Entrevista

Deputada diz que Fundeb não bancará programa Renda Cidadã

Em entrevista ao Correio Braziliense, a deputada federal Tabata Amaral também não poupa críticas à gestão do MEC durante a pandemia

Mateus Salomão*
postado em 02/10/2020 18:31 / atualizado em 03/10/2020 09:53
Deputada federal Tabata Amaral considera que não há chances do uso de recursos do Fundeb para bancar o Renda Cidadã passar no Congresso -  (crédito: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
Deputada federal Tabata Amaral considera que não há chances do uso de recursos do Fundeb para bancar o Renda Cidadã passar no Congresso - (crédito: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) destaca que não há chances de o Congresso Nacional aprovar o uso de recursos da educação básica para custear o programa Renda Cidadã. Ela chega a essa conclusão com base nos esforços e mobilizações observados durante a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) em agosto. “Da mesma forma que a sociedade e o Congresso Nacional se mobilizaram, e a gente não permitiu que fossem retirados recursos, isso ocorrerá novamente”, ressalta a parlamentar.


Não faltam críticas da deputada quanto às declarações do ministro da Educação, Milton Ribeiro, em entrevista concedida ao Estadão, na semana passada. “Ele vai sentar na cadeira (de ministro) para resolver os problemas da nossa educação, que são muitos, ou ele vai continuar permitindo, como os anteriores, que o MEC sirva apenas de um palanque para uma guerra ideológica?”, questiona a parlamentar. Tabata também critica a falta de planejamento nacional de reabertura das escolas e programas de conectividade para os alunos sem acesso à internet por parte do MEC.


Confira os principais trechos da entrevista que a parlamentar concedeu à equipe do Eu, Estudante.


Com o contexto de fechamento das escolas, o ano letivo está perdido?

Como ativista pela educação, até 31 de dezembro, eu vou dizer que o ano não está perdido. Porque, quando falamos “Vamos deixar passar esse ano como se nada...”, estamos falando de um agravamento profundo da nossa desigualdade educacional e socioeconômica. Estamos falando de uma geração inteira que vai ter seu sonho completamente anulado, que vai ter a chance de um futuro melhor cancelada. Sim, estamos vivendo um momento extremamente difícil, pois a pandemia impõe riscos enormes à saúde, à segurança e à vida das pessoas, mas não podemos ignorar que, quando negamos a alguém o direito à educação básica, também estamos impondo uma morte a essa pessoa, ainda que uma morte lenta, como estudos já mostraram que quem não termina o ensino médio vive, por exemplo, aproximadamente quatro anos a menos que quem termina, recebe salários menores ao longo de toda a vida e tem mais chance de se envolver com a criminalidade. Quando considero esse risco e essa situação gravíssima com os nossos jovens, até o dia 31 de dezembro, eu vou trabalhar para que esse ano não seja perdido, porque eu não acho que, como sociedade, a gente tem direito de fazer isso com as gerações que estão chegando.


A retomada de algumas escolas já começaram a ser feitas pelo país. Em Brasília, por exemplo, escolas particulares já retomaram nos anos iniciais. A senhora considera que estamos lidando com essa questão de maneira adequada e responsável?

Mesmo durante a pandemia, a gente viu experiências muito louváveis em diferentes estados e em alguns municípios. Mas se a gente fala do ponto de vista nacional, é muito preocupante o que está acontecendo. Eu não consigo deixar de falar da irresponsabilidade do MEC ao não assumir o seu papel neste momento de pandemia. A nossa LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) deixa muito claro que o ministério deveria coordenar os esforços das redes e apoiar aquelas que mais precisam. O MEC,que não viabilizou nenhuma parceria com redes de televisão ou com redes de rádio e não viabilizou a conectividade dos estudantes, é o mesmo que diz que não é seu papel coordenar esse esforço de retomada. A retomada não é para a mesma escola que a gente deixou em março e isso não se faz do dia para a noite, porque tem um custo e requer planejamento. Não, nós não estamos fazendo um bom trabalho como um país nesse sentido, porque não estamos prontos para fazer essa retomada. Se nosso país levasse a Educação a sério, estava todo mundo incomodado com a gente estar há seis ou sete meses sem aulas, com nossos alunos perdendo o vínculo com a escola e sequer ter um planejamento a nível nacional.

 

A aprovação do Fundeb foi considerada uma vitória para a educação básica brasileira. Porém, esta semana o governo federal afirmou que utilizará recursos do fundo no custeio do programa Renda CIdadã. A senhora considera essa iniciativa um retrocesso?

É completamente descabido, o governo está dando voltas sem sair do lugar na questão da renda básica há meses. Eles tentaram tirar recursos da educação durante a tramitação do Fundeb, mas nós vencemos isso no voto. Então, eu tenho certeza que não vai passar agora. Mas é claro que nos incomoda porque o governo está insistindo a cada dia em uma medida mais absurda que a outra, uma hora é dinheiro da educação, na outra precatório, o que na verdade é um calote, uma pedalada. E só insiste nessas tentativas absurdas de financiamento porque não tem coragem de enfrentar os privilégios que devem ser enfrentados. Se o governo, de fato, não tiver coragem e se comprometer com uma reforma tributária justa, com uma reforma administrativa justa, que não tem nada a ver com o que foi apresentado, nós vamos continuar vendo o governo com tentativas completamente descabidas e sem sair do lugar. Mas a minha maior preocupação é que a gente chegue no final do ano, sem ter um projeto para colocar no lugar (do Renda CIdadã) e a gente verá milhões de famílias que dependem hoje do auxílio emergencial completamente expostas (à vulnerabilidade).


