Antes do mundo — e dos sistemas de ensino — parar por causa da pandemia da covid-19, o Brasil já enfrentava índices deploráveis sobre o nível de aprendizagem e conhecimento de crianças e adolescentes. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019, divulgado em setembro de 2020, mostrou que, apesar de avanços de todo o sistema de ensino brasileiro, apenas os anos iniciais do ensino fundamental, do 1º ao 5º ano, cumpriram a meta de qualidade nacional estabelecida para o período.
É possível que pais e alunos se preocupem que, agora, quando as escolas começam a voltar ao ensino presencial, a lista de desafios e a dificuldade de aprendizagem estejam maiores. E isso não é uma inverdade. No entanto, o cenário deve ser de esperança. Para Claudia Costim, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e professora visitante da Faculdade de Educação de Harvard, o retorno ao ensino presencial e os próximos anos devem ser o momento em que não apenas haja o esforço para “recuperar aprendizagens perdidas”, mas também de “transformar a educação oferecida aos jovens”.
Para ela, é tempo de aproveitar as mudanças propostas — como o novo ensino médio — e oferecer uma educação aprofundada, em que o aluno seja protagonista, de forma que a aprendizagem individual não seja o único fim do ensino brasileiro, mas, sim, uma forma de enriquecer a sociedade. Confira a entrevista que a educadora deu ao Correio.
A implementação do novo ensino médio no 1º ano começa em 2022. Como o novo projeto é muito diferente do visto nas últimas décadas, pais podem estar apreensivos com a efetividade da mudança. A proposta é um avanço? Quais são as maiores vantagens?
A proposta é, sem dúvida, um avanço. Infelizmente, o que temos, até aqui, como ensino médio tem se revelado um ensino ainda muito superficial, inclusive por estabelecer 13 matérias obrigatórias espremidas em, na média brasileira, quatro horas e meia de aulas por dia. O que o aluno acaba aprendendo é um verniz de cada disciplina, e isto é o oposto do que praticam os países com bons sistemas
educacionais. As maiores vantagens do novo ensino médio são uma abordagem por áreas de conhecimento, permitindo que as disciplinas se integrem — outra tendência positiva na educação mundial —, a expansão da carga horária, na direção do que praticam países com bons sistemas, e a possibilidade de escolha de áreas em que o aluno pretende se aprofundar.
A senhora é uma defensora de escolas integrais ou com, pelo menos, mais horas de ensino. O aumento da carga horária do ensino médio, mesmo que para o estudo de outras áreas do conhecimento, é uma maneira de começar a resolver o problema da superficialidade do ensino?
Com certeza, a ampliação da carga horária, se bem implementada, favorecerá um ensino que não signifique apenas decorar fatos, datas e explanações dos professores. O aluno precisa aprender a ser um pensador autônomo e saber fazer análises mais profundas. Para isso, mais tempo de aula permitirá não apenas maior profundidade nas abordagens, como atividades voltadas à resolução colaborativa de problemas complexos e produção de textos mais sofisticados.
O ano que vem também marcará uma volta mais forte do ensino presencial. Você acredita que este é um período para trazer à tona mudanças necessárias?
Será importante que a volta às aulas permita tanto recuperar aprendizagens perdidas por conta da pandemia quanto transformar a educação oferecida para jovens que vão viver, em cheio, a chamada Revolução 4.0, em que a inteligência artificial deve substituir postos de trabalho em grande velocidade, inclusive os que demandam competências intelectuais básicas. Neste contexto, fará menos sentido ainda contar apenas com um verniz de cada disciplina. Precisaremos aprofundar as aprendizagens. Para tanto, será importante partirmos para um ensino integral, em que os professores sejam alocados a uma única escola e possam, assim, trabalhar colaborativamente no planejamento das aulas, e os alunos terem tempo para aprender mais e, inclusive, cursar eletivas que dialoguem com seus interesses. Os bons exemplos de Pernambuco, da Paraíba, de São Paulo e do Espírito Santo evidenciam o impacto que este tempo a mais de aprendizagem tem tido sobre o Ideb de ensino médio e sobre as taxas de conclusão desta etapa.
Você também fala muito sobre educação para a cidadania. O que ela é?
A educação para a cidadania envolve educar para valores, conforme estabelecido pelo Objetivo do Desenvolvimento Social 4, de que o Brasil é signatário, e desenvolver atitudes voltadas a participar, com propostas e ações, das diferentes comunidades que se conectam em rede, começando pela comunidade escolar e se estendendo para o bairro, a cidade, o país e mesmo uma cidadania global, que inclui a preservação dos recursos naturais e do patrimônio cultural para as próximas gerações, numa visão de ética intergeracional.
Quais são as próximas necessidades do ensino brasileiro que devem ser supridas com urgência nos próximos anos?
No futuro, deveremos incorporar as tecnologias de forma menos amadora no processo de ensino, caminhando para um ensino híbrido efetivo, em que, num conceito de sala de aula invertida, aulas expositivas possam ser enviadas para casa, na forma de vídeos ou pesquisas e, nas escolas, com uso de metodologias ativas, o professor possa usar o melhor do seu potencial, que é ensinar o aluno a pensar com base nos conceitos aprendidos e aplicá-los em estratégias de resolução colaborativa de problemas com criatividade. Para tanto, precisaremos tornar a profissão docente mais atrativa, melhorando os salários, e não fragmentando os contratos, e tornar a formação inicial e continuada mais conectada com as novas formas de ensino. Isso demandará mais diálogo entre teoria e prática e trabalho colaborativo entre os professores dentro de cada escola. Precisaremos também formar os jovens para empreender sua vida escolar e participar de forma consciente na vida em sociedade.
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