Centro de Ensino Médio Elefante Branco, que nesta quinta-feira (22) comemora 60 anos, tem muita história para contar, a começar pelo nome. Alguns dizem que o formato do prédio lembra um elefante. Mas, se essa tese estivesse correta, de onde viria o “branco”? Outra hipótese diz que a nomenclatura seria um elogio à proposta educacional nunca implantada antes no Brasil. Daí o nome viria da raridade de elefantes brancos na natureza.
Para um brasiliense causa estranhamento ir para outra cidade ou escutar que Salvador completou, em março, 471 anos, e o Rio de Janeiro, no mesmo mês, 456. A história do Distrito Federal, mesmo que seja, ou pareça, longa para quem vive aqui, ainda é curta. Mas, parece que finalmente começa a existir um legado a ser deixado em alguns locais históricos da cidade. O Elefante Branco é um deles.
O local faz parte da história brasiliense, não só por ter sido finalizado no mesmo ano da inauguração da cidade, mas pelas inúmeras histórias que hoje são contadas de pais para filhos. Grandes nomes passaram por lá: Joaquim Barbosa, Rodrigo Rollemberg, Nelson Piquet e Osmar Schmidt.
Apesar de a inauguração ter ocorrido em 1961, a instituição passou a existir em 1960, com a criação da Comissão de Administração do Sistema Educacional de Brasília (Caseb).
A importância do prédio é grande a ponto de ser tombado como parte do patrimônio histórico de Brasília. No entanto, os alunos do colégio residem, em sua maior parte, a quilômetros do Plano Piloto. Alguns chegam a morar em Goiás.
Para a professora de artes, Clara Rosa, 46 anos, o que diferencia o colégio é justamente a diversidade de estudantes. “Lá, o público é muito diversificado, não é selecionado como algumas escolas públicas, não tem uma peneira, temos muito aluno de periferia, é uma diversidade bem maior de público”.
Impacto
Ivan Ferreira de Barros, 45 anos, foi professor de física a partir de 2003. Em 2012 assumiu a coordenação pedagógica. Atualmente, é o diretor do Elefante Branco.
“Sinto-me honrado em pertencer ao quadro de servidores desta instituição por mais de 18 anos. A responsabilidade é muito grande e, ao mesmo tempo, um desafio enorme. Porém, fica fácil quando você tem uma equipe engajada e um grupo de professores que atua com profissionalismo e amor pelo pela educação pública”, afirma.
O diretor ainda acredita que, ao longo desses 60 anos, apesar das mudanças — e do ensino técnico ter deixado de ser oferecido no início dos anos 2000 — a instituição se manteve firme e reestruturou sua proposta pedagógica para incluir novos projetos.
O prédio histórico tem passado por reformas para atender melhor as mudanças internas. “A instituição vem buscando revitalizar sua estrutura física para abarcar seus projetos pedagógicos, estando preparada para inserir novas tecnologias na sua proposta de educação, e proporcionar aprendizagem ativa aos seus educandos”, explica o professor.
De acordo com Ivan, o Cemeb impacta a vida dos que passam por ele, mesmo depois de anos eles continuam a lembrar do colégio. “A gente tem noção da importância da instituição quando ouve relatos dos ex-estudantes no que diz respeito à formação, eles sempre dizem que foi gratificante”.
Vinícius Gomes de Oliveira, 18 anos, acabou de sair do colégio, mas já percebe o impacto do Cemeb na vida dele.
Segundo o ex-aluno, a formação vai além da sala de aula, é cultural. “Conheci pessoas e me envolvi em projetos que formaram boa parte da minha personalidade e dos meus sonhos. Um lugar em que explorei tanto partes artísticas como o teatro e a escrita, mas também meu protagonismo e liderança no Grêmio Estudantil de forma que, hoje, minha opção de curso é ciências políticas”, ele revela.
Vinícius afirma que não estudaria em outro lugar se tivesse oportunidade, isso porque sente que o Elefante Branco “carrega a história de Brasília”, além de dispor de profissionais que amam o que fazem. De acordo com ele, o local dá liberdade para o aluno buscar o próprio espaço.
Andressa Fonseca Coelho, representante de classe, tem o mesmo pensamento a respeito da instituição. A estudante do 2º ano, faz 16 anos nesta quinta-feira (22), no aniversário do colégio. Segundo ela, a escola abriu oportunidades. “Com o Cemeb, eu tive a chance de ser representante, de aprimorar meu lado de liderança e de empatia, por sempre estar disposta a ajudar meus colegas.”
Cemeb hoje
O coordenador pedagógico Adam Smith, 31 anos, se sente à vontade para criar. Segundo o doutor em astrofísica, a escola oferece aos alunos um caminho à universidade, além de ser um laboratório vivo de aprendizagem para professores em formação.
“É uma escola inclusiva, temos salas para atender surdos, deficientes em geral, estudantes com transtornos, superdotados. Me aproximo cada vez mais dessa temática, procuro levar a discussão para as coordenações, sábados letivos temáticos, oficinas, pois os professores não aprendem isso nas universidades, então, devemos dar todo o suporte”, conta.
Para ele, os estudantes se transformam quando fazem parte desses projetos, “levam muito a sério”. Alguns, constroem o futuro deles a partir disso e seguem áreas correlatas nas universidades, como é o caso do Vinícius.
No fim do ano passado, foi feito um lançamento virtual do primeiro livro do colégio. A obra Coletânea interdisciplinar — Temáticas urbanas reuniu textos escritos por alunos do Cemeb e ilustrações feitas por alunos da Sala de Recursos do Elefante Branco.
A professora Clara Rosa lembra, com felicidade, do lançamento do projeto. “Foi uma experiência legal, primeira live que realizamos, professores falaram, pais se emocionaram no evento, todos estavam felizes”.
“É uma excelente escola. Deu espaço para criar, para fazer, eu montei 14 peças [de teatro] por ano, o grupo de teatro é referência em Brasília, hoje tem grupo que já ganhou festival de curta. Eu acabei de chegar na escola e já pude montar o projeto do livro, e publiquei”, comemora.
Clara diz que o intuito é dar continuidade ao projeto, o grande problema é a questão da verba. A ideia do próximo livro, inclusive, é sobre a história do Cemeb. Para a professora, é importante ter um registro histórico desse tipo.
Valorização do passado
O Centro de Memórias do Elefante Branco surgiu como demanda de professores e gestores do colégio, e em agosto de 2019 ele foi iniciado. O projeto é coordenado pela professora doutora Cristiane de Assis Portela, do Departamento de História da UnB, e teve como objetivo central a constituição de um Centro de Memórias no Elefante Branco, sendo essa uma experiência piloto no Distrito Federal.
Essa ação busca aproximar universidade e escola a partir de atividades de pesquisa e extensão associadas ao ensino. Um dos métodos utilizados é o da investigação científica, com base no próprio acervo escolar.
O objetivo prioritário do projeto é identificar, classificar e mapear o acervo de fontes documentais. Além disso, a missão é elaborar uma exposição sobre os processos de resistências e o protagonismo de estudantes e servidores da escola. O centro tem como finalidade ainda realizar atividades educativas, que envolvam todos os segmentos da comunidade escolar e acadêmica.
“Para o contexto do Distrito Federal, de história recente, a gente começa a ter aquela escola que se torna tradicional dentro da família. O colégio que o meu avô estudou, na escola que o meu pai estudou e que, portanto, eu reconheço como parte da minha própria identidade”, pontua Cristiane.
A professora, que deu aula pela SEEDF durante muitos anos, e é doutora pela UnB, acredita no Centro de Memórias como fonte metodológica capaz de possibilitar uma aproximação entre o passado, o presente e a prospecção de futuros possíveis dentro do Elefante Branco.
O centro é uma parceria da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF) com a Universidade de Brasília (UnB), mais especificamente, com o Departamento de História.
O projeto de extensão começou com o Cemeb, mas a ideia é expandir para outros colégios da rede pública brasiliense.
Contribuição histórica
O colégio também é conhecido por ter sido o local de resistência contra a ditadura militar instaurada por meio do golpe de 1964. Honestino Guimarães, que foi desaparecido e morto nessa época, foi estudante lá. O grêmio estudantil, inclusive, tem o nome do ícone histórico.
Mesmo antes da ditadura, segundo Cristiane, a escola era reconhecida por ser um espaço de resistência e debate crítico. As instalações do Elefante Branco foram palco de manifestações, greve e reuniões políticas, nos anos 1962 e 1963 e isso é reconhecível a partir do acervo do escolar.
O Cemeb se tornou um lugar de experimentação para o ensino médio. “Inicialmente, alinhada ao plano educacional inspirado em Anísio Teixeira, vivenciando um período efervescente como os primeiros anos da década de 1960 até as mudanças educacionais do período ditatorial, as conquistas da redemocratização e o avanço de políticas neoliberais que se fortalecem desde a década de 1990 no âmbito da educação brasileira”, explica Cristiane.
Comemoração
A escola irá celebrar os 60 anos por meio do seu canal do YouTube Supervisão Cemeb. Professores e estudantes mandaram depoimentos gravados e eles serão exibidos. No restante da semana, serão feitas rodas de conversa, além de debates, lives e ciclos de encontro promovidos por professores, estudantes e convidados.
*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo