FEIRA DO LIVRO

Homenageado da Feira, Roger Mello representa a união da palavra e da imagem

Ilustrador e escritor, responsável pelo painel de entrada do evento, o brasiliense Roger Mello lembra que a origem do livro está tanto na palavra quanto na imagem

Nahima Maciel
postado em 21/06/2022 06:00
Portal de entrada da feira, feito pelo homenageado, o ilustrador Roger Mello -  (crédito: PC Cavera)
Portal de entrada da feira, feito pelo homenageado, o ilustrador Roger Mello - (crédito: PC Cavera)

Quando o livro surgiu, há centenas de anos, não havia uma separação muito clara entre a escrita e a ilustração. As duas formas de registro eram consideradas importantes pelos escribas da antiguidade e é essa falta de hierarquia que Roger Mello gosta de citar quando fala da importância da ilustração no mundo do livro. "Desde o início, o livro é a casa da palavra e da imagem", avisa o brasiliense, autor de mais de 17 livros e um dos ilustradores mais premiados do país. "Cada vez mais, o estudo sobre o objeto livro, o objeto ancestral é o estudo da imagem e da palavra narrativa, não uma ilustração que acompanha um texto, mas realmente uma conversa entre as duas narrativas, um design."

Mello é o homenageado na 36ª Feira do Livro de Brasília (FeLiB). Ilustrador e escritor, responsável pelo painel de entrada do evento, o autor representa uma geração que levou o livro ilustrado brasileiro para um patamar de excelência único. Além do Prêmio Jabuti, ele recebeu o FNLIJ e o Ofélia Fontes. Em 2014, foi o primeiro ilustrador brasileiro a receber o Hans Christian Andersen na categoria Ilustração, considerado o Nobel da literatura infantil e juvenil. "Essa homenagem da feira é também uma maneira de afirmar a importância da imagem narrativa, não como acessório, mas como um elemento gerador de narrativas", diz o autor.

Leia mais do especial produzido pelo Correio sobre a Feira do Livro neste link.

Formado em desenho industrial e programação visual, Mello já trabalhou com dramaturgia, quadrinhos, animação, design gráfico e direção de arte. Na noite de abertura da feira, ao agradecer a homenagem, relacionou a palavra criança ao ato de criar e lembrou que "o livro é um processo que se reinventa a partir da criação", além de ser "uma forma de resistência".

Ilustrador Roger Melo, homenageado da 36ª edição da Feira do Livro de Brasília
Ilustrador Roger Melo, homenageado da 36ª edição da Feira do Livro de Brasília (foto: Fotos: PC Cavera)

No painel criado para a feira, o autor quis homenagear ilustradores de todos os tempos. "Nossa ideia foi lançar um olhar respeitoso para o passado. Para as histórias da origem do mundo, segundo os povos ancestrais", diz. Seu livro João por um fio, que faz metáforas de narrativas ancestrais, foi uma das referências para a criação. Agora, o autor acaba de terminar um livro que levou quase uma década para produzir. Espinho de arraia conta a história de oito irmãos de uma comunidade ribeirinha da Amazônia. Um deles desaparece e, para resolver o mistério, a família conta com a cooperação da flora e da fauna da floresta.

Três perguntas para Roger Mello

Como palavra e imagem estão interligadas no universo do livro?

Falo muito que a palavra e a imagem são a mesma coisa, principalmente nesse universo físico que é o livro, mas cada vez mais a história mostra o livro feito de palavra e imagem, indissociável. O livro sem ilustrações é mais recente, é de quando ele passa a ser um objeto feito em massa. Aí surge um livro com menos ilustração, mas a origem é totalmente ilustrada. E hoje a tecnologia permite que o livro totalmente ilustrado seja acessível às pessoas. Acho interessante ver que aqui na feira e no mundo todo a importância da imagem narrativa devolve o livro como objeto pleno. Existe um elemento imagético do qual a palavra não dá conta e vice-versa. E o livro vai usar os dois elementos para acessar essa narrativa polissêmica.

Você vai lançar um livro sobre a Amazônia em um momento muito delicado. Qual a importância de ensinar às crianças o lugar da Amazônia no mundo?

É importante porque você não vai preservar algo que não conhece. A Amazônia é feita de muitas amazônias, muitos recortes, e todas essas camadas estão também em comunicação com o todo. Acho que o livro vai mergulhar nessa tese, nesse grande mergulho dentro dessa comunidade de meninos ribeirinhos, vai mostrar as múltiplas relações de cooperações entre animais e humanos. Não conheço outra maneira na arte narrativa para criar esse laço entre essa geração e o bioma Amazônia. O quão mais específicos fomos sobre a Amazônia, mais suscitaremos nas crianças a necessidade de se preservar esse bioma. A ficção é a maneira mais efetiva, porque você conta histórias, com bichos, frutas, pessoas e animais.

Por que a Amazônia?

A Amazônia sempre será um tema atual porque é muito pouco entendida por nós. E, com certeza, é um lugar de saberes de tradições, um lugar complexo e, de muitas maneiras, o eixo fundamental para a existência do planeta. Apesar de estar próximo da gente, é muito desconhecido por nós. Num momento desse, as pessoas que estudam e trabalham com os povos originários estão ameaçadas. É um lugar de interesse para o mundo inteiro. É sempre um desconhecido, com espécies, relações que envolvem muitos indivíduos dentro de um ecossistema que forma um bioma. A Amazônia é infinita em termos de conhecimento, e está extremamente ameaçada em termos existenciais. No caso da literatura para crianças, temos que cada vez mais fazer esse elo, não apresentando o bioma de maneira quase abstrata, mas apresentando seres e as relações que eles envolvem.

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