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Rendimento escolar

Unicef: 8 milhões de estudantes brasileiros têm fracasso escolar

Tríade, formada por reprovação, abandono escolar e distorção idade-série, impacta milhares de indígenas e negros. Cenário de desigualdades piora com a covid-19

Indígenas, negros, nordestinos e nortistas são maioria entre os 2,1 milhões de estudantes de escola pública reprovados no país em 2019. Esses perfis também são a maior parte dos 620 mil registros de abandono escolar e dos 6 milhões de alunos com distorção idade-série nos ensinos fundamental e médio. No total, cerca de 8 milhões de alunos sofreram com desempenho precário em 2019.

Os dados são de estudo divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), na manhã desta quinta-feira (28/1), em entrevista coletiva feita por meio do aplicativo Zoom. O chefe da educação do Unicef, Ítalo Dutra; a diretora de responsabilidade social do Instituto Claro, Daniely Gomiero; e o consultor e pesquisador do Cenpec Educação, Romualdo Portela, apresentaram os principais pontos do levantamento. 

Unicef/Reprodução - Números totais de reprovação no país em escolas públicas

O documento "O enfrentamento da cultura do fracasso escolar", lançado em parceria com o Instituto Claro e produzido pelo Cenpec Educação, tem como objetivo trazer à tona os dados de reprovação, abandono escolar e distorção de idade-série no país, tríade considerada pelo Unicef como cultura do fracasso escolar.

“Essa cultura se constitui numa ameaça severa para o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes em sua vida cotidiana, tanto no presente quanto na construção de seus futuros”, pontua o Unicef no estudo.

De acordo com a organização, o ciclo começa com a primeira reprovação. Sem incentivo e cuidado, o estudante pode reprovar novamente e uma terceira vez, até abandonar os estudos. Por fim, ele retorna à escola, com idade inapropriada para a série, o que já constitui novos motivos para não aprender ou desistir de vez.

Os dados demonstram que os mais afetados pelo fracasso escolar são aqueles que enfrentam desigualdades socioeconômicas, como indígenas, negros e pessoas com deficiência, assim como moradores da Amazônia Legal. “A exclusão atinge sempre os mesmos, não importa a forma que se manifesta, quer seja por reprovação, por distorção idade-série, seja por abandono”, ressalta Romualdo, do Cenpec Educação.

A organização acredita que o estudo pode auxiliar os agentes responsáveis pela educação brasileira a criarem estratégias para reverter o cenário de fracasso.

“Esse é um desafio histórico da escolarização no Brasil e seu reconhecimento como uma obrigação do Estado pode resultar na elaboração e execução de políticas, programas e projetos coletivos, com o engajamento de diversos agentes, incluindo as crianças e os adolescentes”, relata trecho do estudo.

O caminho de combate ao fracasso, para Ítalo Dutra, é feito por meio de investimento material nas escolas, de forma a auxiliar o trabalho dos docentes, e também por meio da criação de políticas públicas.

“Precisamos melhorar a estrutura das escolas no suporte de trabalho ao professor e trabalhar em políticas públicas que ajudem a diminuir as desigualdades que atingem, historicamente, indígenas e pretos”, pontua. “É preciso ser consciente do que precisamos mudar para enfrentar essas questões.”

Pandemia aumenta desafios para evitar fracasso escolar

A pesquisa "Desafios das Secretarias de Educação do Brasil na oferta de atividades educacionais não presenciais", feita entre abril e maio de 2020, pelo Unicef, com 3,9 mil redes municipais de ensino, 71% do total, mostrou que o cenário de fracasso escolar poderia aumentar.

Apenas 33% dos domicílios contavam com computador com acesso à internet, enquanto 46% tinham apenas um celular. Na época, 1,5 mil redes de ensino ainda não haviam produzido orientações para a continuidade das aulas.

O resultado da demora e da falta de recursos foi visto na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de outubro de 2020. Cerca de 1,3 milhão de estudantes de 6 a 17 anos não frequentavam a escola na modalidade presencial ou remota naquele mês.

Entre os que estavam na escola, 4,12 milhões não haviam recebido nenhuma atividade escolar. Para o chefe de educação do Unicef, Ítalo Dutra, é urgente a necessidade de identificar e engajar os alunos que se desconectaram da escola durante a pandemia.

“Ao todo, cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes tiveram seu direito à educação negado em 2020 e essa perda de vínculo precisa ser enfrentada. A urgência é ir atrás dos 5,5 milhões de crianças que não têm acesso à educação”, declara.

“O estudante que não está engajado e com acesso à atividades na escola está na antessala do abandono escolar. Então, é razoável dizer que a pandemia aumentou o risco do fracasso escolar para 5,5 milhões de pessoas, aumentou a exclusão escolar”, complementa o professor Romualdo Portela, do Cenpec Educação.

“Não podemos aceitar isso. Imediatamente, precisamos achá-las e trazê-las de volta ao contexto escolar”, convoca Ítalo.

Mais de 2 milhões de estudantes brasileiros eram repetentes em 2019

De acordo com o novo estudo do Unicef, do Instituto Claro e do Cenpec Educação, das 27,7 milhões de matrículas registradas nas redes públicas municipais e estaduais de educação básica em todo país em 2019, de acordo com o Censo Escolar, 2,1 milhões se referiam a alunos reprovados no ensino fundamental e médio, o que corresponde a quase 8% do total de matriculados.

O maior índice de reprovação está nos anos finais do ensino fundamental, em que há o registro de 901.445 reprovações; seguido de 609.346 nos anos iniciais; e 605.081 no ensino médio. O total é de mais de 2,1 milhões.

As taxas de reprovação mostram que o ensino médio está à frente, com 10% de reprovações, seguido pelos anos finais (9,2%) e iniciais (5,1%) do ensino fundamental.

Regiões Norte e Sul apresentam maiores taxas totais de reprovação

Em um cenário geral, a região Norte apresenta a maior taxa total de reprovação, com 9,1% (309.020 alunos), seguida de perto pela taxa de reprovação do Sul do país (8,9%). O Sudeste (6%) e o Centro-Oeste (6,6%) apresentam as menores taxas totais.

A tendência se mantém na análise de cada etapa educacional separadamente. Nos anos iniciais do ensino fundamental, o Norte apresenta a maior taxa, com 8,3%; já o Sudeste registra apenas 3,1% de reprovações.

Nos anos finais do ensino fundamental, o cenário mudou. A região Nordeste é a que tem mais alunos reprovados nessas séries (11,2%) e a região Sul a segunda com mais repetentes (11,1%).

O estudo alerta para a diferença na taxa de reprovação entre escolas pertencentes a redes municipais e estaduais. De acordo com os dados, nos anos finais do ensino fundamental, a média de alunos reprovados é mais alta em colégios municipais.

A região Sul e o Centro-Oeste brasileiro despontam no gráfico quando os dados se referem ao ensino médio. Mais de 106 mil (13,1%) estudantes matriculados em 2019 no Sul do país eram repetentes; enquanto 50,6 mil (11%) alunos estavam na mesma situação no Centro-Oeste.

Estudantes indígenas e negros são os mais reprovados

A diferença significativa no percentual de reprovação entre estudantes indígenas, negros e brancos é ressaltada pelo Unicef. Enquanto estudantes brancos são 5,9% dos reprovados no ensino fundamental e médio, alunos indígenas, pretos e pardos são 10,9%m 10,8% e 8,2% do total, respectivamente.

O dado é confirmado ao ser cruzado com a taxa de reprovação de estudantes que moram em terras indígenas: ela é de 10,8%, cerca de três pontos percentuais acima da médica nacional (7,6%). Alunos que residem em áreas remanescentes de quilombo também são parte de um alto índice de reprovação: 10,6%.

Pardos (8,2%) e amarelos (7,3%) são os grupos com maiores taxas de reprovação. O estudo também chama a atenção para o montante de estudantes que não declararam cor nos registros escolares: são 559,7 mil, o que representa 26,5% do total.

