Justamente quando a educação básica mais precisava, o governo federal investiu menos nela: 2020 foi o ano com menor investimento do Ministério da Educação (MEC) no ensino básico da década. O resultado é um contrassenso pelo contexto da pandemia, quando as necessidades educacionais aumentaram por causa da adaptação à nova realidade de ensino remoto ou híbrido.
Assim, não é de se estranhar que o ano passado tenha sido de estagnação e piora em diversos aspectos da educação. Para além das escolas fechadas e dos impactos da crise sanitária, uma série de reformas e políticas públicas foram interrompidas.
Os resultados têm a ver com a pandemia, mas também com inação, má gestão, falta de priorização e ausência de coordenação nacional na área. A avaliação é de novos relatórios da organização da sociedade civil Todos pela Educação divulgados neste domingo (21/2).
“No momento em que as crianças e os jovens (especialmente os mais vulneráveis que dependem de escola pública) estão mais precisando, o governo federal está fazendo menos por eles”, lamenta Lucas Hoogerbrugger, líder de Relações Governamentais do Todos pela Educação.
Segundo o 6º Relatório Bimestral Execução Orçamentária do Ministério da Educação, que tem o objetivo de entender a destinação e o uso de recursos na educação básica, o MEC terminou 2020 com a menor dotação orçamentária (verba destinada a determinado fim) desde 2011, com R$ 143,3 bilhões.
E a educação básica encerrou o ano com o menor orçamento e a menor execução orçamentária (dinheiro de fato usado) da década. A etapa fechou 2020 com R$ 42,8 bilhões de dotação, 10,2% menos em comparação com 2019, e R$ 32,5 bilhões em despesas pagas. Em outras palavras, o MEC gastou mais recursos com a educação básica em 2010 e em todos os anos subsequentes do que em 2020.
Em 2010, por exemplo, a pasta pagou R$ 36 bilhões em despesas com educação básica; e, em 2020, apenas R$ 32,5 bilhões foram de fato gastos. Para o Todos pela Educação, é “injustificável” que, em meio à pandemia e à crise financeira, o Executivo federal tenha cancelado R$ 1,1 bilhão referente a despesas para educação básica.
Esse montante foi destinado ao orçamento de outras pastas, incluindo os ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Regional, da Infraestrutura e de Minas e Energia. Esses R$ 1,1 bilhão vieram do cancelamento de ações de apoio à educação básica, de produção, aquisição e distribuição de livros didáticos e concessão de bolsas.
MEC cancelou recursos para a educação básica
O Todos pela Educação também considera “injustificável” que, num cenário crítico, o MEC tenha executado apenas 47% das despesas livres (discricionárias) para a educação básica em 2020, totalizando R$ 1,5 bilhão.
O ministério pagou mais despesas livres de anos anteriores (um total de restos a pagar de R$ 2,3 bilhões) do que aquelas aprovadas para o exercício de 2020, o que contribui para o contínuo rolamento de despesas de um ano para o outro.
Segundo Lucas Hoogerbrugger, ter um grande volume de restos a pagar, que se tornam uma “bola de neve”, não é algo novo, o que choca realmente é ver “tanto a menor dotação, quanto a menor execução” orçamentária para a educação básica em 2020.
“Isso significa, na prática, que o MEC começou o ano com um volume de dinheiro que, ao longo do ano, não foi executado. O governo federal optou por cancelar parte desse recurso na educação básica, que saiu de ações que eram feitas com estados e municípios e, mesmo depois desse cancelamento, o MEC ainda não conseguiu gastar tudo”, explica Lucas.
Na análise do Todos pela Educação, a pandemia não pode ser usada como justificativa para isso, até por ser um momento de ainda maior necessidade de investimento.
Quando o ministério de fato preparou algo específico para a crise sanitária, foi de modo tardio e insuficiente. “Só nos últimos meses do ano, o MEC resolveu colocar recurso adicional para as escolas enfrentarem a pandemia, pelo programa Dinheiro Direto na Escola”, relembra Lucas.
Inicialmente, o MEC anunciou orçamento de R$ 525 milhões para o programa, mas só investiu cerca de R$ 430 milhões. “Temos quase 43 milhões de alunos na educação básica. Então, quando a gente divide uma coisa pela outra, o MEC passou pouco mais de R$ 10 por aluno, pelo ano todo, para enfrentar a pandemia”, observa Lucas.
A quantia se mostra inadequada num cenário em que há necessidade de adaptação da estrutura, de redução do tamanho das turmas, de compra de EPI (equipamento de proteção individual), de protocolos de biossegurança, de formação de professores para lidar com o momento e de outras questões. “Há uma série de coisas para serem feitas que não cabem em cerca de R$ 10 por aluno”, critica Lucas.
Para complicar ainda mais, o MEC teve um cancelamento de R$ 700 milhões do orçamento voltado à educação básica. O analista observa que esse dinheiro poderia muito bem ter sido direcionado para as escolas.
“Aqui tem uma mistura de falta de gestão com falta de priorização que é complicada. O MEC parece que não se vê no papel de realmente apoiar os estados e municípios na gestão da pandemia na educação”, avalia.
“O governo federal, desde o princípio, disse que não era de responsabilidade dele o enfrentamento da pandemia, mas de governadores e prefeitos. É uma diretriz central que acaba reverberando no MEC que, em alguns momentos, também falou isso”, comenta.
“É uma sinalização de compreensão equivocada do papel do ministério. A legislação brasileira coloca o MEC como responsável por coordenar a política educacional no país e trabalhar com suplementação e complementação para reduzir desigualdades.”
Saiba mais sobre o 6° Relatório Bimestral da Execução Orçamentária do MEC
Monitoramento feito pelo Todos Pela Educação a cada dois meses, o documento avalia a disponibilidade de recursos e a execução das despesas do Ministério da Educação, com foco na educação násica. A publicação acompanha a periodicidade do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP), publicação bimestral do Ministério da Economia que monitora o comportamento da receita e ajusta a estimativa das despesas do Governo Federal. Confira o relatório completo no site.