CONCURSO ITAMARATY

Ação contesta heteroidentificação do concurso para diplomatas

Segundo a ação, as Comissões de Heteroidentificação e de Revisão de Recursos admitiram candidatos brancos em vagas destinadas a cotas para negros

Raphaela Peixoto
postado em 15/01/2025 14:01 / atualizado em 15/01/2025 14:05
Outro ponto contestado na ação foi o curto prazo que os candidatos foram convocados para o processo de heteroidentificação -  (crédito: Gomez)
Outro ponto contestado na ação foi o curto prazo que os candidatos foram convocados para o processo de heteroidentificação - (crédito: Gomez)

A associação civil sem fins lucrativos Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro Brasil) interpôs uma ação civil pública que contesta a aprovação de candidatos inscritos no sistema de cotas raciais no concurso para diplomatas realizado no ano passado. Conforme a ação, as Comissões de Heteroidentificação e de Revisão de Recursos aprovaram candidatos brancos em vagas destinadas à cota racial.

"A nomeação e posse de candidatos que fraudulentamente se autodeclaram negros para usufruir das cotas raciais comprometem a eficácia dessas políticas públicas, cujo objetivo é corrigir desigualdades históricas e promover a inclusão de grupos marginalizados. As fraudes nesse sistema não apenas desvirtuam sua finalidade, mas também prejudicam diretamente os candidatos legitimamente negros, que são preteridos em favor de indivíduos que não enfrentam as mesmas barreiras sociais e raciais", diz a ação.

Em nota enviada ao Correio, o Itamaraty afirmou que os candidatos que se autodeclararam pretos ou pardo foram avaliados por uma comissão composta por membros nomeados pelo Ministério da Igualdade Racial, pela Fundação Cultural Palmares, pelo CNPq e pelo Ministério das Relações Exteriores e que "foram admitidos somente aqueles candidatos cuja autodeclaração, como pretos ou pardos, tenha sido confirmada pela referida Comissão Heteroidentificação".

Para o diretor executivo da Educafro Brasil, frei David Santos, a conjuntura evidencia uma discrepância no tratamento entre brancos e negros. "O mais grave é que se fosse um negro fraudando, ele seria preso imediatamente, mas os brancos não são presos. Isso para mim é algo muito cruel". Ele ainda afirma que o volume de negros prejudicados com a aprovação desses candidatos é "grande demais", dado que "em cada etapa brancos que estavam concorrendo jogaram para fora negros que teriam passado se ele não tivesse concorrendo".

No documento, a instituição alega que, inclusive, alguns dos candidatos concorreram em anos anteriores na ampla concorrência. Para a associação, essa mudança configura indício de fraude, uma vez que "a alteração foi motivada por mudança no edital, que ampliou as vagas para candidatos cotistas negros". Eles citam casos de candidatos que haviam sido reprovados na etapa de heteroidentificação, no entanto, obtiveram aprovação pela Comissão Recursal de Heteroidentificação, após recurso.

Outro ponto contestado na ação foi o curto prazo que os candidatos foram convocados para o processo de heteroidentificação. Segundo o documento, "os candidatos foram convocados com prazos exíguos, inviabilizando a presença de diversos concorrentes que têm direito à heteroidentificação, revelando o desrespeito ao princípio da isonomia, uma vez que muitos candidatos não puderam arcar com os custos de viagem e hospedagem. De 130 convocados, apenas 57 compareceram".

Veja a nota do Itamaraty na integra

As candidatas e os candidatos que se autodeclararam pretos ou pardos no âmbito do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata 2024 (CACD 2024) foram avaliados por Comissão de Heteroidentificação, composta por membros nomeados pelo Ministério da Igualdade Racial, pela Fundação Cultural Palmares, pelo CNPq e pelo Ministério das Relações Exteriores, nos termos do item 8 do Edital nº 1, de 11 de julho de 2024; bem como em estrita observância à Lei nº 12.990/2014 (Lei de Cotas) e às normas da Instrução Normativa MGI nº 23, de 25 de julho de 2023.

Foram admitidos nas cotas reservadas a pessoas negras do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata 2024 somente aqueles candidatos cuja autodeclaração, como pretos ou pardos, tenha sido confirmada pela referida Comissão de Heteroidentificação, em cumprimento à legislação vigente.

No CACD 2024, 3 (três) candidatos autodeclarados e confirmados como pretos ou pardos pela Comissão se classificaram na ampla concorrência, o que significa que foram nomeados 13 candidatos pretos ou pardos, 3 (três) além da cota de 10 pessoas, previstas no edital, o que equivale a 26% do total dos candidatos aprovados no concurso.

Cabe assinalar, ainda, as ações concretas do Ministério das Ralações Exteriores (MRE) em apoio às ações afirmativas. Em dezembro passado, o Itamaraty foi o primeiro ministério a lançar seu Plano de Ação para o Programa Federal de Ações Afirmativas, em consonância com o disposto no Decreto Presidencial nº 11.785/2023. Muitas das 34 ações afirmativas do Plano beneficiam pessoas negras.

O Plano de Ação do MRE para o PFAA: reforça a implementação da lei de cotas, conforme padrões estabelecidos pelo MIR e pelo MGI; prioriza pessoas negras na ascensão funcional das carreiras do serviço exterior brasileiro, algo já implementado nas promoções deste governo; inclui pessoas negras em órgãos colegiados internos; estabeleceu Comitê Étnico-Racial; vem promovendo seminários e cursos de formação de servidores na temática de igualdade racial; incluiu pessoas negras nas bancas avaliadoras e no conteúdo dos cursos oferecidos pelo Instituto Rio Branco; promoveu os primeiros censos étnico-raciais do MRE; estabelece reserva de vagas no programa de estágios; buscou incluir obras de autoras e autores negros no acervo artístico do Itamaraty; implementou medidas de combate ao racismo na rede de apoio consular; estabeleceu iniciativas de promoção da cultura negra na diplomacia cultural; entre outras iniciativas. A íntegra do Plano de Ações do MRE está disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/declaracoes/programa-federal-de-acoes-afirmativas.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação