Eu, Estudante

Manuela D´Ávila na boca de hackers, polícia e tuiteiros

''A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final.'' Fernando Pessoa

A história parece obra de mágico. Ele exibe a cartola vazia. Puxa um lenço, outro, outro, outros. Forma um varal. Mas o estoque não acaba. Vêm pombos. Depois, coelhos. “Há mais?”, pergunta a plateia atônita. O mesmo ocorre com os hackers de Araraquara. Eles invadiram o celular de figurões da Lava-Jato. Conversas de Sérgio Moro & cia. viraram notícia. Serão verdadeiras? Não serão?

Enquanto se discutia, ops! Era só o início da novela. Pindorama em peso tinha caído na rede do quarteto paulista. Nem o presidente da República escapou. A polícia fez a parte dela. Investigou. E... chegou a Manuela D´Ávila. Ela serviu de ponte entre o ladrão eletrônico e o editor do site que divulgou as mensagens. Ante o auê, Manu distribuiu nota à imprensa. Quem apanhou? A língua. A ex-deputada espancou regências, crases, pontuação. Os chutes e pontapés pararam no Twitter. A coluna selecionou itens para comentar.

Uiiiiiiiiiii

“No dia 12 de maio, fui comunicada pelo aplicativo Telegram de que, naquele mesmo dia, meu dispositivo havia sido invadido”, escreveu ela. Doeu. A moça bateu na regência. Sem compaixão.

Comunica-se alguma coisa a alguém. (Nunca se comunica alguém sobre (ou de) alguma coisa):

O chefe comunicou a decisão aos assessores. (Não: O chefe comunicou os assessores sobre a decisão.)

O filho comunicou aos pais a data do concurso. (Não: O filho comunicou os pais sobre a data do concurso.)

O aplicativo Telegram me comunicou a invasão do meu dispositivo. (Não: O aplicativo Telegram me comunicou sobre a invasão do meu dispositivo.)

Conclusão: ninguém pode ser comunicado. Pode ser informado, avisado ou cientificado: No dia 12 de maio, fui informada sobre a invasão do meu dispositivo. No dia 12 de maio, fui avisada da invasão do meu aplicativo. No dia 12 de maio, fui cientificada sobre a invasão do meu dispositivo.

Feminista sim, senhor

Crase é como aliança no anular esquerdo. Avisa que estamos diante de ilustre senhora casada. A preposição a se encontra com outro a. Pode ser artigo ou pronome demonstrativo. Os dois trocam olhares. Sorriem. O coração estremece. Não dá outra. Juntam os trapinhos e viram um único ser — à.

Clube da Luluzinha

O pequenino a só tem vez antes de nome feminino. O machinho pede o (a menina, o menino). Sem o artigo, nada de casório. Manuela perdeu essa aula. Escreveu: “...estou à disposição para apresentar meu aparelho celular à exame pericial". Nada feito. Exame é masculino. Xô, grampo intruso!

Parzinho

A pancadaria continuou: “... e, desde já, me coloco a inteira disposição para auxiliar no esclarecimento”, informou a quase vice-presidente do Brasil. Ops! Locução formada por palavra feminina pede o acentinho. É o caso de à mercê, às claras, às escondidas e, com certeza, à disposição: ... me coloco à inteira disposição para auxiliar no esclarecimento.

Regência

“Estou, por isso, orientando meus advogados a procederem a imediata entrega das cópias”. Manu tropeçou num dos mais espinhosos assuntos da língua — a regência verbal. O assunto é tão difícil que há dicionários que explicam que preposição pede tal ou qual palavra. Um deles: Dicionário de verbos e regimes, de Francisco Fernandes. Ele ensina:

Procede-se a alguma coisa: O juiz procedeu ao julgamento. O aluno procedeu à revisão do texto. Ela orientou os advogados a proceder à imediata entrega das cópias.

Ufa! Há mais. Mas falta espaço.

Leitor pergunta 

Ela é todo-poderosa ou toda-poderosa?
Samir Costa, Curitiba

Todo, no caso, equivale a totalmente. É advérbio e, como tal, não varia: Ele é todo-poderoso. Eles são todo-poderosos. Ela é todo-poderosa. Elas são todo-poderosas.