Alunos do Eja e Cils serão aprovados sem frequência mínima

A orientação da circular n.º 240/2020 da Secretaria de Educação é dirigida a unidades escolares que ofertam regime semestral, o que engloba a Educação de Jovens e Adultos (Eja) e os Centros Interescolares de Línguas (Cils)

Mateus Salomão*
postado em 23/09/2020 17:45 / atualizado em 23/09/2020 22:04
A circular n.º 240/2020 da Secretaria de Educação é dirigida a unidades escolares que ofertam regime semestral, o que engloba a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e os Centros Interescolares de Línguas (CILs) -  (crédito: Lúcio Bernardo Jr/Agência Brasília)
A circular n.º 240/2020 da Secretaria de Educação é dirigida a unidades escolares que ofertam regime semestral, o que engloba a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e os Centros Interescolares de Línguas (CILs) - (crédito: Lúcio Bernardo Jr/Agência Brasília)

Em circular enviada às coordenações regionais de ensino nesta terça-feira (23), a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF) orientou que alunos que frequentaram as aulas ou tiveram acesso às atividades independentemente do número de dias terão a presença no semestre computada. A orientação vale para unidades escolares que ofertam regime semestral, o que engloba a Educação de Jovens e Adultos (Eja) e os Centros Interescolares de Línguas (Cils). A medida é polêmica, pois não leva em consideração critérios para aprovação como assiduidade mínima às aulas.


A circular esclarece que, para a aprovação neste semestre letivo, os alunos necessitam ter frequentado os dias letivos presenciais; ou acessado a plataforma ou outros meios; ou que terem sido atendidos por meio de materiais impressos a partir do dia 13 de julho 2020. Os que se enquadram nesse perfil serão registrados no Diário de Classe como aprovados, independente do número de dias comparecidos ou acessos nas plataformas.


Para os estudantes que não cumprem os requisitos, a circular orienta que serão considerados reprovados. Assim, devem ser lançadas faltas apenas para estudantes que nunca estiveram presentes no modo presencial, acessaram a plataforma ou pegaram o material impresso fornecido. “Recomenda-se o registro da falta (f) a todos(as) esses(as) estudantes que nunca frequentaram as aulas de forma e em hipótese alguma neste semestre”, lê-se em trecho.


As unidades públicas de ensino do Distrito Federal que atuam em regime semestral já se preparavam para fechar o semestre nesta sexta-feira (25/9). Dessa forma, a medida gerou polêmicas entre alunos e professores que, por terem se esforçado em superar as dificuldades do sistema de ensino à distância, sente-se lesados por a medida dar brecha à aprovação de alunos que não se dedicaram.

Pego de surpresa

O professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal Eduardo Dias da Silva recebeu a notícia com preocupação e insegurança
O professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal Eduardo Dias da Silva recebeu a notícia com preocupação e insegurança (foto: Arquivo Pessoal)


O professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal Eduardo Dias da Silva lembra que recebeu a notícia com preocupação e insegurança, uma vez que os professores do Centro Interescolar de Línguas do Gama, onde trabalha, se encaminhavam para o fechamento das notas até o fim da semana. “Muitos professores que, assim como eu, estavam com o diário em situações muito bem definidas, temos que rever tudo”, conta. “Vamos ter que referendar uma situação que é totalmente atípica.”

 
Ele considera que a circular pode levar a uma situação de aprovação que não condiz com o real aprendizado, pois alunos com presenças mínimas poderiam ser considerados aptos aos próximos níveis. “Isso gera todo um trabalho no futuro, porque esse aluno que, de maneira errônea, vai estar apto a continuar não tem as bases e os conteúdos necessários para estar ali e isso é um tiro no nosso pé”, alerta.

“O que causou a frustração ou a indignação, até então, é que a quem não conseguiu por algum motivo se colocar dentro dessa possibilidade de ensino remoto ou que não conseguiu cumprir os prazos parece que nada vai acontecer. A gente está contemplando aquele que não quis simplesmente fazer nada ou não pode fazer nada, menosprezando o trabalho árduo que teve o professor de estar ali, de cumprir prazos e de fazer as atividades”, pondera.


O professor conta que desde que receberam a circular, os gestores dos centros interescolares já estão se articulando entre si e com o Sindicato dos Professores (Sinpro-DF). “As coisas não podem ser assim, não pode e não deve ser simplesmente pela falta de acesso provido pela Secretaria de Educação, ou mesmo pelo GDF, que iremos passar todo mundo a toque de caixa”, ressalta. “São números vazios, sem aprendizado, sem algo concreto.”


Chocada, mas não surpresa

Lorena Freitas sente que a dedicação durante todo o semestre letivo, de certa forma, não foi compensada com a brecha que a circular abriu
Lorena Freitas sente que a dedicação durante todo o semestre letivo, de certa forma, não foi compensada com a brecha que a circular abriu (foto: Arquivo Pessoal)


A estudante do Centro Interescolar de Línguas do Gama Lorena Freitas diz que ficou estarrecida e chocada com a medida tomada pelo secretaria de Educação, mas conta que não pode se dizer surpresa “porque esse governo funciona a base de canetadas e incoerência.”


Ela sente que a dedicação durante todo o semestre letivo, de certa forma, não foi compensada com a brecha que a circular abriu. “O estudante que tentou ter um desempenho ao menos significativo dadas as circunstâncias foi equiparado àquele que não compareceu às aulas e não teve nenhum tipo de esforço”, ressalta.


“E um lado pior e pouco falado é como os professores se sentem diante da situação. Eles dedicaram a maior parte de seu tempo e energia para construir um ensino remoto de qualidade e são os mais desgastados nessa situação. Pedir que um professor dê uma nota (de frequência) equivalente para estudantes que não tiveram o mesmo desempenho é um total de respeito com um trabalho que foi feito”, destaca a estudante.

Maquiagem na realidade

A vice-diretora do Centro de Ensino Médio 1 do Gama, Adriana Medeiros, ressalta que é algo muito complicado o que o governo está fazendo
A vice-diretora do Centro de Ensino Médio 1 do Gama, Adriana Medeiros, ressalta que é algo muito complicado o que o governo está fazendo (foto: Arquivo Pessoal)

A vice-diretora do Centro de Ensino Médio 1 do Gama, Adriana Medeiros, lembra que, ontem, ao receberem a circular, os professores da escola se sentiram desprestigiados e desvalorizados. Ela ressalta que é algo muito complicado o que o governo está fazendo, pois, depois de falhar em gerir a educação a distância, agora quer aprovar os alunos para esconder a realidade. “O que a gente esperava? Internet para todo mundo e condições para que os alunos estudassem. Não alcançamos até agora essa expectativa e veio essa circular 240”, lamenta.


“Ninguém quer a reprovação dos alunos, mas não dá para aprovar aluno que apenas apareceu no presencial, sendo que tivemos aula (na escola) até 11 de março e estamos em setembro. Os professores ficaram indignados com essa possibilidade de aprovar aluno que, em tempos normais, nós consideraríamos a situação como abandono escolar”, afirma


A vice-diretora contabiliza que dos 213 matriculados no Eja do CEM 01 para o primeiro semestre de 2020 apenas 120 frequentaram a escola em março e apenas 60 utilizaram a plataforma on-line. Sabendo que a presença desses 60 estudantes que somente assistiram às aulas presenciais no início do ano seria contabilizada como presença para todo o semestre, ela considera isso uma maquiagem da realidade.


“Inclusive essa circular chegou ontem, mudando tudo que estávamos pensando, sendo que fizemos conselho de classe e colocamos resultados nos diários”, disse Adriana. Ela ressalta que tem conhecimento da posição do Sindicato de Professores do Distrito Federal de que os alunos não podem se reprovados, no entanto, se opõe a uma ideia de aprovação em massa.

Sinpro-DF se posiciona


A diretora do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) Rosilene Corrêa conta que a instituição vem insistindo junto à secretaria de Educação para que seja feito um debate pedagógico de reorganização e readequação do currículo. Ela pontua que atualmente há vários perfis de alunos que não acessaram as plataformas por diversos motivos. “Você não tem como medir e saber das razões pelas quais esses alunos não fizeram isso”, afirma. Ela ressalta que, pela exclusão e pobreza, não se pode condenar todos os alunos.


“Nós (do Sinpro) entendemos que não se trata da situação de aprovar, nem tão pouco de reprovar os alunos. Nós precisamos reorganizar este semestre, reorganizar este ano letivo de forma que ele não se encerre, ele tem que ter uma tratamento de continuidade”, considera. “É preciso eliminar essa discussão de processo avaliativo. Neste momento, o que importa mesmo é fazer tudo para estabelecer um vínculo dos alunos com a escola.”


Posição da secretaria de Educação


Por meio de nota, a Secretaria de Educação do Distrito Federal informou que a circular nº 240/2020 orienta que os estudantes matriculados em cursos semestrais não sejam reprovados por falta no primeiro semestre, ou seja, que o documento trata apenas da frequência escolar. “Os professores são os responsáveis pelas avaliações de aprendizagem que, após realizadas, devem ser debatidas no Conselho de Classe”, completa.


“A orientação considera as dificuldades que o cenário da pandemia impôs às vidas dos estudantes. É um momento desafiador, complexo, que exige uma série de adaptações. O órgão está fazendo tudo para que sejam minimizados os impactos disso no ano letivo”, afirma. “A prioridade, neste momento, é garantir que não haja evasão escolar e que os estudantes da rede pública de ensino tenham a aprendizagem necessária, a partir de aulas mediadas por tecnologias.”


A secretaria também informou que as orientações sobre a aferição de frequência para a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio estão em fase de elaboração.


Posição da Aspa-DF


O presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do Distrito Federal (ASPA-DF), Alexandre Veloso, considera que a associação não tem intenção de falar a favor ou contra qualquer circular da SEDF. Ele ressalta, porém, que a associação entende a necessidade de controlar e incentivar a participação dos alunos nas aulas remotas. “É importante que a escola entre em contato com a família do aluno que tem pouco acesso ou alguma dificuldade de forma a entender o que está ocorrendo e buscar prestar o auxílio necessário para que esse aluno seja resgatado”, pontua.


“O que a gente vem buscando na associação é que os alunos, antes de ser afirmado que eles abandonaram, é que seja dada toda uma oportunidade para ele comprovar, de fato, o porquê da sua impossibilidade de participar, neste momento, das atividades remotas. E também que sejam dadas condições ao aluno para que ele possa participar das atividades remotas”, ressalta Alexandre.

 

*Estagiário sob a supervisão da editora Ana Sá

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