Em tempos de pandemia, ensinar é um desafio que tem sido encarado bravamente por educadores de todo o país. No entanto, a adaptação das atividades presenciais para o ensino remoto deve ser pensada com ainda mais delicadeza quando se trata da inclusão de alunos com deficiência da educação infantil.
No Distrito Federal, a Secretaria de Educação (SEEDF) atende 15.540 estudantes com algum tipo de deficiência. Apenas na educação infantil, são 779 matriculados em classes comuns, 68 em classes especiais e 122 em instituições especializadas. O Centro de Educação Infantil 4 (CEI 4) de Taguatinga é umas das instituições inclusivas do DF e acompanha 14 crianças com deficiência.
Pensando em como melhorar a experiência dos pequenos estudantes da escola, a professora Fábia Moura, 42 anos, abusou da criatividade e foi além das aulas virtuais. Ela montou um kit com diversas atividades e materiais para cada um dos alunos atendidos na sala de recursos.
“O atendimento que faço com as crianças é baseado no concreto e, virtualmente, eu não estava conseguindo atingir isso”, conta a educadora formada educação física pela Universidade Católica de Brasília e pós-graduada em Atendimento Educacional Especializado (AEE) pela faculdade Universa. “Então, eu tive a ideia de criar esse kit simulando as atividade que eu fazia com eles em sala”.
Trabalhando competências que antecedem a alfabetização
A escola apoiou o projeto e, com a ajuda de uma amiga também professora do CEI 2, Fábia montou os kits que passaram a ser entregues aos responsáveis a cada dois meses. São diversos materiais como cartolina, barbante, tampas de garrafas, palitos de picolé, TNT, botões, durex, isopor e ligas, entre outros que apoiam as tarefas de aprendizado dos pequenos.
“São materiais que que trabalham a coordenação motora e atividades que antecedem a escrita e a leitura. Na educação física, nós não trabalhamos a alfabetização propriamente dita, mas sim essas competências que antecedem a alfabetização, de acordo como Currículo Corpo em Movimento da Secretaria de Educação”, explica Fábia, que há 23 anos atua como professora da SEEDF e há 12 se dedica à educação especial na sala de recursos da escola.
Além das aulas ao vivo, que ocorrem uma vez por semana, a professora posta vídeos na plataforma de ensino remoto orientando os pais como fazer as tarefas propostas.
Aprendendo com a família
Dallyany Damasceno, 33, é formada em enfermagem pela Universidade Paulista (Unip), mas dedica o tempo integralmente aos três filhos, especialmente para a do meio, Sofia, 5, que tem holoprosencefalia, uma má formação do cérebro. A pequena é acompanhada pela professora Fábia na sala de recursos do CEI 4 desde o ano passado.
No início do isolamento social, a mãe conta que Sofia sofreu com a mudança de rotina, mas desde que as aulas e as atividades do kit começaram a serem oferidas, os dias da menina têm sido mais leves. “Eu consigo ensinar ela o segurar o lápis e a trabalhar o olfato, o paladar e as texturas. Tudo isso graças ao kit”, conta.
E as tarefas têm ajudado bem mais do que o esperado. Mariana, 4, a outra filha de Dallyany, aprende junto com a irmã. “A Mariana ainda não entrou na escolinha e está aprendendo muita coisa. Elas aprendem juntas”, revela a mãe.
Sofia não pode andar e se comunica por meio de gestos e olhares. Dallyany elogia a forma com que a educadora conseguiu que todos esses sentidos fossem trabalhados em casa. “A Fábia é uma professora que eu quero que fique por um bom tempo com a Sofia”, comenta.
Na foto, Sofia e Mariana escrevem a primeira letra do nome delas fazendo punção no isopor. A atividade promove o desenvolvimento da coordenação motora fina e do movimento de pinça, que auxiliam as crianças a, posteriormente, pegarem o lápis corretamente e também ajuda na atenção e concentração.
“Como se fosse uma grande brincadeira”
“As aulas remotas são de uma didática surpreendente e que empolgam nossa filha a paticipar como se fosse uma grande brincadeira”, diz o servidor público aposentado Victor Luiz Torres, 63, pai da Victória, 6, que tem Síndrome de Turner 45X, uma condição genética que afeta mulheres devido a ausência completa ou parcial de um cromossoma X.
Assim como na casa de Dallyany, Victor conta que as propostas são práticas e incentivam a participação de toda a família. “O material colocado nos saquinhos numerados, de ótima qualidade e os vídeos explicativos são muito inteligíveis para nós pais”, diz.
Em uma das atividades fotografadas, Victória aparece fazendo tecelagem. A professora explica a que atividade trabalha a coordenação motora fina e os movimentos de pinça. Além disso, reforça o aprendizado às cores, concentração e coordenação visual motora. “Nós sentimos uma grande evolução no aprendizado de nossa filha”, diz Victor.
Sobre os elogios e agradecimentos dos pais, Fábia diz se sentir aliviada. “Eu consegui atingir o meu objetivo com as crianças ajudando as famílias. Tem sido muito compensatório”
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá.