Renovação

Nova dirigente da Ubes, Jade Beatriz, quer priorizar a transformação social

Cearense cumpre sua primeira agenda nesta terça-feira (17), no Congresso Nacional, onde acompanha votação do polêmico projeto que institui o ensino domiciliar

Jáder Rezende
postado em 16/05/2022 22:05 / atualizado em 17/05/2022 20:52
A cearense Jade Beatriz, nova dirigente da Ubes, quer fortalecer e ampliar o ensino técnico e as escolas indígenas  -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
A cearense Jade Beatriz, nova dirigente da Ubes, quer fortalecer e ampliar o ensino técnico e as escolas indígenas - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Filha de empregada doméstica e de vendedor de frutas, a nova presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Jade Beatriz Melo Rodrigues, 20 anos, foi eleita domingo (15), com 84,79% dos votos pela chapa De mãos dadas para defender a escola e o Brasil, no 44º Conubes, realizado no Ginásio Nilson Nelson, em Brasília, que contou com a presença de 7 mil estudantes, considerado o maior da história da entidade em seus 73 anos de existência.

O principal objetivo de sua gestão, afirma, é a defesa da escola como instrumento e meio para a transformação social. A estudante afirma que vai realizar campanhas e articulações com secretarias de ensino e no Congresso para que a verba destinada ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) seja utilizada de maneira relevante.“A Ubes atua muito na articulação com parlamentares. Então, contamos com os deputados, senadores e vereadores que também defendem a educação. É por meio desse braço de ação que temos grandes conquistas para os estudantes e jovens”, afirma.

Nascida e crida no bairro Ellery, periferia de Fortaleza, um dos mais violentos da cidade, ela contou com o sacrifício dos pais para concluir o ensino médio. A mãe, Simone Martins dos Santos, 40 anos, trabalha até hoje como faxineira, e o pai José Alberto Rodrigues, 42, é distribuidor de frutas na capital cearense. “Para poder ir para a escola e estudar minha mãe fazia faxina, garantindo, assim, que eu tivesse essa educação e pudesse viver de uma maneira digna”, diz ela, ciente de que a mudança de trajetória de vida encontrou na escola e na cultura importantes pilares de mudança. "Assim, como eu, existem milhões de jovens que podem se inspirar, tanto na forma de se movimentar, lutar, reivindicar, mobilizar, quanto de acreditar que pode ser diferente", acredita.

Inspiração

Tendo os seus pais como inspiração e referência para a vida, ela relembra momentos que marcaram a sua infância. “Quando eu era pequena, minha mãe era faxineira em uma casa onde a filha da família fazia aniversário no mesmo dia que eu. Então ela passou a minha infância levando os restos dos docinhos da filha da patroa para a minha própria festa em casa. Isso diz e mexe muito comigo”, confessa a jovem, que ingressou logo cedo no movimento cultural. Aos 13 anos, fazia parte do grupo de teatro da escola, criava rimas e participava de batalhas de rap.

Ela conta que o movimento estudantil entrou em sua vida organizando protestos na Escola Estadual de Formação Profissional Dona Creusa do Carmo Rocha, contra a qualidade da merenda e do ar-condicionado nas salas de aula. Na época, a mobilização dos estudantes foi parar no principal telejornal de Fortaleza.

Depois desse episódio, ela ajudou a fundar o primeiro grêmio da sua escola, batizado de Frida Kahlo, importante artista plástica mexicana, do qual foi presidente. Na mesma época, participou de sua primeira manifestação pelas Diretas Já, logo após o impeachment da presidente Dilma Rousself. Desde então, não parou mais. Em 2018, esteve presente nos atos EleNão, e também foi figura fundamental nas manifestações de 2019, chamadas de Tsunami da Educação.

Política

Em 2020, a estudante decidiu alçar vôo mais longo, se candidatando a vereadora de Fortaleza, sendo a mais jovem candidata na época. Não ganhou, mas afirma que não desistiu da ideia de ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de sua cidade. "Estar no movimento estudantil é fazer política, então há grandes chances", diz. Membro da União da Juventude Socialista (UJS), Jade Beatriz foi responsável pelas redes sociais da entidade no Ceará e diretora de cultura da Associação Cearense dos Estudantes Secundaristas (ACES).

Nos últimos meses foi representante da Ubes em Fortaleza, se dedicando à campanha “Se Liga Hein”, para que jovens brasileiros entre 16 e 18 anos tirassem o seu título de eleitor. “Vivemos um momento crítico da nossa democracia e sabemos que o voto da juventude pode fazer a diferença para recuperarmos o Brasil”, afirma.

Apesar dessa trajetória, observa, foi no ensino médio que conheceu e se apaixonou pelo movimento estudantil. "Vi que era possível mudar as coisas e transformar o país por meio da educação. Me apaixonei não só pelo movimento, mas pela política, que me abriu perspectivas de futuro, de vida, de transformação, não só na minha vida, mas de todo o país, com a luta pela educação pública de qualidade. Estar no lugar aonde estou agora é algo transformador, representa muita coisa, o que vivi e o que podemos mudar no país”, diz.

Jade Beatriz confessa ter imensa afinidade com qualquer forma de expressão artística, sobretudo com a escrita. “Essa minha identificação com a comunicação será um dos pilares da Ubes. Esperamos alcançar ainda mais estudantes em todas as regiões do país. Precisamos mostrar para eles que, organizados e unidos, podemos sonhar e obter grandes conquistas”, diz

Primeira agenda

A nova dirigente da Ubes cumpre nesta terça-feira (16), em Brasília, sua primeira agenda oficial. Ela acompanhará, na Câmara dos Deputados, a votação do projeto de lei que propõe a autorização do ensino domiciliar — também chamado de homeschooling — em todo o país.

O projeto ganhou urgência para tramitação na Câmara dos Deputados. Entregue no fim de abril, o parecer da relatora da proposta, deputada Luísa Canziani (PSD-PR), abriu a possibilidade de que a matéria fosse apreciada em plenário antes do recesso parlamentar, em julho, mas acordo de líderes abriu a possibilidade da votação do texto em regime de urgência.

Parecer da relatora impõe restrições à modalidade. Entre as exigências, chama a atenção a determinação de que, pelo menos, um dos pais do aluno tenha, no mínimo, um diploma em educação profissional tecnológica. Além disso, a criança ou o adolescente que receber o ensino domiciliar deverá manter matrícula em uma escola, a fim de passar por avaliações periódicas de desempenho, e o estudante que repetir de ano duas vezes seguidas ou três alternadas será obrigado a voltar a frequentar a escola. A pauta é considerada um aceno do governo federal aos eleitores evangélicos.

“Faremos o possível e o impossível para garantir que essa lei não seja aprovada, pois entendemos que a escola é uma ferramenta que não só transforma vidas, mas também salva muitos estudantes”, afirma Jade Beatriz. “Precisamos garantir que essa lei não seja aprovada, porque impedir que o estudante não esteja dentro da sala de aula é contribuir para a desigualdade social e para o não desenvolvimento do nosso país”, completa.

Ela diz que pretende conduzir a entidade com o apoio de partidos de esquerda. “Nossa meta é fazer uma grande unidade para poder garantir a derrota do governo Bolsonaro, que é o maior inimigo dos estudantes e da educação pública. Precisamos defender a bandeira da unidade. Temos como principais aliados PCdoB, PT, PSOL, enfim, todos os que contrapõem esse governo, mas a unidade é que garantirá a nossa vitória”, observa.

Bandeira 

Outra bandeira da gestão da primeira cearense a ocupar a direção da entidade é a mobilização pela lei de cotas permanente, com mobilização nas escolas, ruas, redes sociais e com parlamentares em prol dessa causa. “Como estudante secundarista, negra, e que estudou em escola pública, sei da importância da lei de cotas e como ela tem mudado o ensino superior brasileiro, antes totalmente elitizado”, diz.


Com curso técnico em logística concluído, Jade Beatriz pretende cursar jornalismo e ser a primeira da família a entrar para uma universidade. “A gente luta tanto, defende a educação, para que possamos ter acesso à universidade”, diz a mais velha entre cinco irmãos.

Ela considera também urgente fortalecer e ampliar o ensino técnico, os cursos pré-vestibulares e a ampliação de escolas indígenas. “Precisamos de um projeto educacional no Brasil. É o que fará diferença para o fortalecimento do ensino. Esse projeto é construído em conjunto e depende de diálogo do MEC e secretarias de educação. Hoje, no Brasil, não há prioridade na educação, basta ver que o homeschooling está na pauta do Congresso e é um dos carros chefes do governo Bolsonaro. Uma pauta de costumes que não tem relação alguma com as necessidades dos estudantes brasileiros”, pontua.

A nova líder estudantil assegura que lutará também pela diversidade sexual nas escolas. “Defendo uma escola livre de opressões, como racismo, homofobia e qualquer outra forma de preconceito. Então atuamos para que os estudantes queiram e possam estar na escola, independente de sua orientação, identidade ou gênero”, diz.

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