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Como definir a hora do primeiro contato com o ambiente escolar

Por lei, as crianças precisam estar regularmente matriculadas a partir dos 4 anos de idade, mas há quem ingresse mais cedo. Entenda a importância da educação infantil para a primeira infância

Os primeiros contatos da criança com o ambiente escolar costumam gerar muitas dúvidas e preocupações. No entanto, a primeira indecisão se estabelece antes mesmo de os pequenos estarem dentro de um colégio. Quando devo iniciar a vida escolar do meu filho? A pergunta feita pelos pais não tem resposta certa, e ficou ainda mais difícil de ser respondida com a pandemia da covid-19. Para identificar o melhor para cada família, é necessário levar-se em consideração alguns elementos e atentar-se às particularidades de cada criança.

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O ciclo da educação básica começa aos 4 anos de idade, quando é obrigatório por lei que a criança esteja matriculada em uma instituição de ensino. Porém muitos pais colocam os filhos antes dessa idade no colégio. Alguns precisam do apoio porque necessitam trabalhar; outros levam motivos diferentes em consideração. A rotina da família, a necessidade de socialização e o atraso no desenvolvimento da criança são alguns dos elementos observados para bater o martelo e definir que a criança deve iniciar a vida escolar.

A psicopedagoga Adriana Gardel, que atuou por 38 anos na educação infantil, explica que não existe um consenso para responder quando matricular a criança na escola, mas que, ao olhar para o lado do desenvolvimento integral da criança, quanto antes estiver no ambiente escolar, mais benéfico será para ela. “Lógico que isso tudo depende do contexto, e é uma escolha da família”, pondera.

“Caso essa família tenha uma estrutura, pessoas que podem ficar com a criança em casa, que estimulem essa criança, no brincar, na parte da coordenação motora, explorem o desenvolvimento corporal, a linguagem, contem histórias, e se essa criança também tem convivência com outras crianças, no bairro ou na família, acho que pode esperar um pouco mais”, indica. Se esse não for o caso, Adriana acredita que, quanto antes ela estiver inserida no ambiente escolar, melhor será.

Isso porque, na educação infantil, a criança encontrará um espaço para socializar com os outros e desenvolver competências ao brincar. “Criança precisa de criança. Precisa da convivência, desenvolver as habilidades de vida que só acontecem quando a gente convive com o outro em espaços coletivos. Saber dividir, organizar o espaço, olhar para a expressão do outro, criar empatia. E a escola, nesse sentido, é uma oficina de oportunidades e de aprendizagens”, ressalta.

Aprendizado


Foi dessa forma que a advogada Thaís Moreth, 28 anos, enxergou a escola na vida da filha Sofia Moreth, 2. O início da vida escolar da primogênita só estava programado para quando ela começasse a falar, mas o atraso de fala foi, justamente, um dos motivos que a fez antecipar a matrícula de Sofia no colégio. O conselho veio da pediatra da pequena, que indicou que o ambiente escolar poderia ser um estímulo para ela.

“A pediatra me falou que a escola poderia ajudar muito na fala e também na questão social, porque, como não trabalho desde que ela nasceu, ela é muito apegada a mim”, relembra. A decisão foi, então, acordada com o marido e pai de Sofia, e ela começou na escola depois que completou 2 anos, logo no início deste ano. “Depois da adaptação, que durou uns dois meses, foram tantos outros benefícios além dos citados pela pediatra, que eu fiquei encantada”, afirma.

O convívio com outras crianças fez com que Sofia evoluísse em diversos pontos. “Antes, ela não brincava com outras crianças, ficava colada em mim o tempo todo. E hoje é diferente. A forma de comunicação também avançou. Ela ainda não fala, mas usa a linguagem dela para se comunicar”, relata.

Para o primeiro contato da filha com a escola, Thaís buscou um espaço com atividades diferentes e um ambiente aberto, que valorizasse a interação com a natureza. Além disso, a pandemia da covid-19, que isolou todas as pessoas, a fez considerar ainda mais um local diferenciado para a filha.

“Com a pandemia, as crianças não saem de casa, não têm o desenvolvimento que precisam, porque, muitas vezes, os pais têm de trabalhar e colocam as crianças em frente à tela. Então, esse ambiente diferenciado, o contato com a natureza, que eu não posso dar aqui dentro de casa, ela tem na escola, com toda a segurança”, afirma.

Pandemia

Para a psicopedagoga Adriana Gardel, essa preocupação com o desenvolvimento das crianças na pandemia é totalmente legítimo. Ela acredita que, agora, a educação infantil se torna ainda mais necessária, porque houve um movimento de reclusão natural de crianças com menos de 4 anos nas escolas. Seja por medo da infecção pelo novo coronavírus, seja por dificuldades financeiras ou por outros motivos, muitos pais retiraram os filhos das salas de aula.

“Por mais que as escolas e os professores se esforçassem para manter essa criança entretida no ensino remoto, é muito difícil você conseguir acessar essa aprendizagem e prender essa criança por muito tempo em frente a uma tela”, avalia.

Diante desse cenário, esse resgate do convívio nas escolas é extremamente fundamental, para Gardel. “O ciclo mais importante da escola é o da educação infantil. É aqui que se desenvolve realmente todas as competências necessárias para a criança ter uma vida escolar e de aprendizagem no todo. Então, é preciso valorizar”, reforça.

Ensino público


A psicopedagoga e pedagoga Edilaine Geres, atuante nos anos iniciais do ensino fundamental, também defende a valorização da educação infantil, principalmente na rede pública, na qual é mais deixada de lado. "O que a gente percebe é que essa criança vai para a escola por uma necessidade da família, e não por uma potencialidade de educação da criança, tanto que, antes, não era obrigatório ir para a escola com 4 anos. O que falta é esse movimento de entender a importância da educação infantil, que não é só brincar, só levar quando a família precisa de um cuidado: é para o desenvolvimento da criança", afirma.

Para ela, a nova legislação valoriza a educação infantil e tenta dar, para crianças de famílias com condições econômicas mais frágeis de direitos, garantias que, normalmente, somente quem tem poder aquisitivo maior consegue ter. "Dentro de uma escola, essa criança vai ter alguém lendo para ela, estará em contato com diversas culturas, com teatro, música, que, muitas vezes, ela não tem acesso, pela própria condição financeira da família, pelo histórico da educação", pontua.

O que diz a lei

A Lei nº 12.796, que torna obrigatória a matrícula da criança na escola a partir de 4 anos, foi estabelecida em abril de 2013, pela então presidente da República, Dilma Rousseff. As novas normas foram incluídas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e as redes municipais e estaduais de ensino tiveram até 2016 para se adequarem e acolherem esses alunos. “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físicos, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”, diz trecho da lei. As normas estabelecem que o atendimento à criança na educação infantil deve ser, no mínimo, de quatro horas diárias para o turno parcial e de sete horas para a jornada integral. Anteriormente, as crianças eram obrigadas a estar na escola a partir dos 6 anos.

O momento ideal para matricular

Sem um consenso, nem mesmo na comunidade médica, sobre quando a criança deve começar a ir para a escola, cabe aos pais avaliarem as necessidades dos filhos, a rotina da família e, assim, identificarem o momento ideal para que a criança dê os primeiros passos no ambiente escolar. Em geral, os médicos acreditam que a partir dos dois anos há mais benefícios do que prejuízos na inserção dos pequenos na comunidade acadêmica, já que o sistema imunológico deles está mais fortalecido. No entanto, além das viroses e das infecções comuns, desde o ano passado, os responsáveis têm mais uma preocupação para adicionar na conta: a pandemia da covid-19.

A preocupação com o novo coronavírus fez com que a bacharel em direito Mariana Lôbo Espiñeira, 27 anos, adiasse a entrada da caçula, Maria Antônia, de 2 anos, na escola. A mãe avaliou os elementos e entendeu que a filha ainda podia esperar mais. “Como a máscara ainda não é obrigatória para crianças com 2 anos, eu achei que poderia esperar um pouco mais, já que posso me dar ao luxo de deixá-la em casa comigo. Isso foi uma coisa que pesou muito”, afirma.

Além da pandemia, outros fatores influenciaram na decisão de matricular ou não Maria Antônia na escola. Um dos pontos que fez Mariana esperar mais tempo foi a vontade de ter um tempo sozinha com a filha mais nova. Mariana também é mãe de Maria Victória, de 4 anos, que entrou na escola no início do ano passado. “Eu ainda a acho pequena, e ficar em casa longe da irmã, durante um tempo, é bom. Estou curtindo a Maria Antônia em casa, até porque são os momentos que tenho com ela sem ter que dividir a atenção com as duas”, explica.

Para Mariana, não houve pressa em matricular a caçula, já que ela se desenvolve muito bem. “Ela começou a falar antes mesmo do esperado e também não notei atraso na motricidade. Sempre estimulei muito aqui em casa, porque fico muito tempo com elas. Faço brincadeira com tinta, desenho, massinha. Sei que minha realidade é privilegiada e, por isso, optei por esperar mais um tempo para colocar na escola”, pondera a mãe. No entanto, a socialização da filha, que na pandemia ficou mais restrita à irmã mais velha, começa a preocupar Mariana.

“A única parte que senti que afetou bastante a Maria Antônia, e eu não consegui resolver ainda foi a parte da socialização. Notei que ela ficou mais introvertida, ressabiada e não entrosa muito com outras crianças”, cita. Para tentar driblar a situação, a mãe procura fazer programas que envolvam outros pequenos para estimular a interação.

Socialização


O atraso na socialização é uma preocupação frequente de pais que decidiram atrasar a entrada dos filhos na escola, mas o médico pediatra José Francisco Malucelli Klas, membro do Departamento Científico de Saúde Escolar da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica que a criança se adapta rapidamente e, com o estímulo adequado, consegue recuperar esses danos criados pela falta de socialização.

“A vantagem da criança é que ela tem plasticidade cerebral. Então, os danos, a meu ver, não seriam permanentes. São transitórios, e, com a adequada estimulação, a gente consegue recuperar”, pontua Klas. O médico reconhece que crianças com padrão socioeconômico mais baixo podem sofrer mais, já que os pais não têm tanta condição de estimular os filhos, mas garante que a tarefa não é difícil. “O estímulo não precisa ter grandes custos. É contar uma história, mesmo sem ter um livro, cantar músicas, conversar sobre desenhos, para que aquela atividade feita na frente de uma tela sirva também como aprendizagem”, ensina.

O pediatra acalma os pais preocupados com as crianças que ainda não foram para a escola e afirma que não há consenso de qual idade é ideal para esse começo. “Nem mesmo a Academia Americana de Pediatria, que acaba sendo nossa referência, tem uma orientação específica nesse sentido. Eles dão mais subsídios para que os pais tomem uma decisão que melhor se adapte às suas necessidades. Não há uma indicação de idade para começar na escola”, reforça.

Riscos x benefícios


O alerta que Klas faz é para que os pais conheçam esses benefícios e riscos em cada idade. Ele explica que, de forma geral, a partir dos seis meses de idade, o que acontece, do ponto de vista biológico, é que a criança perde os anticorpos que recebeu durante a gestação por meio da mãe. Com isso, até os dois anos, a memória imunológica dela ainda é muito baixa e, por isso, está mais suscetível a infecções.

A partir dos dois anos, as crianças começam a ganhar mais anticorpos e, com isso, têm menos infecções. “De uma forma geral, entendo que há mais riscos do que benefícios em matricular crianças com menos de dois anos na escola. E, a partir dos dois anos, há mais benefícios do que riscos, principalmente se são filhos únicos, já que não convivem com outras pessoas de idade parecida na maior parte do tempo e precisam dessa socialização”, ressalta.

Dicas para os primeiros dias de aula das crianças

O Correio elencou algumas dicas para deixar mais leve a hora de começar a vida escolar. Veja algumas:


» Separação: não se sinta triste ou culpado pela separação que ocorre quando a criança vai à escola pela primeira vez. Essas novas relações ajudarão no desenvolvimento e tornarão a criança mais independente e madura.


» Expectativas: preparar a criança com perspectivas reais é necessário para não causar frustrações. O ideal é que os responsáveis criem expectativas realistas, abordem as possíveis dificuldades dos primeiros dias, mas com uma visão otimista, explicando que os professores estarão lá para ajudar.


» Amigos: uma maneira de suavizar os primeiros dias na escola é fazer com que a criança conheça um colega de turma antes de começar a frequentá-la. Isso permitirá que ela já tenha um amigo para procurar nos primeiros dias de aula.


» Retorno: a pontualidade dos pais na chegada e na saída do colégio é essencial para estabelecer uma rotina que gere segurança para a criança. Os responsáveis devem se despedir do filho de forma breve e explicar, de maneira tranquila, que ao final da aula voltarão para buscá-lo. Segurança na fala e nas expressões faciais são essenciais.


» Cobranças: como tudo é uma novidade, a criança precisa de um tempo para se acostumar ao novo ambiente. É importante que haja conversa com os familiares, mas sem cobranças. Se ela não quiser falar sobre o dia na escola, dê espaço e oportunidade para que relaxe e possa contar as experiências que vive no ambiente escolar.


Fonte: com a colaboração do médico pediatra José Francisco Malucelli Klas, membro do Departamento Científico de Saúde Escolar da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)