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"O Enem já tem a cara do governo", diz diretora da Ubes sobre fala de Bolsonaro

Bolsonaro afirmou que as questões do Exame Nacional do Ensino Médio começam agora "a ter a cara do governo". Entidades estão preocupadas com interferências não técnicas na prova

Ana Luisa Araujo
postado em 16/11/2021 19:01 / atualizado em 16/11/2021 20:30
 (crédito:  EVARISTO SA)
(crédito: EVARISTO SA)

Entidades educacionais se manifestaram a respeito da fala do presidente Jair Bolsonaro sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Bolsonaro deu uma declaração, em Dubai, segundo a Agência Estado, a respeito da prova: “O que eu considero muito também: começam agora a ter a cara do governo as questões da prova do Enem". Para os representantes, a fala significa que o exame está sendo usado como instrumento ideológico do governo.

“O Enem já tem a cara do governo, não é?”, dispara Emanuele Nascimento, diretora da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Ela pontua que o exame tem o menor número de inscritos em 13 anos, e há quatro dias havia inúmeros alunos ainda sem saber qual o local de realização da prova.

O exame, segundo Emanuele, não pode servir de instrumento ideológico. A prova, deixa claro, é para, além de permitir o ingresso nas universidades, medir o índice de desenvolvimento dos alunos. A diretora afirma que, hoje, está em uma universidade pública graças ao Enem e preza para que ele seja conservado. “Dói muito saber que muitos não terão a oportunidade que eu tive. Sendo eu uma futura professora, futura pedagoga, fico de coração partido ao ouvir e presenciar isso”, lamenta.

Para a diretora da Ubes, Emanuele Nascimento, o Enem já tem a cara do governo
Para a diretora da Ubes, Emanuele Nascimento, o Enem já tem a cara do governo (foto: Arquivo pessoal )

O ministro da Educação afirma que Bolsonaro não interferiu no Enem. O chefe do ministério, disse em entrevista à CNN ,"aos alunos e pais" que o Enem está garantido. "As provas foram impressas há meses, já foram encaminhadas. Não há como interferir nem eu, nem o presidente do Inep, nem o presidente da República", completa.

Construção rigorosa

A prova precisa ser completamente técnica, segundo Olavo Nogueira, diretor do Todos Pela Educação. Ele explica que o exame tem um processo de construção rigoroso e complexo, porque tem como premissa central a manutenção do sigilo. “Considerando uma prova que tem como pilar central o sigilo, uma repercussão subjetiva dessas dá a entender que pode ter ocorrido interferência não técnicas, mas de ordem ideológica”, afirma.

"Essa tem sido uma tática recorrente para tentar mascarar problemas de incapacidade de gestão, para dizer o mínimo", diz Olavo Nogueira
"Essa tem sido uma tática recorrente para tentar mascarar problemas de incapacidade de gestão, para dizer o mínimo", diz Olavo Nogueira (foto: Arquivo pessoal)

O objetivo de Bolsonaro, na visão dele, é “mudar o ângulo da conversa”. A finalidade dele seria, então, de incluir o problema da gestão e trazer para o centro do debate o embate cultural. “Com essa fala, ele busca reduzir um problema a uma agenda de costumes”, continua. Segundo o diretor, a grande marca do governo tem sido fazer do ministério uma guerra cultural. “Essa tem sido uma tática recorrente para tentar mascarar problemas de incapacidade de gestão, para dizer o mínimo”, afirma.

Tudo leva a crer que tem algo grave ocorrendo no Inep, de acordo com Olavo. “Extrapola o risco de interferência técnica, ao que tudo indica”, diz. Para ele, tem a ver com uma série de fragilidades da gestão, inclusive, ressalta que “diferentes colorações partidárias” passaram pela administração do órgão e isso nunca ocorreu, sendo um fato inédito.

Emaranhado de erros

“Essa questão do Inep preocupa a todos nós”, afirma a deputada Rosa Neide (PT-MS). A parlamentar, em entrevista ao Correio, diz que a reunião que houve no Congresso Nacional, na última semana, sobre o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) deixou claro que há “um emaranhado de erros em relação ao Enem.”

A deputada, junto à Maria do Rosário (PT-RS), elaborou um requerimento de convocação ao ministro da Educação que, nesta quarta-feira (17), será votado na Câmara. Haverá também uma discussão a respeito dos riscos que o Enem corre de não ser realizado.

Segundo Rosa Neide, houve um "um emaranhado de erros em relação ao Enem"
Segundo Rosa Neide, houve um "um emaranhado de erros em relação ao Enem" (foto: Lula Marques/Divulgação)

Rosa Neide informa que entrou com uma ação no Ministério Público Federal e no Ministério do Trabalho e Previdência Social pedindo o afastamento do presidente do Inep e do ministro da Educação. Segundo ela, o teor do conteúdo do pedido ao Ministério do Trabalho é sobre os 37 exonerados do Inep, que, em suas palavras, “sofreram assédio para mudar o conteúdo da prova”.

“O que o presidente falou é o maior absurdo”, afirma. Segundo ela, o Enem é uma política de estado e independe de quem está no comando. “O responsável pelo Enem são técnicos, e além deles, há uma sala secreta de discussão do conteúdo, onde, pela primeira vez, estranhos puderam entrar”, declara.

“O presidente está completamente fora do ar, confessando o crime”, analisa. Segundo ela, depois da fala, fica claro que o conteúdo da prova foi olhado por alguém. Rosa Neide finaliza dizendo que é papel do parlamento brasileiro fiscalizar e que, por isso, nesta quarta-feira haverá uma reunião na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.

Estudantes

Emanoelly Dias, 18 anos, diz que não acha, necessariamente, que o presidente esteja correto. “A questão de como é aplicado o ensino é um pouco errada, já que questões extremamente difíceis, que quase não são usadas na vida real, também não tem sido usadas nas áreas que o aluno deseja”, pondera.

Segundo a estudante do 3º ano do ensino médio do Centro Educacional Logos, o modo como o ensino é transmitido é “ultrapassado”. A jovem ainda diz que o risco de ser cancelado seria uma frustração enorme para quem se preparou o ano inteiro, como ela.

“No momento, meu foco é apenas finalizar as matérias que estão sendo cobradas para a finalização do meu ensino médio”, completa.

Sarah Jully da Silva, 17 anos, frequentadora do Centro Educacional 07 de Ceilândia, considerou a fala do presidente “bastante polêmica”. “Acho extremamente errado essa forma de manipulação, principalmente, em relação a um vestibular muito importante para quem está no ensino médio”, afirma.

Assim como Emanoelly, a jovem se preocupa com o risco de o Enem não ocorrer. “Venho estudando há muito tempo e me preparando”, diz.

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