Meninos e estudantes com deficiência correspondem às taxas mais altas de reprovação

Mais da metade dos reprovados no ensino fundamental e médio eram meninos, o que corresponde a 1,3 milhão (64,2%) do total dos estudantes que não tiveram sucesso nas avaliações da educação básica.

A reprovação de alunos com deficiência também é representativa: 98,7 mil estudantes nessa situação, do total de 859,9 mil, não tiveram sucesso em 2019.

Abandono escolar é resultado de fatores intraescolares e externos

Mais de 600 mil estudantes abandonaram o ensino fundamental e médio em 2019. Entre as causas para a decisão, estão a aplicação de propostas curriculares que não interessam aos alunos ou são incapazes de proporcionar engajamento.

A reprovação também é vista como “um poderoso indutor” do abandono escolar. Por último, a necessidade de cumprir atividades não escolares (como trabalho remunerado ou doméstico e gravidez na adolescência) incompatíveis com os horários de estudo também é elencada como motivo para largar a escola.

Secundaristas representam o grupo com mais desistentes, com 333,5 mil pessoas, seguido por alunos dos anos finais do ensino fundamental (213,4 mil). A maior taxa de abandono é registrada no Norte do país (4,1%), seguida pela região Nordeste (2,9%). O Centro-Oeste apresenta 1,9% dos casos.

Indígenas (5,3%), pretos (2,9%) e pardos (2,6%) são os grupos que representam as maiores taxas de abandono escolar. A organização afirma que “é importante assumir que o abandono escolar ultrapassa as escolhas individuais, sobre as quais não se pode incidir. A reprovação e o abandono são desafios de toda a sociedade, o que inclui a escola, seus profissionais, gestores da educação, estudantes e suas famílias”.

Em 2019, 6 milhões de alunos estavam com distorção de idade-série

O atraso na escolarização de crianças e adolescentes é o terceiro ponto no ciclo do fracasso escolar. Alunos reprovados ou que abandonaram a escola tendem a sofrer a distorção idade-série, quando a faixa etária do estudante não é adequada ao ano em que ele estuda.

Dos 6 milhões de alunos nessa situação no país, 29,3% se encontram no ensino médio e 2,6%, nos anos finais do ensino fundamental. A maioria reside nas regiões Norte (19%) e Nordeste (17,2%).

Como nos outros cenários, indígenas são os que mais sofrem com a distorção idade-série (40,2%), seguidos por pretos (29,6%) e pardos (23,9%). A distorção é vivida por 46,8% dos estudantes com deficiência.

Amazônia Legal e Semiárido brasileiro apresentam taxas de reprovação e distorção idade-série acima da média nacional

De acordo com o estudo, mais de 10 milhões (35,7%) dos 27,7 milhões de estudantes matriculados no país são crianças e adolescentes que estudam em áreas que compõem o Semiárido brasileiro, localizado no Nordeste, e a Amazônia Legal. Estes grupos apresentam taxas de reprovação e de distorção idade-série maiores do que as demais regiões brasileiras.

No Semiárido brasileiro, a taxa de repetentes é de 6,3% nos anos iniciais, contra a média nacional de 5,1%. Já nos anos finais, a reprovação alcança os 11,2 pontos percentuais, contra 9,2% da média do Brasil. Estudantes residentes na Amazônia Legal apresentam taxa de reprovação de 7% nos anos iniciais e de 9,7% nos anos finais.

Já a distorção idade-série no Semiárido brasileiro registra 32 pontos percentuais nos anos finais do ensino fundamental, contra 27% da média nacional. Na Amazônia Legal, a diferença é de 10 pontos percentuais entre a média local e nacional ao se falar de distorção idade-série no ensino médio.

O Unicef afirma que os dados explicitam a necessidade de implantação de políticas educacionais voltadas ao “atendimento das especificidades das populações” que moram nesses territórios.

A instituição também pontua que o enfrentamento da cultura de reprovação nas escolas de todo país e “em especial, das escolas que atendem as populações mais vulneráveis, é responsabilidade de cada docente e de cada gestor em todas as instâncias dos sistemas educacionais”.

 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa