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Arte

Estudantes pernambucanos tocam no Vaticano em concerto pela paz

Orquestra Criança Cidadã, da periferia de Recife, participa de apresentação com jovens músicos da Rússia, Ucrânia e Itália a favor do cessar-fogo no Oriente Médio

Roma, Vaticano — A Orquestra Criança Cidadã, grupo formado por crianças e adolescentes do Coque, um dos bairros com mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano do Recife, recepcionou o Papa Francisco com repertório recheado por grandes composições da música erudita brasileira, em evento no Vaticano neste domingo, 5, e na última sexta-feira, 3.

Os Concertos pela Paz foram executados sob regência de José Renato Accioly e Lanfranco Marcelletti, encabeçados pela orquestra recifense em parceria com a Fondazione Calvasassi, da Itália. O evento reuniu músicos russos, ucranianos, italianos e brasileiros, que se uniram na celebração pela paz.

Cleberson Vinicius, um dos 25 jovens que chegou ao Vaticano nesta semana, a passos largos, carregando um contrabaixo, um violino de uma colega e uma mochila, entrou na Basílica de São Pedro confiante de que o concerto ficaria marcado na sua memória: "Isso tudo tem uma importância grande na minha vida. Não é todo dia que se toca para o papa, não é?", orgulha-se o adolescente de 14 anos.

Mensagem

 

A iniciativa da Charis Internacional e Obra de Maria contra a insensatez das guerras também emocionou o líder máximo da Igreja Católica: "Esses jovens estão fazendo um grande esforço em prol da paz. A guerra destrói tudo. Ela tira a humanidade, destrói a humanidade", discursou o pontífice para mais de 6 mil pessoas, em mais uma mensagem em defesa do cessar-fogo nos conflitos.

A constatação do papa sobre o esforço dos jovens para chegar até o Vaticano não se resume à peregrinação dos músicos até ao Vaticano, aos ensaios, mas à quebra de paradigmas e respeito às diferenças e diversidades de alguns deles ao se juntarem para defender o fim da guerra. 

João Targino, um dos idealizadores e coordenador-geral da Orquestra Criança Cidadã, explicou em discurso para o papa, que a proposta musical, independentemente de posicionamentos a favor de um ou outro país, é um convite à reflexão. "Os concertos propostos em comunhão fraterna entre músicos brasileiros, italianos, russos e ucranianos pretendem afirmar a mensagem de que, na arte, não há guerra. É necessário sublinhar que os Concertos pela Paz não têm como objetivo julgar se há razão ou direito nas contendas pertencentes a um ou outro país", ressaltou Targino.

Ao longo dos últimos meses, somou-se aos preparativos logísticos, o desafio de reunir no mesmo concerto representantes da Rússia e Ucrânia, rivais em um conflito bélico desde fevereiro do ano passado, com a estimativa de cerca de 200 mil mortes. Um casal de violinistas, a jovem russa Zlata Synkova e o jovem ucraniano Aleksandr Puzankov simbolizaram essa união, ao fazerem o solo no fim da apresentação de ontem.

Repertório

A chegada do papa foi apresentada ao som de Messias, do alemão Georg Friedrich Händel. O Papa Francisco não só fez reflexões sobre a guerra, mas aproveitou pra pedir unidade à própria igreja. "Não existe um mais carismático do que outro" , referindo-se ao movimento Renovação Carismática, organizadores do evento.

Depois da fala do papa, o concerto foi retomado com No Reino da Pedra Verde, do pernambucano Clóvis Pereira, uma das peças do Movimento Armorial, fundado por Ariano Suassuna. Na sequência, o papa passou em meio à orquestra e desceu ao nível da plateia para cumprimentar os presentes e se despedir. A apresentação musical teve ainda o prelúdio de Bachianas brasileiras n° 4, de Villa-Lobos, Oblivion, Erbarme dich Mein Gottp, com solo ao violino de um ucraniano e uma russa; Aquarela do Brasil e, finalmente, Por una cabeza, tango escolhido em homenagem ao Papa Francisco, que é argentino.

Na plateia, estiveram cardeais, bispos, representantes do Vaticano, jovens, autoridades, políticos e empresários do Brasil e do exterior. O cardeal Kevin Farrell, o fundador da Comunidade Obra de Maria; Gilberto Barbosa, e a CEO da Fundação Cavalsassi, Elena Pascale, foram alguns dos presentes.

Carreiras
A Orquestra Cidadã foi criada em 2006. No projeto, os alunos recebem não somente aulas de instrumentos de cordas, sopros e percussão, teoria musical, flauta doce e canto coral, mas também apoio pedagógico, atendimento psicológico, médico e odontológico, aulas de inclusão digital, três refeições por dia e fardamento.

Dos 700 jovens atendidos ao longo dos 18 anos do projeto, vários seguiram a carreira artística, como o contrabaixista Antonino Tertuliano, atualmente mestrando na Universidade Munique.

Para o maestro José Roberto Accioly, "a principal mudança que se constata nesses jovens são alguns valores, como a disciplina, a solidariedade e a consciência de que sozinho a gente não faz um trabalho que tenha expressividade, que tenha consistência. Então, é esse trabalho em conjunto e essa consciência de que o conjunto da sociedade é que faz a melhoria da qualidade de vida, tanto a qualidade de vida material como a qualidade de vida emocional", destacou.