VOLTA ÀS AULAS

Escolas particulares se preparam para a retomada das aulas

Marcada para ser iniciada na próxima segunda-feira (21), a retomada ainda é uma questão que divide a comunidade escolar. Contudo, os preparativos estão sendo feitos à espera dos alunos

Mateus Salomão*
postado em 17/09/2020 21:30 / atualizado em 24/09/2020 11:30
No Colégio Inei, as salas já tiveram a capacidade reduzida e foram desinfetadas -  (crédito: Tayanne Raimi)
No Colégio Inei, as salas já tiveram a capacidade reduzida e foram desinfetadas - (crédito: Tayanne Raimi)

Já se passaram mais de seis meses, desde de que os primeiros casos do novo coronavírus foram diagnosticados em solo brasileiro, ocasionando o confinamento da população e mais de um semestre de escolas fechadas. Com a queda dos indicadores de casos e mortes, porém, a reabertura das escolas particulares parece uma realidade cada vez mais próxima. Para o DF, a retomada começa em 21 de setembro


Muitos ainda temem o retorno, no entanto, alguns pais se preparam para levar seus filhos às escolas a partir da próxima semana. Em meio a essa polarização, algumas questões pairam no ar: É o momento para a reabertura? Como garantir a segurança das crianças? E a qualidade nesse retorno? Apesar das dúvidas, é difícil achar algum pai que não tenha opinião formada sobre o que espera da próxima semana.


Muitas questões a serem respondidas


“No que tange ao risco da infeção, não assumiria (o risco de levar minhas filhas às escolas), pois a educação pode ser compensada posteriormente com uma dose extra de boa vontade da escola e do aluno”, pondera a professora do Instituto Federal de Brasília, Rosana de Andrade. Ela é mãe de uma garota que estuda na rede pública e outra que está no quinto ano do ensino fundamental na escola particular Elite/Ceac. Embora a escola ainda não tenha definido datas, a mãe vê com preocupação um eventual retorno.

Rosana de Andrade é mãe de duas garotas, uma delas cursa o quinto ano do ensino fundamental em uma escola particular. A professora do Instituto Federal de Brasília está receosa com o retorno, mas acredita na responsabilidade da escola.
Rosana de Andrade é mãe de duas garotas, uma delas cursa o quinto ano do ensino fundamental em uma escola particular. A professora do Instituto Federal de Brasília está receosa com o retorno, mas acredita na responsabilidade da escola. (foto: Arquivo pessoal)

A professora confia no empenho da escola em cumprir as medidas de profilaxia, mas muitas outras variáveis entram em questão. Por exemplo, se os colegas respeitarão as diretrizes e se as filhas tomariam todos os cuidados necessários. “Continuo achando que deveria continuar com o ensino remoto”, pensa. Ela ressalta, entretanto, que as filhas estão sentindo muita falta da escola.


Alguns não voltam


Vênus Déia tem uma filha que estuda na rede particular de ensino. A mãe considera que é preciso levar em conta que o retorno das aulas representaria um novo aumento dos índices de infecção do Distrito Federal. Além disso, ressalta que os números ainda são elevados.

Vênus Déia está no grupo de pais que não vê no retorno um caminho a ser seguido
Vênus Déia está no grupo de pais que não vê no retorno um caminho a ser seguido (foto: Arquivo pessoal)

Ela está no grupo de pais que não vê no retorno um caminho a ser seguido. “É mais válido preservar a saúde e a vida neste momento”, alerta. Segundo ela, os danos causados à educação pela pandemia estão sendo contornados com as aulas a distância.


“Receio que o custo será elevado e dificilmente crianças e adolescentes irão cumprir o distanciamento e demais cuidados”, preocupa-se a mãe quanto ao retorno.


Confiante em uma retomada segura

Flávia Mariana Bezerra aponta que os filhos não se adaptaram às aulas on-line. As duas crianças devem voltar à escola assim que o regime presencial começar. Na foto, ela e os filhos Davi e Theo.
Flávia Mariana Bezerra aponta que os filhos não se adaptaram às aulas on-line. As duas crianças devem voltar à escola assim que o regime presencial começar. Na foto, ela e os filhos Davi e Theo. (foto: Arquivo pessoal)

Flávia Mariana Bezerra é mãe de dois filhos que estudam no Colégio Inei, um do 7º ano do ensino fundamental II, e outro que está no maternal 1. Ambos voltarão às salas de aula conforme o calendário. Considerando as datas estabelecidas em audiência de conciliação de 24 de agosto, os dois filhos de Flávia devem ter retornado à escola até 19 de outubro.

Um dos motivos do retorno é a má adaptação do filho mais novo ao modelo remoto. Mas a mãe assegura que o que orientou a decisão foi a confiança no trabalho da escola e por considerar que o espaço escolar é o mais seguro e controlado para o retorno da convivência pós-pandemia, algo que ela não encontra em outros espaços próximos de casa.


“Como eu moro em apartamento, o estresse do meu filho mais novo está muito grande, então eu percebo uma mudança de comportamento dele. Eu tento ao máximo fazer com que ele se sinta bem, mas ele tem sentido muita falta do convívio com outras crianças e com espaços abertos”, ressalta.


Uma necessidade


“Eu e meu esposo trabalhamos no serviço essencial, com carga horária bem estendida, nenhum dia sequer deixamos de trabalhar. Está sendo muito complexo para a gente acompanhar o estudo remoto (dos nossos filhos)”, ressalta a empresária Milena Soares. Ela tem dois filhos que estudam na escola Casa de Brinquedos e outro matriculado na Casa de Brinquedos Baby.


A mãe ressalta que, principalmente em nome da educação, vale a pena assumir os possíveis riscos de as crianças voltarem para a sala de aula. Considera também que pode ser positivo ao emocional deles, pois os filhos estão sentindo falta da rotina escolar e da disciplina que mantêm com a professora em sala. “Em casa tudo mudou, estão bem dispersos e preguiçosos”, afirma.


Milena diz que as crianças já foram ensinadas sobre os novos protocolos  e que ficam treinando em casa na expectativa do retorno às aulas. Ela pensa que, já que a escola sempre foi responsável com as crianças, nesta pandemia, será muito mais. “A gente fica um pouco apreensivo, mas acredito que tudo dará certo”, conclui.

Preparação para a recepção

A diretora administrativa da escola Casa de Brinquedos, Ana Elisa Dumont, conta que a escola já se prepara para a reabertura desde julho
A diretora administrativa da escola Casa de Brinquedos, Ana Elisa Dumont, conta que a escola já se prepara para a reabertura desde julho (foto: Arquivo pessoal)

A diretora administrativa da escola Casa de Brinquedos, Ana Elisa Dumont, ressalta a diferença na preparação entre os diferentes segmentos. Segundo ela, no caso da educação infantil, a exigência de equipamentos de proteção individual mais ampla devido o maior contato das crianças com os professores. Para o ensino fundamental, não tem tanta exigência, porém, há, sim, certo precaução. “Os cuidados que a gente está tomando estão pautados no guia do Sinepe-DF (Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do DF)”, lembra. “Tudo está passando por reajuste em relação à forma como era feito anteriormente.”

Na escola, cerca de 35% dos pais demonstram interesse em retornar. A diretora espera que outros devam mandar os filhos de volta à sala depois da segunda semana do retorno, ao comprovarem a segurança. “A maioria deles já voltou a trabalhar. Então, eles também precisam desse apoio para ter um local seguro para as crianças”, considera.

Na escola Casa de Brinquedos as aulas já retornam na segunda-feira (21).
Na escola Casa de Brinquedos as aulas já retornam na segunda-feira (21). (foto: Ana Eliza)

“Os pais têm manifestado que acreditam que a escola, com todos esses procedimentos, é mais segura do que deixar as crianças com vizinhos ou com familiares, às vezes, com idosos. E também por questões de saúde emocional das crianças, que já estão sentindo bastante por conta desse isolamento e essa falta de contato com outras crianças e outras pessoas”, pondera.


Aposta em grupos isolados

A partir da próxima segunda-feira (21), o Inei se prepara para receber crianças de dois a dez anos, é o que conta a diretora pedagógica Gicelene Rodrigues. Ela afirma que a escola também faz parte do grupo que se preparava desde julho para a reabertura. Naquela oportunidade, todos os colaboradores foram testados e feita a desinfecção das dependências.

A diretora pedagógica GicElene Rodrigues afirma que agora os pais estão mais seguros em relação ao retorno das aulas presenciais.
A diretora pedagógica GicElene Rodrigues afirma que agora os pais estão mais seguros em relação ao retorno das aulas presenciais. (foto: Arquivo pessoal)

“Desde então, as salas de aula estão organizadas com o distanciamento orientado, que é de um metro e meio. A capacidade da sala foi reduzida e as carteiras nomeadas, então a criança não muda de lugar”, destaca. “Agora nós só estamos fazendo a desinfecção e também retomamos a pesquisa de intenção de retorno com os pais.”


Ela conta que em julho o quantitativo de pais que desejavam o retorno era de 30 %, mas para a próxima semana ela projeta uma alta nos números. O motivo seria que os pais estão mais tranquilos e um número maior adquiriu imunidade por ter se infectado nesse intervalo. 

A diretora relata que a escola também adotará as recomendações elaboradas e disponibilizadas no protocolo de retomada do Sinepe-DF. As diretrizes vão desde o uso de máscaras à determinação de quantas crianças podem entrar nos banheiros coletivos por vez. “A nossa intenção é que as turmas não se misturem. Quanto mais o grupo for unido e único, menos a propensão de propagação do vírus”


Ela conta que essa separação entre grupos isolados facilitará caso novas infecções aconteçam no espaço da escola. “Se a gente tiver um caso ou uma criança com febre de uma determinada turma, a gente irá suspender aquela turma para observação, e não a escola inteira”, pondera.

Na visão de uma pediatra


A pediatra com área de atuação em Terapia Intensiva Andrea Jácomo ressalta o histórico do entendimento médico quanto à infecção de crianças. No início da pandemia, acreditava-se que a criança não pegasse o novo coronavírus e que não chegava a transmitir a doença. Porém, com a disseminação do vírus nos outros países, o entendimento mudou. “As crianças também pegam, ficam doentes e também transmitem”, pontua.

A pediatra Andrea Jácomo ressalta que crianças também estão sujeitas à contaminação pelo novo coronavírus, mas que os pequenos normalmente apresentam os sintomas mais leves da doença.
A pediatra Andrea Jácomo ressalta que crianças também estão sujeitas à contaminação pelo novo coronavírus, mas que os pequenos normalmente apresentam os sintomas mais leves da doença. (foto: Arquivo pessoal)

“A grande questão é que a gente não vai ter uma vacina disponível a curto prazo e as crianças estão desde março sem frequentar a escola. A Sociedade de Pediatria de Brasília, em julho, elaborou nota de que não era o momento (para a retomada), pois a gente estava entrando no pico (de casos)”, lembra a professora do curso de medicina do UniCeub. “Agora, estamos em um momento diferente. Não que o vírus desapareceu, mas está tendo uma diminuição de necessidade de hospitalização.”


A pediatra reconhece que a fase de retomada é algo arriscado para o aparecimento de novas infecções, mas pondera que as crianças fazem parte dos quadros mais leves da doença. Assim, ressalta a importância de analisar caso a caso e reconhece que o problema maior é expor aquelas que moram com pessoas do grupo de risco. “A gente está em um momento, em Brasília, de quase tudo reabriu, então é necessário pensar na reabertura das escolas, sim.”


“Os pais precisam trabalhar com as crianças que vai ser uma escola diferente do que eles estão acostumados: de abraçar os colegas e os professores. A gente só vai conseguir segurança se a escola estiver preparada e se as famílias estiverem se preparando também”, alerta. “É um momento muito difícil, aos pouquinhos a gente vai retomando as nossas atividades.”


“A tristeza da gente como pediatra é ver que o governo se preparou para ter reabertura de comércio, bares e restaurantes e, por último, vieram as escolas. É a questão das prioridades do nosso país também”, lamenta a diretora do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade de Pediatria de Brasília.


Consultoria dirigida


Numa parceria entre a medicina e a comunicação, o projeto Novos Costumes aposta em melhor orientar instituições de ensino no processo de retomada das aulas. A iniciativa é fruto da parceria entre o Grupo Sabin e a In Press Oficina. “A área da saúde está sendo procurada para que, quando as pessoas voltarem, haja um ambiente seguro, mas se não tiver uma comunicação muito assertiva, ninguém vai ter novos costumes,” conta Patrícia Marins, sócia-diretora da In Press Oficina.

"Se não tiver uma comunicação muito assertiva, ninguém vai ter novos costumes," conta Patrícia Marins, sócia-diretora da In Press Oficina.
"Se não tiver uma comunicação muito assertiva, ninguém vai ter novos costumes," conta Patrícia Marins, sócia-diretora da In Press Oficina. (foto: Arquivo pessoal)

Ela considera essencial que, antes de um estabelecimento de ensino reabrir, ocorra a elaboração de uma matriz de risco, ou seja, o mapeamento e listagem de todos os riscos que as pessoas estarão expostas naquele ambiente. Somente assim, seria possível a formulação de protocolos efetivos e específicos. O médico e diretor de Relacionamento com o Mercado do Grupo Sabin, Bruno Siqueira, ressalta que a elaboração do protocolo deve incluir desde a triagem até o monitoramento e testagem racional na comunidade escolar.

Bruno Siqueira aponta que se não houver a segurança necessária não retomada,consequentemente, terá uma falência no processo
Bruno Siqueira aponta que se não houver a segurança necessária não retomada,consequentemente, terá uma falência no processo (foto: Arquivo pessoal)


“Se qualquer um desses pilares não for feito de forma adequada, você corre o risco de não ter a segurança necessária e, consequentemente, ter uma falência desse processo de retomada, o que a gente já observou em outros locais”, pondera o médico. “Para inserir as pessoas dentro desse contexto, você, obviamente, precisa comunicar.”


Além da avaliação, elaboração de protocolos e comunicação, a consultoria também aposta em uma terceira fase: o monitoramento. “Não basta, por exemplo, a gente falar que as pessoas têm que sempre estar de máscara, têm que usar EPI. As pessoas têm que saber que elas, de fato, vão ser fiscalizadas para utilizar”, aponta a sócia-diretora da In Press Oficina.


Cuidado também quanto ao emocional

A coordenadora de atividades complementares, Liliane Falcomer, destaca a importância do desenvolvimento das competências socioemocionais neste período
A coordenadora de atividades complementares, Liliane Falcomer, destaca a importância do desenvolvimento das competências socioemocionais neste período (foto: Arquivo pessoal)


Como forma de trabalhar nas crianças habilidades socioemocionais e prepará-las para o retorno, o Colégio Marista da Asa Sul implantou o projeto Asas das infâncias. Nele, são ensinados mecanismos para que estudantes lidem com os sentimentos trazidos pelo isolamento social de melhor forma. “A ideia é usar o que eles tiveram agora para lançar perspectivas de melhoria do comportamento para o futuro e trazer um amadurecimento das questões emocionais”, destaca a coordenadora de atividades complementares, Liliane Falcomer.

 
Ela lembra que a ideia para o projeto surgiu com relatos dos pais de que as crianças estavam tendo problemas para lidar com emoções provenientes do isolamento social. O projeto é desenvolvido a distância e atinge a educação infantil da escola, crianças de quatro a seis anos. A partir da retomada, que começa em 23 de setembro, ele será estendido para todas as crianças de dois a dez anos de idade.


“A gente já percebe as crianças mais participativas, todas de câmera aberta e interagindo com os profissionais à frente do projeto. E isso está sendo muito legal porque é essa a intenção: ter as crianças em um local mais descontraído, mas que eles possam falar do que eles estão vivendo e sentindo neste momento”, lembra.

Presidente do Sinepe-DF comenta a retomada

 

*Estagiário sob a supervisão da editora Ana Sá

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