O uso de parte dos recursos para bancar o antigo Renda Brasil já havia sido recusado pelo Congresso e agora o governo faz essa nova investida. Isso é um tipo de desrespeito ao que foi estabelecido e discutido?

Não é a primeira vez que o governo não cumpre com os compromissos que foram acordados, mas eu acho que é importante dizer que o governo só recuou na época da aprovação do Fundeb por causa da pressão da sociedade e da pressão do Congresso Nacional. Então não entendo de onde vem essa nova tentativa. Eu acho que é um grande absurdo um país tão desigual como o nosso querer enfraquecer a educação pública, que é a única porta de saída que existe para esse país ser um dia justo e desenvolvido. Eu tenho certeza que novamente o governo vai perder nessa discussão, porque existem muitas pessoas na sociedade e no Congresso que são, de fato, comprometidas com a educação.


A senhora vê alguma articulação entre os seus colegas congressistas ou a reação é algo mais localizado?

Há posicionamento de diversos membros da frente parlamentar em defesa da Educação, que é a nossa bancada. O próprio presidente (da Câmara dos Deputados) Rodrigo Maia e vários outros líderes também se pronunciaram. Cada um deles não fala como alguém otimista, mas como alguém que sabe como a gente mobiliza a sociedade quando se fala de Educação. Não tem chance disso passar. Isso é um insulto à população brasileira, isso é um insulto a uma educação de qualidade. E o governo vai ter que enfrentar essas batalhas se quiser aprovar um projeto de renda básica ou um projeto de ampliação do Bolsa família.


Na semana passada o ministro da Educação incorreu em várias polêmicas em entrevista ao Estadão, entre elas, de que não era responsabilidade do MEC atuar na redução de desigualdades dentro das escolas. O que a senhora achou dessa afirmação?

O que a gente viu é que esse é o primeiro ministro (da Educação) que está aberto ao diálogo. Pelo menos foi o primeiro que recebeu a Comissão Externa de Acompanhamento do Ministério da Educação. Mas, na hora que o ministro se mostrou aberto ao diálogo, você viu uma grande pressão e barulho no twitter de apoiadores do presidente da República. Depois, o ministro vai e faz essas falas absurdas. Vale dizer com muita clareza que as afirmações que ele fez com relação à comunidade LGBT tem que ser combatidas com firmeza. Em uma democracia e em um país livre não cabe uma fala como essa do ministro da Educação. Outra coisa que também me entristece é que, se o ministro da Educação não entende que é seu papel combater as desigualdades, é porque ele não entendeu que o papel da educação é de ser a maior mola impulsora que existe para o desenvolvimento econômico e na inclusão social. A partir disso, questiono o ministro: ele vai sentar sentar na cadeira para resolver os problemas da nossa educação, que são muitos, ou ele vai continuar permitindo, como os anteriores, que o MEC sirva apenas a um palanque para uma guerra ideológica? Eu espero que ele faça a primeira opção.


Outra questão também polêmicas dessa entrevista foi quanto ao acesso de alunos à internet, em que o ministro diz não ser responsabilidade do MEC. Como a senhora vê essa situação em que parece faltar atenção sobre esse grupo de estudantes não conectados?

Eu acho importante lembrar de quais estudantes estamos falando: são jovens que estão hoje dividindo pequenos cômodos com muitos familiares, sem acesso à internet, sem ensino adequado, vendo os seus sonhos de um futuro melhor ir para o lixo. Não há interesse pelo governo federal nesses jovens. Mas vale ressaltar que é, sim, papel do MEC (incluí-los), a nossa LDB é clara nisso: é papel do MEC coordenar os esforços educacionais e apoiar as redes mais vulneráveis. Nós temos quase 6 mil municípios no nosso país, alguns com poucos milhares de habitantes. Não é possível e não é real esperar que cada um desses municípios se organize para garantir o acesso à internet dos alunos. Mas, dado que o MEC não está cumprindo seu papel, nós apresentamos um projeto que diz de onde vem os recursos e que traz estratégias para que esses estudantes sejam conectados.


Quais são suas projeções para esses próximos meses ou anos em que a educação de crianças e jovens de todo o Brasil terá que lidar com a ameaça do coronavírus?

Para falar em um pouco de esperança, eu espero que o mesmo esforço empreendido pela sociedade e pelo Congresso na aprovação do Fundeb seja aplicado para aprovar o projeto de conectividade dos estudantes de escolas públicas; para que nós também tenhamos coragem de discutir uma reforma tributária justa; e para discutir uma ampliação, modernização e fortalecimento do Bolsa Família. Talvez nós não possamos contar com o governo federal nessa áreas, então o Congresso terá que assumir a sua responsabilidade. Mas, cada vez que eu vejo um novo absurdo e sinto uma pequena desmotivação, eu lembro da aprovação do Fundeb e isso me anima novamente. Porque a gente mostrou que dá para fazer.


*Estagiário sob a supervisão da editora Ana Sá

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