Este ano letivo marca a passagem de três datas significativas no que se refere às leis que regem o ensino. Em 2021 a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) faz 25 anos. Um quarto de século é o tempo de uma geração, um marco a ser registrado. Contudo, as duas LDBs anteriores à atual também fazem aniversário, a Lei 5.692/71 completa 50 anos e a Lei 4.024/61 atinge seis décadas. O espírito de cada uma pode ser percebido pela perspectiva que adota quanto à diversidade curricular. De um lado, a liberdade que cada família pode ter para discernir o tipo de escolaridade que quer para o seu filho. E, no que se refere ao Ensino Médio, o direito de cada estudante para escolher itinerários que correspondam às suas perspectivas de vida.
Desde os anos 1950, o debate que gestou a Lei 4.024/61, polarizou o meio educacional em dois grupos. De um lado, o que fazia a denúncia da dualidade do sistema de ensino e propunha a instauração de um currículo unitário, imposto pelo Estado. De outro lado, a vertente que defendia a liberdade de cada família, de ensino e a diversidade curricular. Nessa perspectiva, a qualidade do sistema de ensino decorre, em larga medida, de sua variedade. A pluralidade de opções é característica da liberdade de pensamento e de ensino, fatores promotores da própria democracia.
A flexibilidade proposta em 1961, pela LDB 4.024, teve duração relativamente curta. Cerceada pelo golpe e pelo AI-5, foi substituída, em 1971, pela Lei 5.692. Sessenta anos se passaram desde a criação da primeira Lei de Diretrizes e Bases. Somente agora o país torna, finalmente, a cogitar os itinerários formativos, com debate retomado noutras bases. Já não se encontram, entre os atuais interlocutores, os integrantes daquelas antigas gerações de educadores. Decorrido tanto tempo, os poucos sobreviventes já não estão em atividade profissional.
Analisada nessa perspectiva, a atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio retoma, com os seus itinerários formativos, a possibilidade oferecida aos estudantes dos anos 1960 e que lhes foi negada desde a década seguinte. A evolução da atual Reforma Curricular foi também marcada por longa negociação. Ainda que debaixo de intensa polarização, o desenho da BNCC foi finalmente concluído e de forma favorável. Apesar das resistências da corrente centralizadora, prevaleceu o viés de flexibilização e diversificação curricular. Assim, a BNCC veio arrematar, de forma coerente, o que foi proposto pela atual LDB 9394/96.
As transformações pelas quais a sociedade passa estão cada vez mais intensas e aceleradas. Em diferentes setores percebe-se a clara tendência para a descentralização, horizontalização, reintermediação e personalização. Diante disso, a possibilidade de um currículo único, sob a autorização e o controle direto do Estado, é ideia ultrapassada, cujo prazo de validade está irremediavelmente vencido.
Cada estudante deve ter a possibilidade de optar pelo itinerário que melhor lhe convém. A concretização desse direito já vem sendo adiada por décadas. No entanto, quis o destino que esse marco fosse atingido em meio a pandemia decorrente da covid-19, com a imposição dos protocolos sociais e tudo o que eles acarretam. Mas depois de tantas idas e vindas, urge que não se protele mais a Reforma.
O desafio de conceber currículos pertinentes e trajetórias escolares plenas de significado, requer dos educadores que elejam como foco prioritário o interesse das novas gerações e o mundo em que viverão. Somente a flexibilidade e a diversidade curricular fomentarão um ambiente que estimule as escolas a experimentar e a ousar, condições para que floresçam as inovações necessárias.
*Diretor da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep)