CED 01 ESTRUTURAL

PM dá voz de prisão e ameaça levar estudante à delegacia na Estrutural

Gravações são de 6 de maio e o episódio ocorreu durante manifestação contra a saída da vice-diretora da instituição, exonerada após chamar diretor disciplinar de "tenente cagão"

Arthur de Souza
Thaís Moura
postado em 17/05/2022 22:33 / atualizado em 18/05/2022 10:51
 (crédito: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A. Press)
(crédito: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A. Press)

Vídeos e áudios obtidos pelo Correio nesta terça-feira (17/5) mostram o momento em que policiais militares ameaçam prender e levar à delegacia um estudante do Centro Educacional (CED) 01 da Estrutural, escola pública do Distrito Federal (DF) que tem gestão compartilhada com a PMDF. Segundo a corporação, todos os policiais envolvidos foram afastados.

As gravações são de 6 de maio e o episódio ocorreu durante uma manifestação que os estudantes fizeram contra a saída da vice-diretora da instituição, Luciana Martins, exonerada neste mês após chamar o diretor disciplinar da unidade de "tenente cagão". No mesmo dia em que um PM deu voz de prisão ao estudante, outro policial ameaçou "arrebentar" um aluno da escola

O novo vídeo, gravado por estudantes do CED 01 da Estrutural, mostra o momento em que um policial, ainda não identificado pela reportagem, diz que um aluno "está preso" e que "tem o direito de permanecer calado". "Tudo o que você falar agora pode e será usado contra você no tribunal. Você tem direito de ligar para o seu pai e para a sua mãe, e, a partir de agora, o silêncio é a sua ordem", diz o PM.

Ao Correio, o adolescente ameaçado, de 15 anos, explicou que tudo aconteceu enquanto ele estava no pátio da escola, durante o protesto. "O policial me puxou pelo braço e levou para a sala. Lá, ele disse que ia me levar para Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) por estar fazendo baderna", contou. "Em seguida, ele pediu meu nome e, no momento que recusei, recebi a voz de prisão", destaca o estudante.

O adolescente também afirmou que, após isso, o policial teria dito que não ia mais tratar ele como gente, mas como um menor infrator. Sobre a forma que agiu durante os fatos, o estudante disse que ficou tranquilo. "Alterei apenas meu tom para questionar o motivo dele ter me dado voz de prisão. Depois disso, acabei me acalmando", considera. "Depois que tudo aconteceu, fiquei meio chocado, pois não esperava esse tipo de atitude de um policial, pois, quando era pequeno, tinha outra imagem da PM", finalizou o aluno do CED 01.

Veja os vídeos: 

Além desses vídeos, o Correio teve acesso a um áudio de aproximadamente 19 minutos no qual um militar ameaça levar o mesmo adolescente para a delegacia, caso ele se recuse a assinar um termo de responsabilidade sem a presença dos pais. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em uma situação como essa, o jovem deveria ter o direito de solicitar a presença do pai ou responsável legal. O ECA também determina que adolescentes não podem ser presos, apenas apreendidos. Essa gravação teria sido registrada após um dos PMs ter dado voz de prisão ao estudante.

No áudio em questão, o policial diz ao jovem: "O que você quer? A gente relata, põe num termo, você se compromete ou você quer que a gente vá para uma delegacia? Você que sabe. Eu te dei essa opção. Eu te dei a liberdade". Na abordagem, o militar também disse que o documento registraria o que aconteceu no colégio. "É por você, não é por nós. Aqui nós estamos cobertos. Tenho certeza que nenhum policial cometeu crime", afirma.

Em determinado momento da gravação, uma professora da escola questiona sobre a necessidade da presença de um responsável legal pelo jovem para que ele assine o termo de responsabilidade. "A minha dúvida é se, enquanto menor de idade, ele tem o poder de assinar alguma coisa", perguntou a educadora, que não foi identificada na gravação. Um dos policiais presentes na sala responde, então, que ele "não vai se comprometer" ao assinar o termo. "Ele não vai se comprometer, e as coisas que ele assina na escola são confidenciais. A gente chamaria o pai dele aqui", diz o militar.

O Correio procurou a assessoria da PMDF e da Secretaria de Educação para comentarem o caso. A PMDF informou, em nota, que policiais envolvidos no vídeo foram afastados. A corporação reforçou que os alunos de escolas com gestão compartilhada são conduzidos à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) em caso de "infração penal" para o devido registro do fato. "Os fatos ocorridos estão sendo apurados, conforme determinado em legislação", diz a nota.

A corporação também pontuou que o CED 1 foi uma das primeiras escolas do DF a aderir ao projeto de escola cívico-militar, com mais de 90% de aprovação de professores, servidores, estudantes maiores de 18 anos e pais de alunos. Segundo a PMDF, o modelo de Escolas de Gestão Compartilhada atende a 12 das cerca de 720 unidades de ensino público do DF, selecionadas mediante critérios de vulnerabilidade como violência, evasão escolar e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região.

Já a Secretaria de Educação informou que o modelo das escolas cívico-militares "já está consolidado com sucesso no DF". "Casos pontuais são averiguados pelas pastas, para adoção de providências cabíveis a cada situação", informou o órgão.

Afastamento

No último dia 10 de maio, a PMDF já havia informado que o policial que ameaçou agredir outro aluno do CED 01 da Estrutural, o terceiro sargento Frederico Nicurgo de Oliveira, seria afastado de suas atividades na corporação. A ameaça aconteceu no mesmo dia em que um adolescente recebeu voz de prisão na escola. Até então, os casos denunciados nos vídeos estavam sendo apurados pela PMDF. No texto, o órgão destacou que "o fato foi pontual e não corresponde com a filosofia do projeto e com o comportamento dos demais profissionais, que são selecionados e recebem capacitação para a função".

No último dia 10, as Promotorias de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) também revogaram a nota técnica que considerava legal a implementação do projeto Escola de Gestão Compartilhada no DF. A anulação acompanhou o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), que considerou o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares como ilegal por ferir os princípios constitucionais da reserva legal e da gestão democrática do ensino público.

A Proeduc também recomendou que as direções das escolas do DF não registrem flagrantes infracionais por suposto desacato nas Delegacias da Criança e do Adolescente (DCA) como medida disciplinar. Além disso, na ocasião, a promotoria solicitou o afastamento de toda a equipe disciplinar do CED 01 da Estrutural.

O MPDFT também pediu que a Secretaria de Educação apresente os índices de Desenvolvimento da Educação Básica das unidades participantes do modelo cívico-militar, os índices de evasão escolar, os índices de aprovação e reprovação, o número de pedidos de transferências, além de outras informações que demonstrem a suposta melhoria da qualidade do ensino após a implantação do modelo cívico-militar. Ao Correio, a Proeduc informou que ainda aguarda a finalização do prazo de resposta concedido à pasta, de 10 dias úteis.  

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação