Eu, Estudante

Seis por meia dúzia

''Abraçar é dizer com as mãos o que a boca não consegue. Porque nem sempre existe palavra para dizer tudo.'' Mário Quintana

Era reforma da Previdência. Virou Nova Previdência. Por quê? As palavras são mágicas. Algumas chocam, causam dor ou provocam imagens desagradáveis. A saída? Apelar para outras, sem a carga da rejeição.

A mudança nas regras da aposentadoria vem levando pancadas há mais de duas décadas. Este ano não foi diferente. Apanhava da direita, da esquerda, de cima e de baixo. O jeito? Convocar o eufemismo. Ao trocar seis por meia dúzia, o governo adoça o termo e, com isso, torna-o mais palatável.

Vade retro

Há exemplos pra dar, vender e emprestar. Muitos não gostam de pronunciar a palavra morte. Sentem medo. O que fazem? O mesmo que Bolsonaro & cia. Manuel Bandeira chamou-a de “a indesejada das gentes”. Outros dizem falecimento, viagem, ida desta pra melhor, mudar-se para a companhia do Senhor, espichar as canelas, vestir paletó de madeira, bater as botas. E por aí vai.

Diabo não fica atrás. A língua oferece mil artimanhas para fugir do espertalhão que, dizem, não é perigoso por ser diabo, mas por ser velho, pra lá de vivido. Eis recursos: demo, bicho, cão, beiçudo, canhoto, coxo, anhangá, coisa ruim, anjo rebelde. Valha-nos, Deus! Vade retro, satanás!

Entre tapas e beijos

A relação do presidente com o Congresso é pra lá de instável. Ora Sua Excelência trata deputados e senadores como inimigos do Brasil. Ora os bajula como filhos mimados. A alternância de ataques e afagos mereceu editorial da Folha de S. Paulo com este título: “Aonde vai Bolsonaro?”

Leitores ficaram com a pulga atrás da orelha. O xis da questão não era o conteúdo, mas o pronome interrogativo. O “aonde” está correto? Está. O trissílabo se usa com verbos de movimento que exigem a preposição a. É o caso de ir. Ele preenche as duas condições (a gente vai a algum lugar): Aonde ele vai? Não sei aonde ele vai. Gostaria de adivinhar aonde ele foi.

Superdica

Na hora de escrever aonde pintou a dúvida? Recorra ao troca-troca. Substitua a por para. Se a dissílaba couber, vá em frente. Dê a vez ao aonde: Para onde ele vai? Não sei para onde ele vai. Gostaria de saber para onde ele foi.


Olho vivo

Trata-se de truque. A mudança de preposição muda o significado do verbo:

Ir a = deslocamento breve: ir ao cinema, ir ao teatro, ir ao clube, ir a Santos.

Ir para = deslocamento demorado. Em geral implica mudança: Foi para a Austrália na esperança de conseguir emprego melhor. Vai para Oxford fazer o doutorado. Na busca de oportunidades, jovens vão para grandes centros.

Ação e reação

O contingenciamento do rico dinheirinho da Educação causou estragos na imagem do governo. Levas de estudantes invadiram as ruas. Faixas pediam ensino melhor. Nada mais justo. Em resposta, a equipe econômica liberou R$ 1,58 bilhão para o MEC. Oba! A imprensa aplaudiu a iniciativa, mas descuidou-se da língua.

Muitos escreveram “1,58 bilhões”. Tropeçaram na gramática. A concordância de milhão, bilhão, trilhão & cia. se faz com o número que vem antes da vírgula: 1,58 bilhão, 2,1 trilhões, 10,35 milhões.

Leitor pergunta

Doeu nos ouvidos e na gramática ouvir a apresentadora do Sport de quarta perguntar ao repórter, ao vivo, em Portugal, cobrindo a seleção feminina de futebol: " O pessoal já estão descansando?" Tropeço na concordância, não?
Vicente Limongi, Brasília

Ops! O sujeito coletivo leva o verbo para o singular: O pessoal já está descansando. O rebanho era composto por 5 mil cabeças de reses. O povo aplaudiu o espetáculo.

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Consultei o Aurélio, mas achei a explicação confusa. Por isso, peço ajuda. Familiar e familial são sinônimos?
Francisco Lopes, BH

São. Os dois adjetivos têm o mesmo pai e a mesma mãe. Querem dizer relacionado à família, doméstico. Modernamente há preferência por familiar, não? Daí núcleo familiar, desestruturação familiar, assunto familiar.