“Acabou a palhaçada, seu moleque! Desce daí”, grita um dos policiais do Batalhão de Choque para o ativista Thiago Ávila, líder da resistência contra a demolição da Escolinha do Cerrado, única instituição de ensino acessível a 18 crianças moradoras da Ocupação do CCBB, na L4 Norte. A força policial chegou no local às 15h10 desta quarta-feira (7) e arremessou bombas de gás lacrimogêneo contra os apoiadores.
Cerca de 20 minutos depois, a escola estava no chão e Thiago e mais três manifestantes foram presos e impedidos de serem acompanhados por advogados que estavam presentes no local. Essa é a continuação da operação de despejo ordenada pelo governador Ibaneis Rocha após a autorização dada pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na última sexta-feira (2). Na segunda-feira, o grupo resistiu por 10 horas à demolição da Escolinha.
A operação foi divulgada em diversos perfis nas redes sociais por meio de lives, nas quais é possível ver fiscais do DF Legal desmontando a escola ainda com os manifestantes localizados no teto da estrutura. Confira o momento:
A Polícia Militar (PM) e o DF Legal foram os primeiros a chegar no local e começaram a tentar furar o bloqueio dos manifestantes. Após a retirada forçada do grupo de pessoas que se abraçavam em volta da estrutura, os fiscais do DF Legal começaram a desmontar a estrutura. Em vídeo, Thiago Ávila afirma aos policiais presentes que ele poderia morrer. “Você vai me matar. Uma ordem do senhor vai me matar. Capitão Marcos Braga (policial militar que conversava com Thiago), o senhor vai matar a gente?”, questiona. Confira:
O Batalhão de Choque do Distrito Federal foi a última força militar a chegar ao local e em minutos, deram voz de prisão a Thiago Ávila e ordenaram aos fiscais do DF Legal que continuassem o desmonte. Os três manifestantes que acompanhavam Thiago na resistência deixaram o local e foram presos. Em vídeo, os policiais não informaram o motivo da prisão. Confira:
Houve também relatos de uma manifestante que teve que procurar socorro médico após inalar a bomba de gás lacrimogêneo.
Além disso, uma militante do Subverta DF se machucou com uma bomba de efeito moral e está neste momento no hospital.
O que o @IbaneisOficial fez hoje foi um crime! Não pode ficar por isso mesmo!#ocupaCCBBresiste— Subvertamos (@subvertamos) April 7, 2021
Prisão truculenta e demolição escolar
O ativista Thiago Ávila foi o último a deixar o teto da Escolinha, quando um fiscal do DF Legal direcionou um trator em sua direção e avançou. O manifestante desviou da pá do maquinário e subiu no teto do trator, onde permaneceu para evitar o término da destruição da escola.
Em poucos minutos, policiais do Choque subiram no trator e prenderam Thiago. O ativista foi levado ao chão por meio de um puxão pelas pernas, foi imobilizado e levado à uma região de matagal ao lado da ocupação. Os manifestantes que estavam no local afirmaram que Thiago foi agredido, mas não há confirmação. Confira o vídeo do momento da prisão:
Após a prisão de Thiago, a escolinha foi demolida. Em live, a doutora em sociologia e esposa de Thiago Ávila, Sabrina Fernandes, lamenta o ocorrido. “A Escolinha do Cerrado foi demolida. Dezoito crianças -- que não têm tablet nem computador para aprender-- dependiam dela. Pessoas que lutavam por ela, como professoras voluntárias que, inclusive, ficaram feridas nas ações”, declara Sabrina. “Houve um momento em que eu acompanhei a live e achei que ia ver matarem o Thiago”, diz aos prantos.
Levados às viaturas, estacionadas na via principal da L4 Norte, os presos não tiveram acesso a advogados. Eles foram levados à Delegacia De Combate a Ocupação do Solo e aos Crimes contra a ordem Urbanística e o Meio Ambiente (Dema) e, de acordo com os manifestantes, foram acusados por crime ambiental.
Deixa eu contar pra vocês como o Governo do Distrito Federal não tem vergonha nenhuma do que faz: querem enquadrar @thiagoavilabr, Érica, Caio e Pedro em CRIMES AMBIENTAIS. Por resistirem a um despejo violento na pandemia. #liberdadeocupaCCBB pic.twitter.com/yfCzAJGM55
— Sabrina Fernandes #OcupaCCBBresiste (@safbf) April 7, 2021
Após o ocorrido, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) declarou apoio à Thiago e os outros três manifestantes presos:
Por volta das 19h, Sabrina Fernandes afirmou que os manifestantes poderão sair mediante pagamento de fiança e abriu uma vaquinha on-line para arrecadar o valor. Às 20h, a doutora em sociologia afirmou que o valor de pouco mais de R$ 12 mil já havia sido arrecadado.
Caraca vocês pegaram a meta da vakinha da fiança e dobraram a meta quase que instantâneamente. Boletos das fianças pagos! Nossos companheiros vão sair em breve! O valor excedente será discutido com a ocupação e depois volto pra contar pra vocês do destino! Muito obrigada!
— Sabrina Fernandes #OcupaCCBBresiste (@safbf) April 7, 2021
Ordem deveria ser discutida em processo administrativo, diz advogada
Hanna Gomes, advogada do escritório Kolbe Advogados Associados, afirma que à primeira vista, a ordem de despejo e derrubada da Escolinha é irregular. “O GDF publicou uma lei distrital (nº 6.657/20), proibe a remoção dessas ocupações durante a pandemia. Por isso, a ordem do CCBB é irregular”, afirma.
“No entanto, há uma brecha na lei. Ela é válida apenas para construções feitas antes da publicação da lei. Se a Escolinha foi erguida depois, a ordem não é irregular”, conta. A Lei foi publicada em 27 de agosto de 2020 e, até o fechamento desta matéria, os coletivos não informaram a data de construção da escola.
“Mesmo se foi edificada após a lei, o despejo só deve ocorrer após o fim do processo administrativo, no qual os ocupantes podem apresentar contraditório e ser ouvidos contra o despejo”, afirma Hanna.
De acordo com a Associação Nacional dos Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), desde a primeira tentativa de despejo, entre 22 e 23 de março, o DF Legal não entregou notificação prévia para que os moradores desocupassem o local e nem deu a “oportunidade de construção de uma mesa de negociações com outros órgãos e estatais e com as próprias famílias, que demandam atenção do poder público”. Para a Anadep, a atitude é uma violação da Resolução 10/2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Ibaneis afirma que cumpriu a legislação vigente
Na noite da terça-feira (6), o governador Ibaneis Rocha afirmou que “é obrigação do Governo” cumprir a ordem de despejo e que “como Governador e como advogado, eu obedeço a Lei”. Confira o posicionamento:
As desocupações no terreno próximo ao CCBB foram realizadas cumprindo a legislação vigente. É obrigação do Governo cumpri-la e, como Governador e como advogado, eu obedeço a Lei. A cidade precisa de ordem e manteremos uma vigilância permanente para evitar novas ocupações. (1/5)
— Ibaneis Oficial (@IbaneisOficial) April 6, 2021