Eu, Estudante

Discriminação

BBB 21: falas preconceituosas são levadas como brincadeira

Comentários racistas sofridos pelo participante João Luiz são entendidos como inocência ou falta de informação. Especialistas explicam as raízes dessas atitudes preconceituosas

Na última segunda-feira (5), o participante do Big Brother Brasil (BBB), o professor João Luiz Pedrosa, 24 anos, apontou comentários racistas sofridos por ele no Jogo da Discórdia. Na ocasião, outro participante, o cantor Rodolffo Matthaus, 32, comparou o cabelo do brother com uma peruca de homem das cavernas.


Autor das falas, Rodolffo voltou a afirmar que viu semelhança entre a peruca e o cabelo de João. Após isso, o cantor sertanejo tentou justificar o ato afirmando que não houve maldade ou intenção de magoar, além de citar o pai, que ele disse ter o cabelo igual ao do outro participante. Nas redes sociais, alguns internautas ainda apoiaram Rodolffo e chegaram a criticar o professor vítima dos comentários.


A pedagoga e mestre em educação Sheyla Xavier explica que essas atitudes são “ciclos de violência ligados ao racismo estrutural que precisam ser quebrados”. Segundo ela, abordar esses temas “para pessoas que não vivenciam e não tem empatia soa como vitimismo”. Isso reverbera na postura do Rodolffo, definida por ela como rígida ao não reconhecer o erro, e na de apoiadores.


Sheyla ainda descarta a justificativa de falta de informação, também dada pelo cantor. “Existe também uma falácia em relação a isso em que a pessoa afirma que quer aprender, mas, na verdade, quer apenas manter os privilégios”, explica. Ela cita o diálogo com a participante Camilla de Lucas, 26, que tentou conversar com Rodolffo para explicar os erros do artista.


A influenciadora digital, que também tem cabelo crespo, tentou corrigir o cantor, que continuou a afirmar que não houve intenção de magoar. Segundo Sheyla, “estar nesse lugar que se pode apenas pedir desculpas quando não sabe do assunto” é um dos motivos para pessoas brancas não buscarem flexibilizar a postura diante de pautas raciais.


Racismo estrutural exige didatismo de pessoas não brancas


Professora, assim como o participante João Luiz, a mestre em educação Sheyla Xavier afirma que “a estrutura racista nos coloca nessa expectativa de que a pessoa negra seja, além da vítima, alguém que vai explicar”.

 


“Quando se é uma professora negra você tem o primeiro momento de se reconhecer como indivíduo negro e trazer o fortalecimento da sua identidade”, conta. A docente aponta que situações como a que o participante do BBB passou na escola mexem muito com a autoestima das crianças. Segundo ela, quando o profissional da educação aponta essas questões em sala de aula, ele abre o caminho para o fortalecimento da identidade dos alunos.


Ela acredita ainda que o ponto chave da discussão no programa é que, quando o participante João Luiz sofre com piadinhas sobre o cabelo, milhões de pessoas crespas também sofrem com isso. “O indivíduo negro não é enxergado só como um indivíduo, mas como um coletivo”, explica. De acordo com a professora, esse fator pode ser negativo também por responsabilizar outras pessoas negras por erros cometidos por um indivíduo.


Sheyla complementa que, além do caso de João, o BBB tem trazido outros estereótipos em relação às pessoas negras. São exemplos disso os estereótipos de pessoas pretas violentas, atribuídos ao participante Gilberto Nogueira, 29, e ao ex-participante Lucas Penteado, 24.


Branquitude se coloca como centro da discussão


Derson Maia, doutorando em direito pela Universidade de Brasília, considera que a atitude de Rodolffo é “ tipicamente a forma como o racismo se coloca nas relações interpessoais”. Quando uma pessoa branca, segundo o acadêmico, usa o pretexto da brincadeira e da inocência, "acaba transformando algo que não é sobre ela em algo dela própria" e se coloca como centro da discussão.

 


“Quando é articulado por esses brancos, eles conseguem, justamente pelo poder e privilégio na sociedade, deslocar o ato de racismo para uma questão individual”, afirma. “Racismo não é sobre individualidade, é sobre estrutura”.


Isso também contribui para reforçar estereótipos racistas e para a desumanização de pessoas negras. “Eu acho que tudo começa com a desumanização de pessoas negras”, explica.


Segundo ele, essa desumanização faz com que exijam de pessoas negras uma postura de maior racionalidade e didatismo, mesmo quando se sentem magoadas ou ofendidas. “Pessoas que não são humanas, não são objetos de acolhimento”.

 

Lugar de fala não deve ser pretexto para não se posicionar


O doutorando ressalta que o conceito de lugar de fala, usado para dar visibilidade a minorias silenciadas, é utilizado de forma errônea. “Pessoas brancas não podem usar o lugar de fala para não se responsabilizar por questões sociais”, aponta.


Ele explica que essa forma de tentar ficar isento da discussão sobre temas raciais gera um processo de infantilização de pessoas brancas, que não buscam se informar de maneira adequada por estarem em uma posição privilegiada onde o racismo não os atinge diretamente. “ Esse processo cria uma dependência e uma imaturidade de não querer se colocar como sujeito pensante”, aponta Derson.

 

“Pessoas brancas são sujeitos raciais, então precisam estudar sobre racismo e branquitude”, finaliza.

 

*Estagiária sob supervisão da editora Ana Sá