Além de se preocupar com o conteúdo das aulas, escolas têm aprendido a tratar com mais atenção a saúde mental tanto de alunos quanto de professores a partir da pandemia. Com este intuito, surgem projetos que visam alterar o modo como crianças e adolescentes enfrentam o dia a dia escolar.
Desde 2018, uma iniciativa de atenção psicológica chamada Práticas Integrativas de Saúde, também conhecida como PIS na Escola, do Centro Educacional Gesner Teixeira, no Gama, tem se destacado na rede pública do Distrito Federal.
O projeto oferece, para professores e alunos, cursos diversos, como de arteterapia e automassagem, além de roda de terapia. A iniciativa conta também com um local especializado que recebia reuniões antes da pandemia, chamado de Espaço Olhar, que fica na coordenação regional de ensino do Gama.
A ideia do PIS na Escola se consolidou como parceria entre a Secretaria de Saúde, que disponibilizou profissionais na área de psicologia, que conduzem as rodas de diálogo, e a Secretaria de Educação.
Em dois anos, a ação cresceu e, no ano passado, incluiu professores de 42 escolas da rede pública do Distrito Federal nas rodas de diálogos virtuais.
Os métodos usados no PIS na Escola são reconhecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). As práticas incluem, além da arteterapia e automassagem, apiterapia, fitoterapia, entre outros tratamentos.
Pandemia mudou os planos, mas não parou as atividades
Por causa da pandemia, a rotina do projeto foi alterada com todos em suas casas. Assim, os organizadores das atividades passaram a ordenar rodas de terapia apenas para professores da rede pública do DF em conversa feitas virtualmente. Antes, o trabalho também era feito também com os alunos.
Os profissionais contaram, durante a pandemia, com um espaço seguro para compartilhar experiências, angústias e soluções com outros colegas. Ao todo, 2.152 professores participaram do grupo de conversa, que ocorria duas vezes por semana.
Para Francisca Beleza, professora de história e uma das fundadoras do projeto, o trabalho com docentes reverbera nos estudantes. “Esse olhar cuidadoso para a saúde mental do professor vai repercutir diretamente na aprendizagem dos alunos”, explica.
A professora de geografia Liliane Rakel Rodrigues, 48 anos, hoje atua com alunos com necessidade especiais. Para ela, as trocas ajudaram durante o distanciamento social. “A gente percebe, nas rodas, que todo mundo está tendo dificuldades na pandemia”, diz.
Liliane reparou que, além de ajudar dentro de sala de aula, a terapia também apoia o crescimento pessoal dela. “A partir do momento em que cada um vai colocando suas ideias e trazendo seus problemas, a gente cresce muito”, reflete.
Acolhimento de alunos também melhora desempenho nos vestibulares
No Colégio Sigma, a pandemia serviu de pontapé para a criação de um grupo de diálogo com os alunos. O Sigma Acolhe, destinado a estudantes do ensino médio, chegou a receber 120 jovens em sala virtual para conversar sobre angústias e desabafar com professores e orientadores do colégio.
Coordenadora de convivência ética da escola, Paula Cavalcante disse que a pandemia mostrou a necessidade de um espaço de conversa. “A iniciativa começou com o isolamento social, quando a gente sentiu falta dos momentos de acolhimento e conversa no corredor”, explica.
Em alguns momentos, foi preciso lidar com dores causadas pela pandemia. “A gente lidou com o próprio luto dos alunos, que perderam algum parente querido ou amigo”, afirma.
De acordo com a professora, o trabalho com alunos do ensino médio melhora o desempenho nos vestibulares. “Quanto melhor o aluno está consigo mesmo, melhor o resultado”, assegura.
Segundo Paula, o momento serve para levar aos alunos sentimento de pertencimento. “A gente acolhe a dor, o estresse, o nervosismo. A ideia é trazer sensibilidade para os alunos”, elenca.
A estudante Beatriz Serra Silveira, 18, participou dos momentos em grupo no colégio. “Eu achei as conversas muito boas. Eles davam espaço para a gente falar e faziam perguntas”, lembra.
Segundo Beatriz, as rodas ajudaram no contato entre os professores e os alunos no momento de isolamento social. “Foi bom porque a gente só tinha aula. Então, falar com os professores sobre outras coisas ajudou muito.”
Para a jovem, essa iniciativa é fundamental para qualquer escola. “A gente não sabe a situação de todo mundo em casa, então o colégio precisa dar esse apoio”, percebe.
Mesmo com projetos, escolas ainda precisam se adaptar a uma nova realidade
Apesar de haver iniciativas pontuais de apoio à saúde mental, esse assunto deve ser mais priorizado com ou sem pandemia. De acordo com a professora de competências socioemocionais na Rede Pedagógica Simone Lavorato, as escolas perceberam que a criança ou o jovem só pode aprender se estiverem psicologicamente equilibrados.
“Todos nós, quando nos sentimos pressionados a encarar uma certa realidade para a qual não estamos prontos, liberamos no cérebro cortisol. Ele pode nos deixar incapacitados para aprendizagem”, explica a psicóloga clínica e neuropsicóloga.
“Quando o pai vai escolher a escola do filho, faz uma grande diferença optar por um colégio que desenvolve competências socioemocionais e com corpo docente qualificado e preparado para lidar com questões emocionais”, destaca Simone.
De acordo com a psicóloga, a procura por colégio com essa estrutura vai aumentar cada vez mais. Simone exemplifica atividades que podem ser desenvolvidas para o manejo das questões emocionais dos alunos. "Palestras, rodas de conversa, apoio de profissionais são algumas opções”, enumera.
“Mas não basta só ter um psicólogo no colégio, é preciso uma conscientização da escola de como ela vai disseminar os conceitos de saúde mental com os alunos.”
Janeiro Branco
Além do Setembro Amarelo, o Janeiro Branco é outra campanha que serve para chamar a atenção para a saúde mental. O movimento foi criado por psicólogos em 2014 com o objetivo de gerar conscientização sobre a temática.
Artigo: com aulas presenciais ou não como oferecer suporte emocional às crianças no novo ano letivo?
Confira artigo de Sueli Conte, especialista em educação, mestre em neurociências, psicopedagoga, diretora e mantenedora do Colégio Renovação, instituição com mais de 35 anos de atividades do ensino infantil ao médio, com unidades nas cidades de São Paulo e Indaiatuba:
"2021 começou, mas as incertezas continuam. Enquanto governos discutem retomar as aulas presenciais, há um volume considerável de pais e professores que são contrários a essa retomada, ainda inseguros quanto às possibilidades de contágio pela covid-19.
Independentemente de iniciarmos o ano com aulas on-line, presenciais ou adotando o ensino híbrido, a maior preocupação neste momento deve ser direcionada ao cuidado com a inteligência emocional e ao desenvolvimento de um trabalho socioemocional com as crianças e os adolescentes.
Os temas inteligência emocional e desenvolvimento socioemocional nunca estiveram tão em alta. Eles já tinham sua relevância, mas, com a pandemia, ficou ainda mais claro para as pessoas que trabalhar essas questões na infância e na adolescência proporciona inúmeros benefícios.
Dentro da competência socioemocional, são trabalhados pontos essenciais para o desenvolvimento humano. Podemos reforçar na criança a sua própria identidade, ou seja, ajudá-las a entender quem ela é, quais os seus pontos fortes e fracos e, até mesmo, orientá-la quanto a identificação e como lidar com os mais variados sentimentos.
Com as habilidades socioemocionais entendidas, torna-se possível alcançar, de forma mais assertiva, os objetivos traçados, fica mais simples tomar decisões de maneira responsável e até gerenciar as próprias emoções. Quanto mais cedo as pessoas têm consciência da importância das habilidades socioemocionais, melhores são os resultados em diversos setores da vida.
Isso significa que entender tudo isso desde a infância traz benefícios reais e garante preparo e equilíbrio para a vida adulta. Pensando assim, o ideal é que os pais e responsáveis transformem em rotina o estímulo a certas habilidades, como: desenvolver empatia, apreciar a diversidade e, acima de tudo, respeitar os outros e as diferenças existentes entre as pessoas.
Claro, também é possível trabalhar o tema na escola. Aliás, o desenvolvimento das habilidades socioemocionais em crianças precisa ser realizado em parceria entre a escola e a família, uma vez que essas características estão no dia a dia, nas pequenas atitudes, desde as atividades mais simples até as mais complexas. Não se constrói isso sem a participação da família ou sem a ajuda da escola.
Incentivar e ensinar crianças e adolescentes a estabelecer relacionamentos com os colegas da escola, que eles saibam lidar com diferentes opiniões e costumes e, principalmente, a trabalhar em equipe são alguns pontos chaves, assim como é extremamente interessante que eles aprendam a lidar com os próprios conflitos, sejam eles internos ou externos.
Afirmo com segurança que crianças e adolescentes que conhecem e respeitam os próprios sentimentos, que têm empatia pelo outro, que conhecem limites e sabem respeitar as vontades dos outros, tornam-se adultos mais seguros, menos suscetíveis a julgamentos e muito mais felizes com as próprias escolhas. Volte suas atenções aos seus filhos, incentive as crianças e adolescentes do seu convívio a trabalhar o lado socioemocional. Faça isso você também. Todos nós temos somente a ganhar com esse esforço e dedicação!"
*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa