Os estudantes da rede pública do Distrito Federal estão integralmente de volta às salas de aula desde quarta-feira (3/11). Suspensas em março do ano passado, as atividades nos colégios começaram a voltar em agosto último, de maneira híbrida, com revezamentos semanais nas turmas. Após um ano e sete meses de ensino pela internet, especialistas e estudantes avaliam o momento de retorno, detalham como ocorrem os trabalhos presenciais e opinam sobre como garantir um ambiente seguro à comunidade escolar.
Para alunos ouvidos pelo Correio, adotar aulas totalmente presenciais se torna uma medida acertada se houver respeito às medidas de segurança sanitária. Estudante do 8º ano no Centro de Ensino Fundamental (CEF) nº 1 de Planaltina (DF), Fernanda Mendes Frazão, 13 anos, está feliz pela volta integral na rede pública. No entanto, a adolescente teme que a situação da pandemia se agrave nas próximas semanas. "Eu prefiro atividades presenciais, pois, em casa, tenho muita dificuldade para me concentrar. Mesmo assim, (a volta) é um pouco preocupante, por causa da covid-19", pondera a jovem, vacinada com a primeira dose contra a doença.
Ao contrário de Fernanda, Thiago Viana, 18, não gostou da decisão. Aluno do 2º ano do Centro de Ensino Médio Elefante Branco (Cemeb), ele demonstra preocupação com a quantidade de pessoas no colégio. "Está com muita aglomeração, nas salas de aula e nos corredores. Está superlotado, e não há espaço suficiente para manter o distanciamento. Senti falta dos meus amigos, mas o sistema híbrido funcionava", opina o morador do Lago Sul. Apesar disso, alguns amigos de Thiago tiveram de abandonar os estudos durante a pandemia. "Para a família, era melhor que (os estudantes) trabalhassem do que continuassem na escola", lamenta.
A saudade dos colegas também pesou para Ana Victoria Nunes Vieira, 16, aluna do 9º ano do Centro Educacional Stella dos Cherubins Guimarães Trois, em Planaltina. A estudante, que mora na região administrativa, não enfrentou dificuldades para se concentrar em casa e conseguiu acessar o sistema remoto com tranquilidade. "Mas eu estava sozinha, sem os colegas. Foi ruim", confessa. Vacinada com uma dose contra a covid-19, a adolescente acompanhava bem o conteúdo virtual. Contudo, afirma que prefere o modelo presencial. "Acho incrível; é melhor para aprender", completa.
Riscos
O infectologista Werciley Vieira Júnior destaca que os estudantes devem ser acompanhados de perto no retorno integral. Ele lembra que, caso os jovens se infectem com a doença, a tendência é de que apresentem quadro menos grave, mas eles podem carregar o Sars-CoV-2 e transmitir a covid-19 para outras pessoas. "Se os familiares não se cuidarem, podem contrair a doença. O rastreio com exames semanais em todas as pessoas do ambiente escolar é o ideal, mas o custo elevado pode não permitir isso", avalia o médico. Werciley defende, ainda, o monitoramento de casos sintomáticos, além da vacinação de todo o público apto a se imunizar — pessoas com mais de 12 anos.
Apesar da falta que sentia dos colegas de turma, Danielle Victoria Barbosa, 18, prefere acompanhar as atividades de casa. O motivo envolve a falta de janelas em salas do Cemeb, onde a jovem cursa o 2º ano do ensino médio. "A parte boa é rever os amigos, mas não concordo (com o retorno integral). Acho que é uma forma de justificar eventos como ano-novo e Carnaval, que estão querendo fazer. Na minha escola, as portas ficam abertas, mas os ambientes estão muito cheios. O refeitório fica lotado, e há turmas com 40 alunos", destaca.
Em casa desde o início da pandemia e com parentes diagnosticados com comorbidades, uma estudante do 3º ano do ensino médio do Cemeb criticou a obrigatoriedade da medida. A jovem, que pediu para não ter o nome divulgado, diz ter "muito medo" de se infectar. "Meu pai e minha avó têm câncer. E ela, além de ser idosa, tem hepatite. Antes, permitiam aos alunos que tivessem parentes com doenças ficar apenas no modelo remoto. E eu cuido da minha avó", relata.
Além disso, a adolescente conta que nem todos os professores ficam de máscara em sala de aula. Os estudantes reclamaram sobre o problema, mas não houve solução. "Já reclamamos com a escola e com um dos docentes (que não usa o item de proteção), mas ele não está nem aí, e o colégio não fez nada", queixa-se. "São os professores de mais idade que não têm respeitado (a orientação sanitária). Minha sala tem janelas, mas elas não são suficientes para que ventile direito. Há, em média, 30 alunos, e as cadeiras não estão espaçadas. Todo mundo fica perto um do outro, e muita gente não anda de máscara pelos corredores", completa.
Obstáculos
O retorno integral às escolas pode ser mais complicado para crianças menores. Mestre em psicologia escolar e doutora em acesso à educação infantil, Maria de Fátima de Sousa ressalta que os educadores devem ser sinceros com os alunos. "A volta total é positiva, mas deve ocorrer com cuidados mais amplos e com a conscientização de meninos e meninas. Os professores da educação infantil precisam trabalhar com as turmas a necessidade de prevenção contra a doença e a questão do risco de contágio. É importante explicar o porquê de todas as medidas e dar essa consciência para os pequenos: eles estão se prevenindo contra o quê? Para esse grupo, o vírus é muito abstrato", observa.
Ruan Victor Cavalcanti, 19 anos, define o retorno 100% presencial como "inconveniente".Morador da Asa Sul, o estudante do 3º ano do ensino médio critica o momento da decisão: "Foi muito tarde, no último bimestre. Estávamos adaptados ao remoto, e mudaram de novo o formato (das aulas). Poderiam ter esperado o ano que vem. Eu gostava do modelo integralmente remoto, mas entendo que tenhamos de voltar. Só que as portas precisam ficar sempre abertas", reforça o jovem.
O infectologista Alexandre Cunha acredita que o momento é oportuno para o retorno integral às atividades presenciais nas escolas. O fato de 66,3% da população acima de 12 anos do DF estar com o ciclo vacinal completo é suficiente para a decisão. "O momento epidemiológico é favorável e justifica o retorno. Temos percebido a redução significativa dos casos, aliada a um percentual bastante positivo da população imunizada, principalmente entre público mais frágil", avalia.
Para o médico, em se tratando de prejuízos, o afastamento das crianças das salas de aula seria pior do que as possíveis consequências sanitárias. "Principalmente em relação às crianças de famílias de baixa renda, com mais dificuldade para acompanhar as atividades virtualmente. Isso causa problemas muito graves. Pesando riscos e benefícios, considerado o cenário atual, creio ser o momento de retornar, sim", salienta o vice-presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal.
Posicionamento
O Correio questionou a Secretaria de Educação do Distrito Federal em relação às críticas dos alunos. A pasta informou que todas as dúvidas a respeito do retorno integral haviam sido respondidas em entrevista coletiva promovida na quinta-feira (4/11), com a titular da pasta de Educação, Hélvia Paranaguá, e o secretário de Saúde do DF, Manoel Pafiadache.
Sobre a reclamação quanto a aglomerações nas escolas, Hélvia afirmou que o uso de máscaras é obrigatório, que visitas dos responsáveis pelos estudantes aos colégios ocorrem só mediante agendamento e que "a maioria das turmas têm entre 25 e 30 alunos". "Durante o recreio, eles vão permanecer de máscara. Na hora da refeição, retiram (o item) e, logo em seguida, recolocam", declarou.
Em relação à data da retomada, a 30 dias do fim do ano letivo, Hélvia destacou ser essencial "garantir o direito de aprender com qualidade" a todos os estudantes, independentemente do tempo de aulas.
Palavra de especialista
Representações simbólicas
Do ponto de vista da construção social, a escola é um espaço apropriado para transmissão do conhecimento científico e para a socialização. A casa tem outra representação simbólica, que não é, por natureza, de um lugar para lidar com o conhecimento. Na família, os objetos de aprendizagem estão mais relacionados à instrução cultural, bem como à transmissão da história e da organização familiar. O estudante tem de ter um sentimento de pertencimento para que consiga se colocar em abertura e ter o desejo de aprender sobre as mais variadas áreas do conhecimento. Estar na estrutura social da escola é uma maneira diferenciada de se conectar a isso. Os alunos precisam de um local para aprendizagem.
Cleyton Hércules Gontijo, mestre em educação e doutor em psicologia