Nesta segunda-feira (28/12), o Ministério da Educação (MEC) publicou portaria em que regulamenta a implantação de escolas cívico-militares em 2021. Para o período, está prevista a implantação de 54 unidades “distribuídas nos estados, nos municípios e no Distrito Federal, em escolas estaduais, distritais e municipais”. A introdução do modelo, no entanto, ainda divide a comunidade escolar.
A medida faz parte do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), que objetiva implantar 216 escolas cívico-militares em todo o país até 2023. O programa instituído por meio de decreto presidencial é desenvolvido pelo MEC, com o apoio do Ministério da Defesa, e tem como objetivo “promover a melhoria na qualidade da educação básica no ensino fundamental e no ensino médio”.
O que diz a portaria
A portaria estipula que, primeiramente, serão enviados Ofícios-Consulta aos estados e ao Distrito Federal, para manifestação de interesse à implantação de duas escolas em cada ente, totalizando cinquenta e quatro novas escolas cívico-militares no país em 2021. A adesão ao modelo é voluntária.
O resultado será divulgado em 25 de janeiro de 2021, junto à lista das manifestações de interesse e das vagas remanescentes e não preenchidas pelos estados e o Distrito Federal. Caso existam vagas remanescentes, será aberta a segunda fase de manifestação de interesse que contemplará os municípios localizados naqueles estados que não aderiram.
A portaria também informa que, para a escolha das escolas a aderirem ao modelo, devem ser levadas em conta as seguintes características:
- Escolas com alunos em situação de vulnerabilidade social;
- Desempenho abaixo da média estadual no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb);
- Número de matrículas entre 501 a 1.000;
- Oferta das etapas anos finais do ensino fundamental regular e/ou ensino médio regular;
- Oferta de turno matutino e/ou vespertino, excetuando-se o noturno;
- Aprovação da comunidade escolar para a implantação do modelo, por meio de consulta pública presencial ou por consulta pública por meio eletrônico.
Especialista alerta para intervenção no currículo pedagógico
Para a doutora em educação e professora na Universidade de Brasília (UnB) Edileuza Fernandes, a portaria representa uma intervenção clara no papel do professor nas escolas e coloca em perigo o ensino pedagógico dos estudantes. Ela chama a atenção para o artigo 18 da portaria, que define as funções dos militares na instituição de ensino.
“É preocupante ler, nesse artigo, que os militares desempenharão, nas escolas, tarefas da área didática-pedagógica, ou seja, tarefas destinadas somente a profissionais formados em cursos de licenciatura e pedagogia”, diz.
O modelo definido no documento é diferente do que foi feito no ensino cívico-militar do Distrito Federal, a partir de 2019, em que policiais e bombeiros são responsáveis pela parte disciplinar das escolas e professores têm pleno poder sobre o planejamento pedagógico.
“E piora: a portaria flexibiliza a formação desses militares que atuarão nas tarefas didático-pedagógica. Eles não precisam ter conhecimento na área, basta ter um perfil. Mas qual é esse perfil? Não se fala”, observa Edileuza Fernandes.
Enquadram-se nas tarefas didático-pedagógicas o planejamento curricular anual, a produção de avaliações, os projetos para ajustes no ensino para ajudar alunos com dificuldade e ações para engajar a família no aprendizado do aluno. “É uma interferência clara no campo dos professores ao mesmo tempo em que fragmenta a gestão da escola”, critica a professora da UnB.
“É a mesma coisa de publicar uma portaria que permite que eu, professora, diagnostique crianças no Hospital da Ceilândia. Eu posso ir só porque tenho um perfil de gostar de crianças, mesmo sem conhecimento nenhum em saúde. O que sairá disso?”, exemplifica.
A especialista também afirma que a destinação de recursos específicos para esse modelo de escola é uma forma de criar mecanismos de convencimento para que instituições de ensino optem pelo ensino cívico-militar.
“Quando você investe em conjuntos de escolas com nova estrutura física e mais recursos, você deixa outras sem suporte, o que acaba sendo uma forma de convencer escolas que não querem aderir ao modelo por não concordarem com ele”, pontua.
No DF, o Programa terá conflitos com a lei de gestão escolar democrática, criada em 2012 (Lei nº 4.751/12). “Esse modelo democrático é o que nós, educadores, entidades educacionais e famílias, lutamos para ser instalado no DF e não iremos recuar”, conta.
“Nele, é a comunidade que elege diretor e vice-diretor, que gerenciam as escolas com a ajuda de colegiados, como grêmio estudantil, conselho e assembleia escolar, tudo democraticamente e com participação de alunos, professores e familiares”, diz.
Por fim, a professora convoca pais e alunos a entenderem o verdadeiro objetivo do Programa. “Esse tipo de escola é vendida com a promessa da diminuição da violência, um discurso ideológico, que, infelizmente, tem ganhado espaço. A violência é um fenômeno estrutural social e não é resolvido apenas em uma determinada área. O aluno sairá da escola e continuará a ver violência, porque ela está na sociedade”, diz.
“Esse projeto revela um movimento muito alinhado à Escola Sem Partido, projetos de cerceamento das liberdades, de regulação e controle dos estudantes dos estudantes e professores pelo constrangimento, que é uma marca de um processo conservador que vemos no país”, declara.
No DF, 12 unidades escolares seguem o modelo cívico-militar
Por meio de nota, a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE-DF) informou que a portaria publicada pelo MEC está sendo estudada. A secretaria afirmou que o DF conta com 12 colégios cívico-militares, sendo dez por meio da parceria entre as Secretarias de Segurança e de Educação e dois por convênio com o Ministério da Educação.
Questionada sobre possíveis mudanças de modelo dessas unidades, a SEE-DF assegura que, no ano letivo de 2021, as 12 unidades educacionais permanecem com o mesmo modelo de gestão.
Medida no DF é alvo de crítica de entidade que representa os professores
Júlio Barros, diretor do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF) ressalta que a entidade sindical é contra o modelo, por ser incompatível com a Lei de Gestão Democrática, Constituição Federal, Plano Nacional de Educação e Plano Distrital de Educação.
O diretor destaca que a militarização das escolas significa afrontar os princípios constitucionais de uma escola pública, gratuita, democrática, com igualdade de condições de acesso, permanência e sucesso, pautada no pluralismo de idéias e concepções pedagógicas. Ele considera que a militarização fortalece a política do terror e a instalação do medo para o cumprimento e a aceitação de regras em detrimento do processo educativo.
“Educação se faz com investimentos, por isso defendemos a valorização dos professores, orientadores educacionais, do Batalhão Escolar, e, fundamentalmente, do cumprimento das metas do Plano Distrital de Educação”, afirma. “Temos muito que avançar, mas, sem dúvida nenhuma, essa mudança não passa pela militarização das escolas”.
Associação de Pais e Alunos aposta no modelo para resolução de conflitos
O presidente da Associação de Pais e Alunos do Distrito Federal (Aspa-DF), Alexandre Veloso, afirmou que a associação apoia a implantação do modelo cívico-militar no DF desde o início, pois entende ser uma alternativa para um espaço seguro e organizado. Ele ressalta que, no modelo regular, muitas vezes, professores têm que se desviar da função para fazer mediar conflitos em sala de aula.
"É interessante que o governo do Distrito Federal não perca essa oportunidade de poder aderir e trazer mais escolas desse tipo para o DF, de maneira que mais pessoas possam ser contempladas com essa modalidade de ensino”, ressalta. O presidente destaca que o retorno tem sido positivo entre pais e alunos adeptos ao modelo.
*Estagiários sob a supervisão da editora Ana Sá