A direção da Escola Estadual Aníbal de Freitas, em Campinas (SP), responde a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), aberto pela Secretaria da Educação de São Paulo (Seduc-SP), para apurar a conduta da equipe no caso de suspeita de LGBTFobia vivido por um aluno de 11 anos, na última sexta-feira (11/6). Ele foi repreendido por pais e pela direção da escola por sugerir a produção de um trabalho com o tema LGBTQIA+ no grupo de WhatsApp da turma a que pertence.
O caso viralizou nas redes sociais e chegou até as instituições educacionais do estado após a irmã do adolescente, Danielle Cristina Pereira, 26 anos, publicar o relato no perfil do Facebook dela no sábado (12/6). Mesmo com o PAD, Danielle está desacreditada com um fim positivo do processo. Ela afirma que desde o ocorrido a diretoria da escola não entrou em contato com ela, pelo contrário, evitou chamadas e tentativas de encontros presenciais.
O caso, agora, está sendo mediado também pela Diretoria Regional de Educação de Campinas Leste. Em depoimento dado à instituição responsável pela escola, Danielle solicitou um pedido de desculpas público e o afastamento da diretora da escola e da mediadora, identificada como Marinês, que promoveu represálias à Lucas. Enquanto isso, a instituição educacional tem sido alvo de novos relatos do tipo nas redes sociais (Veja em Novas denúncias contra a escola são feitas).
Entenda o caso
A noite da sexta-feira (11/6) começou de uma forma que Lucas não imaginava. Ao interagir com professores e colegas que decidiam o tema sobre um trabalho que fariam, ele viveu o preconceito na pele. Os ataques foram feitos após o aluno sugerir, no grupo de WhatsApp da turma do 6º ano a que pertence, a produção de um trabalho com o tema LGBTQIA+, em razão do Mês do Orgulho LGBT, celebrado em junho em todo o mundo. Pouco depois de mandar a mensagem, Lucas foi repreendido por pais e responsáveis, também integrantes do grupo, que chamaram a ideia de “absurda” e “desnecessária”.
A diretora da escola, Elizabeth Azevedo, também mandou uma mensagem, que apoiou a repreensão dos pais: “Quem é você, por favor? Retire seu comentário”. Logo, Lucas recebeu uma ligação de uma mediadora escolar, identificada como Marinês, que ameçou tirá-lo do grupo caso o comentário não fosse removido. A funcionária da escola também perguntou a Lucas se ele achava normal querer saber do assunto com a idade dele.
“Quando cheguei em casa, Lucas estava sem reação e com os olhos marejados. No telefone, uma mulher gritava com ele, dizendo que o que ele fez era inapropriado. Sem entender, perguntei o que aconteceu e ele me explicou”, lembra Danielle. Ela conta que achou que a pessoa que falava com o irmão era algum pai conservador, mas se deparou com uma colaboradora da escola.
“Ela queria a todo tempo me convencer que o Lucas estava errado e que eu estava passando a mão na cabeça dele. Ela não me ouvia, só gritava”, diz. Marinês só parou de falar quando Danielle afirmou que homofobia era crime. Em resposta, ela disse que “só cumpria ordens” da direção da escola e que se o comentário não fosse retirado não só Lucas, mas também Danielle seriam retirados do grupo.
“É um grupo importante onde os professores falam sobre as atividades e anunciam os horários das aulas”, pontua. A mediadora desligou o telefone e Danielle foi consolar Lucas, que estava “chorando alto” enquanto pedia desculpas. Veja vídeo do momento:
“Ele falava que não tinha feito nada por mal e eu confirmava que sim, que ele não precisava se sentir culpado”, lembra.
Escola se recusou a atender Danielle e a bloqueou no Facebook da escola
Quando Lucas ficou calmo, Danielle enviou mensagens no grupo sobre o estado do pré-adolescente, e questionou aos pais e a diretoria se eles “não entenderam o que fizeram” com o aluno. As falas foram ignoradas e em pouco tempo a vice-diretora da escola bloqueou o envio de mensagens no grupo.
“Lucas ficou dois dias sem comer direito e chorando nos cantos. Por isso, sabia que não poderia deixar daquela forma. Enviei mensagem pra diretora pra ir lá presencialmente e ela não me respondia, não me atendia e não falou nada sobre o ocorrido”, conta. Ela só conseguiu um horário após outros pais cobrarem um posicionamento da escola. No entanto, o encontro, marcado para terça-feira (15/6), foi cancelado.
O motivo foi que a Diretoria Regional de Educação de Campinas Leste, responsável pela escola, iria conversar com Danielle a partir de então. “Eles foram bem atenciosos e, junto com as advogadas do caso, pedimos o afastamento da diretora e da mediadora, assim como um pedido de desculpas público”, conta. As advogadas fazem parte da Comissão da Diversidade Sexual e Combate à Homofobia e se voluntariaram a ajudar Danielle após saberem do caso.
O pedido de desculpas foi enviado pela diretora na terça-feira (15/6). Diferente do solicitado, a nota foi enviada à Danielle e não no grupo da turma, onde ocorreram os ataques. Além disso, a nota estava tarjada como “encaminhada”. “Para mim, ela não escreveu. Porque se ela encaminhou é porque outra pessoa o fez. Não foi ela”, diz.
A nota, enviada pela diretora, afirma que o ocorrido foi resultado de “dificuldades de comunicação” e que a escola “lamenta grandemente”, mas “acredita na diversidade e nos direitos de todas as pessoas de ocupar os espaços de cidadania”. O documento também afirma que, junto à Seduc-SP, colaboradores da escola passarão por formação para enfrentar preconceitos, rever as formas de comunicação entre alunos e família, e apurar eventuais responsabilidades funcionais.
Há ainda uma promessa de disponibilizar um psicólogo para Lucas, ação solicitada, inclusive, pelo próprio adolescente à Danielle. “A Diretoria de Ensino me informou que o psicólogo seria presencial e em São Paulo, só que não temos condições. Depois de informá-los sobre isso, eles conseguiram profissionais aqui em Campinas”, diz. A primeira consulta será na noite desta quarta-feira (16/6).
Em nota, a Seduc-SP afirma que outra nota está “sendo preparada para ser enviada exclusivamente aos seus responsáveis”.
Novas denúncias contra a escola são feitas nas redes sociais
No Twitter, diversos perfis repercutem o caso e afirmam terem sofrido ataques homofóbicos na mesma escola. Danielle confirma que também recebeu relatos de ex-alunos que passaram pela mesma situação.
Confira alguns relatos:
eu tô muito mal e com muito ódio. tudo o que eu sofri lá voltou na minha mente. algo precisa ser feito pq essas atitudes da escola vem de anos
— sereia do costão (@isasereiona) June 14, 2021
O caso do aníbal de freitas me assusta que só veio à tona agora, pq MUITAS pessoas já sofreram naquela escola, e nunca tiveram ajuda nenhuma
— botri (@jaquebotari) June 14, 2021
sim, eu mesma já sofri na mão desse lixo de escola e ngm ligava, teve até briga e nada aconteceu com a homofóbicazinha
a diretora no grupo da minha sala ficou toda em defesa, sem dúvida nenhuma que pra preservar a imagem dela e da escola, já que ela mesma é preconceituosa— brunnie (@tsnmlaur) June 14, 2021
O Correio entrou em contato com os perfis acima, mas não teve resposta até o fechamento desta matéria. A Seduc-SP afirmou que precisa analisar caso a caso para saber qual foi o procedimento feito em cada denúncia, se houve denúncia.
Moradores da cidade e ex-alunos se mobilizam para fazer intervenções na escola. Na manhã de terça-feira (15/6), a escola amanheceu com cartazes que estampavam frases de respeito às diferenças colados na fachada. Na quinta-feira (17/6), espera-se que um grupo de 150 pessoas vão até o local deixar trabalhos sobre o tema LGBTQIA+ em frente à escola. O grupo afirma que “se não ouviram Lucas, vão ouvir a todas as pessoas LGBT da cidade”.