo com o substitutivo preliminar da deputada Canziani para essa proposta, para usufruir da educação domiciliar o estudante deve estar regularmente matriculado em instituição de ensino, que deverá acompanhar a evolução do aprendizado.
Opiniões divididas
A discussão da urgência dividiu opiniões. Contrários à medida, os deputados Bacelar (PV-BA) e Idilvan Alencar (PDT-CE) afirmaram que a educação domiciliar desvaloriza o professor. “É entregar seus filhos para quem não foi formado para ensinar. E escola é o lugar do contato direito com a diversidade, é a fábrica dos regimes democráticos, já dizia Anísio Teixeira”, declarou Bacelar.
Líder do PSOL na Câmara, a Sâmia Bonfim destacou que o projeto ataca frontalmente o direito das crianças e está longe de ser prioridade nas necessidades da educação brasileira. “Faremos o possível para obstruir essa pauta. A educação nas escolas é direito fundamental das crianças e adolescentes. Nada garante que os estudantes terão educação completa. Além disso, os mecanismos de fiscalização propostos no projeto são muito frágeis. Não faz sentido. Vai aprofundar as desigualdades”, disse.
Ainda segundo a parlamentar, o aumento da violência doméstica será uma consequência da medida. “Sem querer, os deputados que votaram a favor vão colocar a digital em um projeto que pode aprofundar a violência sexual de crianças e adolescentes, porque 80% dos abusos acontecem dentro de casa e, muitas vezes, é nas escolas que é possível de identificar.”
Previsões
Para Idilvan Alencar (PDT-CE), os deputados que votaram a favor serão cobrados pelos professores. Ele prevê que a aprovação do projeto culminará em demissões de professores em todo o país. “Vão demitir quantos professores? 20%? Isso não faz bem para a educação brasileira”, disse. “Uma das principais funções da escola é a socialização. Essa pauta desvaloriza os professores.”
Parlamentares
A avaliação é de que o tema divide o Parlamento. A oposição argumenta que a proposta não é prioridade na realidade brasileira e a pauta é uma questão eleitoreira. “O homeschooling tem intuito eleitoreiro, para agradar uma base de 15 mil famílias que fazem uso hoje do ensino domiciliar. É um retrocesso grande para a educação brasileira, pois considera a educação somente como conteúdo curricular, ignorando o papel da escola e do professor na formação social, cognitiva e psicológica. É na escola muitas vezes, que se identifica abuso sexual que crianças sofrem em casa, por exemplo”, destacou a deputada Sâmia Bonfim (Psol-SP).
O líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), pediu que todos prestassem atenção aos discursos de explicação da matéria, porque realmente é complexa, mas que não deve mais ser adiada. “A matéria é complexa, mas não é difícil pra quem se dedicar a entendê-la. Quero pedir que prestem atenção nos discursos, pedir que a gente possa votar no homeschooling. Isso está criminalizado no país. Uma família de pessoas que trabalha no circo, tem uma vida nômade, recebe a visita do conselho tutelar, da polícia para que os seus filhos vão para escola, mas não tem como fazer isso. Tem outras famílias que querem se dedicar à educação dos seus filhos e fazem com muita presteza. Ouçam a relatora porque ela explicará as vantagens para o Brasil”, apelou.
Saiba Mais
O deputado Professor Israel Batista (PSB-DF) ressaltou que a proposta não é uma das prioridades da educação e que a importância da escola vai além da educação formal, já que o estabelecimento de ensino atua como rede de proteção.
“A escola, além do bê-á-bá, oferece outros cuidados, como nutrição, saúde dentária, vacinação. Nós também corremos o risco de blindar essas crianças da exposição do mundo externo e do contato social, que é tão importante para que elas tenham inteligência emocional”, explicou.
Israel Batista disse ainda que as secretarias municipais e estaduais de Educação não terão como fiscalizar o estudo domiciliar.
O deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM) defendeu a regulamentação da educação familiar que, segundo ele, já é a realidade de 11 mil famílias brasileiras. “Nossa obrigação é trabalhar para encontrar um caminho dentro da democracia para ajudar todos que precisam de uma educação diferenciada.”
Para o deputado Eduardo Cury (PSDB-SP), a proposta apenas cria uma nova modalidade de educação com regras próprias. “Nós estamos tratando aqui de dar o direito a algumas famílias de fazer a opção da educação familiar com uma série de critérios”, disse.
A proposta também foi defendida pelo líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR). “Hoje, isso está criminalizado no País e leva a polícia à casa de famílias que trabalham em circos ou vivem uma vida nômade”, afirmou.
Trabalho infantil
A proposta foi também criticada pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP). Ela destacou que a medida pode facilitar o trabalho infantil e o abuso sexual de crianças e adolescentes. “No Dia do Combate à Exploração Infantil, esta é uma mensagem horrível que a Câmara dos Deputados vai dar. É um projeto que não olha para o trabalho infantil que existe e para a exploração sexual e violência doméstica”, disse.
O deputado Gilberto Nascimento (PSC-SP) rebateu esse argumento. “A criança pode ser abusada lamentavelmente em qualquer situação, isso é uma questão de polícia.”
Autor de uma proposta que também busca regulamentar o tema, o deputado Lincoln Portela (PL-MG) afirmou que não há casos de pedofilia no homeschooling e criticou o ensino sexual nas escolas.
“A reclamação que nós temos nas escolas públicas brasileiras, nas escolas confessionais brasileiras, nas escolas particulares brasileiras, é o ensino sexual precoce nas escolas, é ensinar o adolescente a usar camisinha, isso sim é um absurdo”, disse.
*Com Agência Câmara de Notícias