Estudantes de escolas públicas do Distrito Federal estão celebrando a aprovação na terceira etapa do Programa de Avaliação Seriada (PAS) da Universidade de Brasília (UnB), que teve 11.274 inscritos com uma demanda de 5,2 candidatos por vaga. Os jovens foram aprovados em graduações de diversas áreas como medicina, direito, farmácia, serviço social, ciências sociais, letras, arquitetura e psicologia.
Julie Rocha, 18, aluna do Centro de Ensino Médio 404 de Santa Maria, sempre estudou em escolas públicas e agora vive o sonho de ser a primeira pessoa da família a entrar para uma universidade. “Direito sempre foi um sonho meu e da minha mãe, quando vi meu nome na lista fui correndo contar para ela e choramos juntas”, conta. A jovem estudou sozinha, apenas com o apoio da escola e da mãe, já que não tinha condições financeiras de entrar para um cursinho.
“Durante a pandemia, algumas colegas e eu criamos um grupo para estudarmos juntas, também descobri o canal Método Orion, que disponibiliza aulas gratuitas sobre as obras do PAS/UnB. Além disso, a escola ajudou bastante com o projeto Sarau Poético, as provas no modelo do PAS e, claro, todo o incentivo dos professores”, explica. Mesmo conseguindo passar sem apoio de um cursinho, Julie fala que sua situação não deve ser romantizada: “Todo estudante pobre deve ter acesso ao ensino superior, investir na educação é necessário para o progresso de qualquer país”, reforça.
A CEM 404 de Santa Maria aprovou 26 alunos no PAS, cujo resultado foi divulgado em 27 de outubro. A instituição de ensino ficou conhecida, no início da pandemia de covid-19, por ser uma das escolas que criou projetos educacionais criativos para auxiliar os estudantes, ainda que de forma remota, por meio das redes sociais. O professor de filosofia, Ricardo Rocha, ressalta que o projeto pedagógico da escola, há 10 anos, tem apoiado e estimulado os estudantes a ocuparem espaços nas universidades por meio do PAS/UnB, Enem e vestibulares.
“Acredito que o diferencial foi manter as aulas regulares, via Google Meet, nos horários que as aulas ocorriam quando estávamos em modelo presencial. Além disso, os professores se propuseram a fazer aulões de revisão aos sábados, manter contato via redes sociais e Whatsapp, tudo isso facilitou na hora de passar o conteúdo e apoiar os estudantes”, conta o professor. Ricardo disse que o incentivo aos alunos ocorre desde o primeiro ano do ensino médio, criando uma trajetória onde o aluno pode estar preparado para universidades, mercado de trabalho, estágio e cursos técnicos.
Hélio Wendhel, 19, é outro aluno do CEM 404 a entrar na UnB no próximo ano letivo. O estudante, aprovado para o curso de saúde coletiva, não esperava ter passado no processo seletivo e lamenta não ter colocado o curso de enfermagem como primeira opção. “Não acreditava que era capaz! Quando meu amigo avisou que eu tinha passado, não acreditei que fosse verdade. Isso representa um novo começo na minha vida, vou poder olhar e falar ‘estou no ensino superior’. Eu e minha família estamos muito felizes.”
Sendo o primeiro da família a entrar para uma universidade pública, o estudante se orgulha de ter passado, apesar das dificuldades de estudar sozinho. “Sempre li bastante, quem me conhece sabe que tenho livros de economia a outros assuntos. Isso me ajudou bastante na hora de estudar. Fora o apoio da escola e dos colegas, a tecnologia também foi essencial para conseguir achar conteúdos gratuitos sobre os assuntos da prova."
O diretor do CEM 404 de Santa Maria, Felipe de Lemos, afirma que, apesar do despreparo inicial para a grande mudança causada pela pandemia da covid-19, o corpo docente uniu esforços para elaborar novas metodologias de estudo e ainda, adaptar os projetos educacionais já existentes para o modelo on-line. Uma das ações pedagógicas que se manteve foi o Projeto Geração, que tem foco em auxiliar os estudantes a entender como funcionam os exames como PAS/Unb, Enem e outros vestibulares e as provas interdisciplinares, que abordam conteúdos do PAS.
“A escola tem um círculo virtuoso em que os alunos da periferia têm o conhecimento de que, com o acolhimento e apoio, podem, sim, acessar o ensino superior e fazer parte de uma universidade pública”, explica. Além do apoio na hora de ingressar no ensino superior, a escola se prontificou em estar com uma equipe pedagógica disponível para apoiar os alunos que perderam familiares, amigos e pessoas próximas, devido à covid-19.
Passou para medicina
Talita Caldas, 19, aluna do Centro Educacional 104 do Recanto das Emas, foi uma dos 14 alunos aprovados. A estudante conta que nem sempre soube que queria cursar medicina, mas que conhecer mais sobre a graduação e suas áreas a ajudou a escolher a formação. “Sempre nutri esse desejo em passar em medicina, mas para mim era algo que parecia distante. Quando li meu nome na lista tive que subir e descer várias vezes para ter certeza se eu tinha mesmo passado”, lembra.
Sem o contato presencial com os colegas e professores, a jovem sentiu dificuldade em se adaptar ao modelo on-line, que pegou todos de surpresa. “As aulas síncronas e as discussões sobre o que foi passado nas disciplinas ajudaram bastante na hora de se acostumar com o ensino a distância. Os professores também sempre foram muito solícitos, sempre dispostos a tirar dúvidas pelo Whatsapp e durante as aulas, o que ajudou demais na hora de estudar e encontrar métodos novos de estudo”, explica.
Apesar de ter sido conhecida como uma das piores escolas do país em 2012, o CED 104 do Recanto das Emas tem trabalhado em criar projetos educacionais e pedagógicos para trazer os estudantes para o ensino superior e o mercado de trabalho. O diretor, Felipe Renier, conta que isso é possível por meio da interdisciplinaridade nas aulas.
“Mesmo com as aulas virtuais, os professores se organizaram para dar aulas interdisciplinares, por exemplo, tinha o assunto de música que era alguma das obras do PAS, então, os professores de artes e o de física (porque a música tem haver com a física) trabalhavam juntos, fazendo assim um apanhado geral”, explica. Felipe também conta que, apesar de não conseguir fazer o Circuito de Ciências, um projeto científico da escola, o corpo docente adaptou os eventos para o modelo on-line, trazendo convidados e temas em alta para serem abordados.
A escola também manteve uma relação próxima com os estudantes para conseguir explicar de maneira simplificada como funcionam as disciplinas e as provas de acesso ao ensino superior. “Nós também afrouxamos os prazos, pois entendemos que muitos desses estudantes tiveram suas rotinas abaladas, seja devido a familiares doentes, pela falta de dispositivos para acessar as aulas ou por estarem trabalhando. Nós focamos em trazer a garantia do material pedagógico para que mesmo de forma remota, os estudantes pudessem ter o material de apoio para estudar."
Samuel Victor, 18, foi aprovado no curso de engenharia mecatrônica, um dos mais concorridos da UnB. O jovem conta que nem sempre se interessou por engenharia, mas que o gosto pela matemática e pela robótica o ajudaram a escolher a formação. “Isso é mais uma das conquistas que terei pela frente e é muito gratificante, principalmente, por conta de todas as dificuldades causadas pela pandemia."
O estudante é o segundo da família a entrar para a universidade e conta que, apesar de estar longe da sala de aula, o apoio on-line foi essencial.
Centro de Ensino Médio 01 de Brazlândia
Davi Santana, estudante do Centro de Ensino Médio (CEM) 01 de Brazlândia, foi aprovado pelo PAS para o curso de Engenharia de Redes de Comunicação. O aluno confirma quer sentiu felicidade ao receber a notícia da aprovação: “Estava ansioso porque demorou muito, por causa da pandemia, mas, quando saiu o resultado, me alegrei com a minha família e agradeci a Deus”.
Davi contou que a parte mais difícil do ensino remoto foi estudar sem ter o apoio presencial dos professores e colegas de sala. Então, para superar esse desafio, disse que estudou para o PAS por meio de cursinhos on-line, planilhas de estudo montadas por ele, materiais disponibilizados pela escola e com muita dedicação e tempo de aprendizado. Além disso, contou ter recebido o apoio de muitos professores qualificados durante todo o ensino básico e de seu pai, professor de português e de educação física, graduado pela UnB.
O CEM 01 de Brazlândia contou, este ano, com 35 aprovados na primeira chamada do PAS. O diretor da escola, Vinicius Ribeiro, 40 anos, disse que antes da pandemia existiam vários projetos voltados para o PAS e para outras provas de larga escala que já eram desenvolvidos com os alunos. “A gente faz um acompanhamento com o aluno desde o primeiro ano, então, esses alunos que passaram agora no PAS de 2020 já estavam sendo acompanhados desde 2018”, disse. “Todo ano, a gente ajuda na inscrição, a gente tem projetos de redação, laboratório de exatas e vários outros voltados para o PAS", afirma.
Além disso, o diretor destacou que a pandemia afetou a realização dessas iniciativas com os alunos: “No período de aula virtual, com certeza, o atendimento foi bastante deficitário”. Segundo ele, apesar dos obstáculos provocados pelas aulas a distância, o acompanhamento continuou, com o envolvimento da comunidade escolar. Assim, supervisores da escola e coordenadores continuaram a dar essa assessoria aos alunos, de modo remoto. “Esse número de aprovados, na realidade, foi fruto desse projeto”, afirmou.
Centro de Ensino Médio 02 de Brazlândia
Juan Vitor Sotero, 18 anos, aluno do Centro de Ensino Médio (CEM) 02 de Brazlândia, foi aprovado pelo PAS para o curso de direito. Em entrevista, contou que, ao receber a notícia da aprovação, ficou muito surpreso. “Quando eu vi, nem acreditei”, disse. “Fiquei procurando para ver se tinha alguma coisa errada”. O estudante relatou, também, que, com a pandemia, algumas das dificuldades foram encontrar material de apoio para estudar para o PAS e a responsabilidade de estudar em casa. “Quando você vai até a escola, você fica no estudo passivo, senta e recebe a informação, e quando você está em casa, você tem que ir atrás da informação”, diz.
Juan estudou para o PAS durante o ensino remoto pelo celular e por meio, principalmente, de apostilas, simulados e videoaulas na internet. “Eu fiz tudo dentro do meu limite”, contou. Ele é o primeiro da família a entrar na Universidade de Brasília e disse esperar não ser o último.
O CEM 02 de Brazlândia obteve 31 alunos aprovados na primeira chamada do PAS. O diretor da escola, Marcos Acléssio, 33 anos, relatou que, com a pandemia, a direção da escola, os professores e, principalmente, os alunos tiveram que se ajustar ao modelo das aulas remotas e à tecnologia. "Muitos dos alunos ficaram prejudicados, tiveram que pegar material impresso e se adaptar a essa nova realidade”, disse. "Para a gente, a maior dificuldade é isso: em especial, a questão financeira dos nossos estudantes".
Além disso, Marcos disse que, todos os anos, são feitos mutirões de inscrição dos alunos para as avaliações externas, como o PAS, e o auxílio no pedido de isenção de taxa de inscrição das provas: “Muito do grande número de estudantes que a gente tem colocado em universidades públicas é em razão de incentivarmos a inscrição, a participação e fazer esse aluno acreditar que ele consegue entrar na universidade”. Com relação à pandemia, os projetos pedagógicos foram adaptados ao ensino remoto e, mesmo não sendo possível a interação direta, a escola prosseguiu com o trabalho de acolhimento e apoio: “Em algumas situações, a gente tentava entrar em contato com o aluno, algum pai ou com algum colega que tinha contato com ele, que morava próximo, para ele não ficar prejudicado e não perder o período de inscrição", diz.
Centro de Ensino Médio Escola Industrial de Taguatinga (CEMEIT)
Mariana Donato foi aprovada pelo PAS para o curso de enfermagem. A estudante contou que estava desacreditada em relação a aprovação, por ter enfrentado, a princípio, dificuldades com as provas e, por isso, nao esperava o resultado. “Eu sou a primeira da minha família a entrar na UnB. Foi muito gratificante conquistar isso em uma época tão difícil", afirma.
Mariana contou sobre as dificuldades de adaptação ao ensino remoto: “É muito mais difícil manter o foco para estudar”. Os estudos da aluna foram focados nas obras obrigatórias do PAS, disponibilizadas pelo Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) e pelos materiais disponibilizados pela escola.
Segundo o supervisor pedagógico do Cemeit, Gabriel Rodrigues, 35 anos, a escola ofereceu uma educação on-line contando com a participação dos estudantes. “Eles são a maioria, eles são aqueles que estão de alguma forma, ensinando a gente também”, disse. “E, quando se trata de tecnologia, eles são experts”. O Cemeit conta com uma plataforma própria, que está vinculada à Secretaria de Educação, e com o engajamento dos alunos e das famílias em iniciativas on-line. Além disso, foram desenvolvidos projetos para que o aluno não se afastasse da escola e dos estudos e para incentivar a convivência, apesar da realidade pandêmica. “A gente não queria dar só o ensino, a gente queria dar, também, a condição”, expôs.
Os projetos da escola continuaram durante a pandemia, porém com adaptações para o ensino remoto. Essas iniciativas vão além do conteúdo programático da sala de aula, visando inserir os alunos na realidade da universidade e da sociedade. “Uma escola sem projetos é uma escola que não projeta”, afirmou. “Se a educação lida com o futuro, a gente precisa projetar os nossos estudantes para a universidade”. O Cemeit teve 26 estudantes aprovados no PAS: “É uma vitória muito grande, concebendo todas essas questões preliminares”.
*Sob a supervisão de Ana Sá