Especialistas em educação analisam: o ano letivo de 2020 está perdido?

Renomados educadores do país acreditam que não, inclusive o secretário de Educação do DF. Alunos, pais e professores da rede pública relatam dificuldades

Ana Lídia Araújo*
postado em 12/08/2020 15:23 / atualizado em 08/10/2020 17:16
Especialista debatem se o ano letivo de 2020 está perdido -  (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
Especialista debatem se o ano letivo de 2020 está perdido - (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)

Em tempos de pandemia e suspensão das aulas presenciais, pais, alunos e professores começam a se questionar: o ano letivo está perdido? O ensino on-line tem sido eficiente para a aprendizagem? Os alunos ficarão prejudicados? Qual a maneira de recuperar o conteúdo perdido nos últimos meses?

De fato, o momento pede uma série de adaptações e causa dúvidas. Em entrevista ao Correio Braziliense, o secretário da Educação do Distrito Federal, Leandro Cruz, afirmou que o ano letivo não está perdido e que a pasta tem trabalhado para reduzir os impactos da pandemia. Exemplo disso seria a contratação de mais de 800 professores para a rede pública e a retomada não presencial das aulas em escolas públicas.

No entanto, alunos da rede pública ainda são os mais prejudicados. Além de perderem meses de aulas, muitos ainda não têm acesso ao equipamento tecnológico necessário para o ensino remoto. Enquanto isso, escolas particulares, que têm maior estrutura, seguem com as aulas on-line desde o início do isolamento social.

Aos poucos, os estados e o DF definem novos planos para a educação e programam a reabertura das escolas. Na segunda-feira (10), o Amazonas se tornou o primeiro estado brasileiro a receber estudantes da rede pública.

Desenvolvendo habilidades socioemocionais

Mozart Neves Ramos, membro Conselho Nacional de Educação (CNE) diz que ano letivo não está perdido e destaca outros aprendizados
Mozart Neves Ramos, membro Conselho Nacional de Educação (CNE) diz que ano letivo não está perdido e destaca outros aprendizados (foto: Ed Alves/CB/D.A Press)

Para Mozart Neves Ramos, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), este não será um ano perdido. Segundo ele, muito além do que aprender português, matemática e ciências, os alunos precisam desenvolver competências socioemocionais que são essenciais para o aprendizado.

"Muitos estudantes estão desenvolvendo outras aptidões, como a abertura ao novo, criatividade e resiliência emocional. Essas habilidades, juntamente com as competências cognitivas, são muito importantes. Não só para o ambiente escolar, mas como também para o desenvolvimento pessoal e social. Esses jovens que estão passando por isso, daqui para frente, vão encarar desafios de forma muito mais segura”, assegura o especialista.

Mozart Neves Ramos destaca também o empenho dos docentes. “Uma das coisas mais bonitas que vejo, mesmo neste cenário tão triste, é a capacidade que muitos professores tiveram de se reinventar. Assim como ninguém no mundo inteiro, eles não estavam preparados, mas notamos esse esforço para transformar as aulas presenciais no ensino remoto”, opina.

Segundo o especialista, o ganho das competências socioemocionais está diretamente ligado com a aprendizagem e proficiência escolar. Como exemplo, ele cita o estudo de James Heckman, vencedor do Nobel de Economia em 2000. A pesquisa acompanhou alunos da pré-escola e expôs a relação do aprendizado de tais habilidade socioemocionais com a desigualdade na vida adulta.

A importância de desenvolver tais habilidades é comentada também por Cecilia Motta, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). “Essa é uma maneira do estudante aprender também a competências de ajuda ao próximo, se colocar no lugar do outro e ser mais humano. Então, são outros aprendizados que entraram, além dos cognitivos”, avalia.

“A gente não pode dizer que o ano está perdido. O que tem estimulado famílias e professores a manter um pouco de ânimo é saber que tem que estudar. Estamos fazendo um esforço muito grande para continuar e encontrar saídas. Essa é maneira social de ajudar o brasileiro”, ressalta a presidente.

 “O ensino remoto sozinho não dá conta”

Patrícia Mota Guedes, gerente de pesquisa &desenvolvimento do Itaú Social
Patrícia Mota Guedes, gerente de pesquisa &desenvolvimento do Itaú Social (foto: Itaú Social / Divulgação)
 

Apesar do ganho de habilidades tão fundamentais para aprendizagem, a preocupação de muitos alunos ainda está diretamente ligada a absorção do conteúdo tradicional. Afinal, são esses conhecimentos que abrem caminhos para conquistar uma vaga no ensino superior, como tão sonhado por muitos.

Para Patrícia Mota Guedes, gerente de pesquisa & desenvolvimento do Itaú Social, de forma alguma o ensino remoto substitui as aulas presenciais, que envolvem também o vínculo com professores e colegas. No entanto, o modelo será fundamental até mesmo quando as escolas estiverem reabertas. “A volta presencial se apoia no ensino híbrido. Ou seja, na combinação com atividades remotas”, pontua.

Então, neste momento, o mais importante é que a comunidade acadêmica, em especial os docentes, seja acolhida e receba todo o suporte necessário. "O ensino remoto sozinho não dá conta. O professor tem um papel fundamental, portanto precisa de um apoio cada vez maior. Isso, não só no sentido de formação, mas como também de valorização e recursos completos para trabalhar”, afirma.

 

"Andamos tão cheio de preparação de atividades e atendimento a alunos que não temos tempo nem de pensar no psicológico", diz Gabriela Gonçalves
"Andamos tão cheio de preparação de atividades e atendimento a alunos que não temos tempo nem de pensar no psicológico", diz Gabriela Gonçalves (foto: Arquivo pessoal)

Professora de português do Educacional 5 de Taguatinga há 20 anos, Gabriela Gonçalves considera o ensino remoto como uma “luz de ensinamentos”. De acordo com ela, a modalidade pode ser eficiente, já que o aluno poderia não ter ajuda nenhuma nos estudos.

Por outro lado, a aprendizagem é carente. Os motivos disso vão desde a falta de internet, até aos problemas psicológicos, como falta de concentração. “O aluno não consegue virtualmente aprender como no presencial. E, infelizmente, as provas não serão mais fáceis por causa da pandemia. O nível é o mesmo” afirma.

Gabriela conta que tem recebido apoio da escola para aplicar as aulas on-line, inclusive suporte psicológico do Serviço Especializado de Apoio à Aprendizagem. “No entanto, com sinceridade, andamos tão cheio de preparação de atividades e atendimento a alunos que não temos tempo nem de pensar no psicológico”, desabafa. 

 

Arquivo pessoal
Arquivo pessoal (foto: Liliene Medeiros de Oliveira, professora do 5º ano do Ensino Fundamental I )

Liliene Medeiros de Oliveira, que trabalha com o quinto ano do ensino fundamental na Escola Classe 01 de Taguatinga, conta que procura sempre se aperfeiçoar para conseguir atender os alunos remotamente. Ela acredita que, no que diz respeito à aprendizagem, seus alunos podem ficar atrasados, mas tem trabalhado para fazer com que o conhecimento chegue até eles.

“Sei que não conseguimos atingir a todos, mas o trabalho que está sendo feito, pelo menos na escola em que leciono, é garantir que as crianças continuem tendo o contato com esse aprendizado”, afirma.

 O que dizem os estudantes

 

Arthur Resende, aluno do segundo ano do ensino médio no Centro de Ensino Médio Ave Branca (Cemab)
Arthur Resende, aluno do segundo ano do ensino médio no Centro de Ensino Médio Ave Branca (Cemab) (foto: Arquivo Pessoal )

Arthur Resende é aluno do segundo ano do ensino médio no Centro de Ensino Médio Ave Branca (Cemab) e coincide a rotina de estudos remotos com o trabalho. Neste ano, ele deve prestar ao Programa de Avaliação Seriada (PAS) da UnB, mas não se sente preparado.

 “Além da rotina de trabalho, ajudo em casa e não tenho tanto tempo para estudar como tinha antigamente. Isso me deixa totalmente inseguro para fazer uma das provas mais importantes do ensino médio”, confessa.

"É desesperadora a ideia de ter que fazer o Enem, PAS, ou qualquer outro vestibular após um ano letivo a distância", diz Izabela Oliveira, estudante do 2º ano
"É desesperadora a ideia de ter que fazer o Enem, PAS, ou qualquer outro vestibular após um ano letivo a distância", diz Izabela Oliveira, estudante do 2º ano (foto: Arquivo Pessoal )

Izabela Oliveira, 17, está no segundo ano e estuda no Centro de Ensino Taguatinga Norte (Cemtn). Ela sente o mesmo medo que Arthur. “É desesperadora a ideia de ter que fazer o Enem, PAS, ou qualquer outro vestibular após um ano letivo a distância. Está realmente difícil ter um aproveitamento escolar na situação que estamos vivendo”, reflete.

Para ela, este ano está perdido. “Penso que deveria ser opcional para cada aluno fazer ou não esse ano letivo, baseando-se na saúde mental e também na acessibilidade, sem que ele seja prejudicado por isso mais tarde. Talvez a criação de um quarto ano do ensino médio, de forma opcional também seja uma solução”, sugere.

 Em São Paulo, a secretaria da Educação aprovou a criação de um quarto ano. O ano adicional será optativo para alunos que estão no terceiro ano do Ensino Médio e sentem que não aprenderam o suficiente para prestar aos vestibulares.

 

Erik Augusto Lopes Meneses, estudante do 2º ano, diz sentir dificuldade para aprender com o ensino remoto
Erik Augusto Lopes Meneses, estudante do 2º ano, diz sentir dificuldade para aprender com o ensino remoto (foto: Arquivo Pessoal )

Erik Augusto Lopes Meneses, 16, cursa o segundo ano na mesma escola em que Izabela.Ele conta que tem Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e é hiperativo, por isso sente muita dificuldade com as aulas remotas.

"O que foi aprendido é algo que vamos levar para sempre, mas não temos como contar um ano em que milhares de alunos não conseguiram fazer por falta de ferramentas ou que estão com dificuldades e sentem que não absorveram o conteúdo de verdade", diz. "Todos vão sair com uma deficiência letiva muito grande"

 Outro ponto levantado por Erik é a pressão na vida dos estudantes, que aumentou significativamente durante a pandemia. "O ensino médio é quando muitos alunos também começam a vida financeira. Vários deles estão trabalhando para suprir a falta de renda que a pandemia gera e estão tendo que correr atrás dos prejuízos que a família teve. Isso causa uma pressão extrema”, exemplifica.

 O que dizem os pais

 

Anderson Henrique com os dois filhos. Ele no centro, à direita Eduardo Henrique e à esquerda Anderson Henrique Júnior
Anderson Henrique com os dois filhos. Ele no centro, à direita Eduardo Henrique e à esquerda Anderson Henrique Júnior (foto: Arquivo Pessoal )

Anderson Henrique da Silva, 42, tem três filhos que estudam na rede pública, Ana Júlia, 17, Eduardo Henrique, 17, e Anderson Henrique Júnior, 16. Ele é contra o retorno presencial no próximo mês e não considera as atividades remotas eficientes.

"Sou muito mais perder esse ano e ter nossos filhos vivos. Porque uma criança pode pegar e transmitir para os pais, irmãos, avós", diz. "Meus filhos estão estudando on-line, mas não têm a mesma dedicação. E quem não tem um computador, um celular? Fica perdido?".

O filho de Paulo Henrique Lopes, 43, está no primeiro ano do ensino médio. Ele também não enxerga esperanças para a educação em 2020. "Creio que a melhor alternativa seria encerrar o ano letivo e ver o que dá para fazer a partir do ano que vem", propõe.

Aumento das desigualdades entre escolas

Ricardo Henriques, economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco
Ricardo Henriques, economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco (foto: Instituto Unibanco / Divulgação )

Outra problemática envolvendo o ensino é remoto, é que o modelo on-line não atinge todos os estudantes que precisam. Segundo Ricardo Henriques, economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco, mesmo com o esforço dos estados e das secretarias de Educação para diminuir os efeitos da suspensão das aulas, se evidencia o problema estrutural de desigualdade entre escolas públicas e particulares.

 “A suspensão das atividades escolares mostra também a grande diferença de acesso dos estudantes de escolas públicas a condições não presenciais, desde infraestrutura do domicílio, quantidade de pessoas por cômodos, até a disponibilidade de equipamentos e conectividade. Isso tende a gerar um aumento da desigualdade”, completa.


Simone Uler Lavorato, doutora em educação pela Universidade de Brasília e professora da Rede Pedagógica, acredita e o ano ainda não está perdido, mas precisa de melhorias
Simone Uler Lavorato, doutora em educação pela Universidade de Brasília e professora da Rede Pedagógica, acredita e o ano ainda não está perdido, mas precisa de melhorias (foto: Arquivo Pessoal)

Neste quesito, Simone Uler Lavorato, doutora em educação pela Universidade de Brasília (UnB), assume a necessidade de avanços. Para ela, o modelo remoto é excludente, uma vez em que as escolas particulares saíram na frente e investiram, enquanto para as públicas faltam recursos, capacitação docente e discente e alternativas para alunos que não tem acesso a equipamentos digitais.

“Se esse cenário não mudar rapidamente, aí sim teremos um ano perdido, mas apenas nas escolas públicas. O que evidencia e aprofunda ainda mais a desigualdade entre a população mais carente”, diz a professora de desenvolvimento de competências emocionais, neuroeducação e psicomotricidade da Rede Pedagógica

 Embora desigualdades ganhem força com o ensino remoto, o retorno imediato das aulas presenciais ainda não é uma opção para Simone. “Temos instrumentos alternativos, que podem não parecer tão eficientes quanto o olho no olho, mas que podem minimizar o problema. Minimizar, pois a mesma qualidade sei que não conseguiremos, mas sou adepta de que se não der para fazer perfeito, que pelo menos façamos”, admite.

 De acordo com Simone, para que o ano não seja perdido será necessária uma readequação de calendários e de regras no contexto educacional. Exemplo disso, seria a ampliação da educação a distância, que pode ser feita não só pela internet, mas como também por rádio. “Já que temos uma diferença enorme de acesso a recursos digitais em nosso país, precisamos buscar outras estratégias completarem, ao invés de aumentar o abismo na desigualdade social”, afirma.

 Uma recuperação possível

“Quando olhamos os aspectos clássicos da educação, mesmo aqueles que tiveram acesso não vão aprender tudo que estava planejado para o início do ano. Entretanto, o Conselho Nacional de Educação (CNE) já considera que o ano letivo de 2021 deverá estar articulado com as atividades pedagógicas de 2020, especialmente com aquilo que não se conseguiu desenvolver este ano”, afirma Mozart Neves Ramos.

Para fazer isso, a recomendação de Mozart é a aplicação de avaliações diagnósticas quando o retorno presencial for possível. “Certamente, os alunos vão voltar com um nível de desigualdade muito grande. Então, essa avaliação nos permitirá a traçar planos para esses jovens que menos aprenderam nesse período”, comenta.

 Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, tem a mesma opinião. “É fundamental que as escolas desenvolvam um plano de ação focado nos estudantes para que possa fazer um diagnóstico do processo de ensino-aprendizagem, a fim de traçar metas para recuperação e aprofundamento da aprendizagem do período de suspensão das aulas”, diz.

 Além disso, para o economista, é fundamental que as escolas estejam preparadas para acolher emocionalmente os alunos, integrando-os à comunidade escolar. “Assim como no ensino remoto os estados têm lançado mão de todas as ferramentas possíveis para não deixar nenhum estudante para trás, no retorno às aulas isso também deve ser feito”,

Ainda assim, para que a recuperação seja possível, estima-se que possa ser necessário usar horas adicionais, como contra turnos para aplicação de conteúdos e a volta deve ser gradual.

A recomendação é evitar reprovações

Em parecer com orientações para o retorno escolar, organizado em colaboração com o Ministério da Educação (MEC), o Conselho Nacional de Educação (CNE) recomendou evitar reprovações neste ano. "O CNE reconhece que as decisões acerca dos critérios de promoção são de exclusiva competência dos sistemas de ensino, das redes e de instituições. No entanto, recomenda fortemente adoção de medidas que minimizem a evasão e a retenção escolar neste ano de 2020. Os estudantes não podem ser mais penalizados ainda no pós pandemia", diz o documento.

“A reprovação só pode ser feita quando o aluno tem acesso a um conjunto de aprendizagens e não tem o desenvolvimento mínimo necessário. Neste ano, nós não podemos fazer dessa forma. Não é aprovar automaticamente, o que propomos é um contínuo curricular, em que aos alunos só serão aprovados após a avaliação diagnóstica”, diz Mozart Neves Ramos, membro do CNE.

Doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), Andrea Ramal, concorda com o parecer. “Com a volta às aulas presenciais, as escolas precisarão fazer uma grande revisão de conteúdo, porque de maneira nenhuma a gente pode considerar esse período de aulas remotas improvisadas como aulas dadas”, opina a escritora e consultora em educação formada em letras (português / inglês).

 Avaliando alternativas

"Anulação do ano letivo poderia causar danosos impactos emocionais", diz a consultora em educação Andrea Ramal
"Anulação do ano letivo poderia causar danosos impactos emocionais", diz a consultora em educação Andrea Ramal (foto: Ricardo Wolf)

Para Andrea, existem três alternativas do que se fazer com este ano letivo. A primeira seria considerar o ano perdido e começar em 2021, do zero. A segunda é aprovar quem aprendeu e reprovar os demais. E a terceira é matricular os alunos na série seguinte (exceto no caso dos anos finais), e trabalhar em 2021 com um plano de estudos especial para cobrir os conhecimentos das duas séries.

Entretanto, segundo a doutora, a opção de anular o ano letivo poderia causar danosos impactos emocionais, trazendo consequências negativas na aprendizagem futura. “Seria impor às crianças mais uma frustração, fazendo-as perder um ano da vida acadêmica. Começar do zero seria muito desmotivador para os estudantes, eles entrariam mais tarde na universidade e no mercado de trabalho”, pontua.

Por outro lado, a segunda opção também não é justa para Andrea Ramal. “Não são todos os alunos que têm recursos. Nem todos os professores estavam preparados. Aliás, poucos estavam. Simplesmente, aprovar quem aprendeu seria privilegiar uma minoria”.

Portanto, de acordo com ela, o melhor caminho seria matricular os alunos na série seguinte e trabalhar com o conteúdo dos dois anos. Ela explica que, para essa medida funcionar, há no mínimo três requisitos: explicar bem às famílias o que esta situação excepcional significa e como funcionará, reorganizar os planos de ensino e contar com os professores para fazer um trabalho personalizado para cada estudante.

“A ideia seria reorganizar os planos de ensino para que no fim de 2021 os alunos consigam aprender tudo que era necessário ao longo desses 2 anos. Nós que trabalhamos com educação sabemos é possível reorganizar os conteúdos, de maneira personalizada e fazendo um trabalho bem cuidadoso, para que crianças e jovens aprendam e se desenvolvam”, diz Andrea.

Evasão escolar

A evasão escolar é enfrentada há anos pela educação brasileira. Com a pandemia, esse problema tende a ser ainda maior. Para Patrícia Mota Guedes, gerente de pesquisa & desenvolvimento do Itaú Social, esse é um dos maiores motivos para que o empenho em manter o ano letivo continue firme.

“Há um perigo muito grande quando ouvimos essa mensagem de que o ano está perdido. Isso pode fazer com que mais estudantes abandonem a escola e quando isso ocorrer, a vulnerabilidade aumenta”, comenta. “O momento é de definir estratégias para a reabertura e para o ano que vem, mas nunca abandonando 2020”.

 UBES / Divulgação
UBES / Divulgação (foto: Rozana Barroso, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes))
 

Da mesma opinião compartilha Rozana Barroso, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). “O cancelamento do ano letivo nos levará a um número muito grande de evasão escolar e não queremos estudantes fora da escola, não queremos jovens sem perspectiva de futuro. Nós defendemos que se tenha respostas para os problemas que a educação enfrenta e cancelar o ano é passar por cima das soluções”, alerta. “Esses estudantes têm expectativas que não podem ser perdidas”.

Rozana conta que a Ubes está em diálogo com as secretarias, levando pautas como o combate à exclusão digital, defesa das universidades federais que lideram pesquisas para a vacina e investimentos nas escolas. Além disso, a entidade tem feito uma campanha para arrecadação e compra de apostilas preparatórias para o Enem, que serão distribuídas em cursinhos populares.

O terceiro ano e os vestibulares

"Na hora do vestibular todos estarão em igualdade de condições", diz Cecilia Mota, presidente do Consed
"Na hora do vestibular todos estarão em igualdade de condições", diz Cecilia Mota, presidente do Consed (foto: Consed / Reprodução )

 

Alunos dos anos finais, e em especial os do 3º ano, são os mais impactados pela crise. O último ano carrega a pressão da formatura, diploma e dos vestibulares para ingressar no ensino superior.

Segundo Cecília Mota, presidente do Consed, a suspensão dos vestibulares não é uma opção. Como justificativa, ela explica que cancelamento de provas, como a do Enem, tornaria a concorrência maior nas próximas edições e, consequentemente, menos alunos seriam atendidos. “É preciso que esses estudantes encontrem uma maneira de continuar estudando e os estados estão cooperando com isso”, afirma.

 “Essa pandemia não afetou somente uma turma, um estado, ou uma classe social ou uma etnia, mas sim a todos. Então, na hora do vestibular todos estarão em igualdade de condições”, assegura.

 A educadora Simone Uler Lavorato discorda. “Nossos alunos não estão preparados, pois a rede pública em alguns estados ainda está totalmente parada. O ideal é que somente após o retorno das aulas, mesmo que a distância, mas que pudesse incluir a todos, fosse pensado e definido uma data justa. Tudo que se definir neste momento é apenas especulação, pois não temos o real conhecimento de como nosso novo normal funcionará”, argumenta.

Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, a preocupação é de que os vestibulares tomem um efeito de punição. “Deve haver um cuidado para não punir os jovens educacionalmente, pois é um momento que exige sobriedade para essa geração. Deve-se dar conforto aos estudantes que estão no terceiro ano e garantir que o processo da prova do Enem será adequado, bem como os desdobramentos da sua seleção para a entrada nas universidades”, opina.

 “Me preocupo que meu estudo não seja o suficiente para alcançar a UnB”

Ana Paula, 17 anos, cursa o terceiro ano no Centro de Ensino Médio 414 de Samambaia e teme que a educação que tem recebido neste ano não seja o suficiente para ingressar ao ensino superior. “Me preocupo que meu estudo não seja o suficiente para alcançar a UnB, que é não só a minha única opção, mas a única opção da maioria dos estudantes da rede pública”, relata.

 “É um ano difícil para passar nas provas do Programa de Avaliação Seriada (PAS) e do Enem. Os alunos vão precisar se esforçar mais do que estavam planejando não poderão contar só com o ensino escolar, terão que estudar por conta própria”, diz a estudante.

 O atraso da pré-escola

 Sem aulas presenciais e nem remotas, não há previsão para o retorno das creches. Patrícia Mota Guedes, do Itaú Social, explica que o foco da educação infantil está na interação, nas brincadeiras e no vínculo. “A discussão não é mais ensino remoto e ano letivo, mas sim no apoio para as famílias”, afirma.

 “Esse segmento é o mais difícil de voltar porque há enormes riscos. Mesmo com turmas pequenas, a capacidade de controlar como crianças pequenas interagem, se abraçam ou pegam brinquedos umas das outras é muito mais difícil”, diz Patrícia.

Por outro lado, Mozart Neves Ramos, membro do CNE, defende que as creches devem ser reabertas assim que o controle sanitário permita. “As mães, principalmente as de mais baixa renda, precisam que a educação infantil seja retomada para voltarem ao trabalho. Esse é um ponto que tem pressionado muito as famílias”, justifica. “O retorno é fundamental, se não o custo educacional será imenso. Se a desigualdade já é grande, vai aumentar ainda mais”.

Segundo ele, com a doença controla, não há tantos riscos quando se fala em reabertura das creches. “As experiências internacionais e os estudos mostram que a taxa de contágio entre crianças é muito baixa”, afirma.

 Volta as aulas presenciais no DF

No ensino particular, a maioria das escolas adotam o modelo remoto desde o início do isolamento e já se preparam para o retorno presencial, aguardando somente decisão definitiva definitiva para estabelecer as datas.

Enquanto isso, a rede pública, que iniciou as aulas on-line no fim de junho, volta a receber estudantes no fim deste mês. A volta será escalonada, começando com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a Educação Profissional em 31 de agosto, ensino médio em 8 de setembro, anos finais do ensino fundamental em 14 de setembro, anos iniciais do ensino fundamental em 21 de setembro, educação infantil em 28 de setembro e educação precoce e classes especiais em 5 de outubro.

*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá

 

  • Mozart Neves Ramos, membro Conselho Nacional de Educação (CNE) diz que ano letivo não está perdido e destaca outros aprendizados
    Mozart Neves Ramos, membro Conselho Nacional de Educação (CNE) diz que ano letivo não está perdido e destaca outros aprendizados Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
  • Patrícia Mota Guedes, gerente de pesquisa & desenvolvimento do Itaú Social
    Patrícia Mota Guedes, gerente de pesquisa & desenvolvimento do Itaú Social Foto: Itaú Social / Divulgação
  • "Andamos tão cheio de preparação de atividades e atendimento a alunos que não temos tempo nem de pensar no psicológico", diz Gabriela Gonçalves Foto: Arquivo pessoal
  • Arquivo pessoal
    Arquivo pessoal Foto: Liliene Medeiros de Oliveira, professora do 5º ano do Ensino Fundamental I
  • Arthur Resende, estudante do 2º ano do CEMTN na escola
    Arthur Resende, estudante do 2º ano do CEMTN na escola Foto: Arquivo Pessoal
  • Anderson Henrique com os dois filhos. Ele no centro, à direita Eduardo Henrique e à esquerda Anderson Henrique Júnior
    Anderson Henrique com os dois filhos. Ele no centro, à direita Eduardo Henrique e à esquerda Anderson Henrique Júnior Foto: Arquivo Pessoal
  • Ricardo Henriques, economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco
    Ricardo Henriques, economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco Foto: Instituto Unibanco / Divulgação
  • Simone Uler Lavorato, doutora em educação pela Universidade de Brasília e professora da Rede Pedagógica, acredita e o ano ainda não está perdido, mas precisa de melhorias
    Simone Uler Lavorato, doutora em educação pela Universidade de Brasília e professora da Rede Pedagógica, acredita e o ano ainda não está perdido, mas precisa de melhorias Foto: Arquivo Pessoal
  • "Anulação do ano letivo poderia causar danosos impactos emocionais", diz a consultora em educação Andrea Ramal
    "Anulação do ano letivo poderia causar danosos impactos emocionais", diz a consultora em educação Andrea Ramal Foto: Ricardo Wolf
  • Rozana Barroso, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes)
    Rozana Barroso, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) Foto: UBES / Divulgação
  • Arthur Resende, aluno do segundo ano do ensino médio no Centro de Ensino Médio Ave Branca (Cemab)
    Arthur Resende, aluno do segundo ano do ensino médio no Centro de Ensino Médio Ave Branca (Cemab) Foto: Arquivo Pessoal
  • Erik Augusto Lopes Meneses, estudante do 2º ano, diz sentir dificuldade para aprender com o ensino remoto
    Erik Augusto Lopes Meneses, estudante do 2º ano, diz sentir dificuldade para aprender com o ensino remoto Foto: Arquivo Pessoal
  • "É desesperadora a ideia de ter que fazer o Enem, PAS, ou qualquer outro vestibular após um ano letivo a distância", diz Izabela Oliveira, estudante do 2º ano Foto: Arquivo Pessoal
  • "Anulação do ano letivo poderia causar danosos impactos emocionais", diz a consultora em educação Andrea Ramal Foto: Ricardo Wolf
  •  UBES / Divulgação
    UBES / Divulgação Foto: Rozana Barroso, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes)
  • "Na hora do vestibular todos estarão em igualdade de condições", diz Cecilia Mota, presidente do Consed Foto: Consed / Reprodução
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