A redação é a segunda casa do jornalista. Segunda? Muitos dizem ser a primeira. Lá ele passa boa parte do dia e, quando sai, deixa a cabeça e o coração sentadinhos diante do computador. De vez em quando, pinta uma dúvida. Ouve-se o pedido de socorro. Todos acodem. Esta semana não foi diferente. Duas questões criaram balbúrdia que indignaria o ministro da Educação.
A primeira
A equipe de Cultura é a mais diversificada do pedaço. Entre tantos assuntos, trata de temas ligados ao feminismo. Foi aí que a porca torceu o rabo. Um vocábulo pra lá de usado pelas militantes da causa suscitou dúvida. Trata-se de sororidade. Como a criatura chegou, ganhou espaço e se tornou tão importante?
Manhas e artimanhas
A língua é viva. E, porque é viva, se renova. Deixa pra lá palavras gastas e cria outras. Sororidade serve de exemplo. Conhecida pelas feministas, ela surpreende os alheios à causa. Mas desperta curiosidade. A partir de 2012, dobrou a busca pela novidade no Google. Encerrou 2017 em quinto lugar no ranking de pesquisa do site.
Sororidade deriva do latim soror. Na língua dos Césares, a dissílaba quer dizer irmã. A novata carrega, pois, o sentido de irmandade. Seria a correspondente feminina de fraternidade, que vem de frater — irmão. Daí fraterno, fraternidade.
De mãos dadas
Sororidade vai além do feminismo. Refere-se a empatia e companheirismo. Embute a ideia de apoio. Uma mulher deve apoiar outra mulher para, juntas, alcançar a liberdade por que lutam. Pressupõe união, solidariedade e o fortalecimento de laços entre elas.
Dicas
Como chegar lá? Há caminhos. Entre eles, cinco sobressaem: aceitar as diferenças sem julgamento, tratar a outra como parceira e amiga, consumir o trabalho feito por mulheres, ajudar quem precisa de ajuda, fortalecer as conhecidas, que estão a nosso alcance.
Em suma, incorporar este lema: Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor.
A segunda
A editoria de Cidades cobre os acontecimentos do lugar onde vivemos. Não é fácil. A pressão vem da direita, da esquerda, de cima e de baixo. Nem por isso a equipe perde o humor. Outro dia, armou-se a maior polêmica.
Foram tantos palpites que a moçada fez uma aposta. Quem ganhasse embolsaria a bolada. O xis da questão: a crase. Os acentos graves que aparecem na frase estão corretos?
"Partidos de esquerda assistiram à distância, mas com entusiasmo, à primeira mobilização de estudantes contra a política do Ministério da Educação."
Faça a sua aposta:
a. Sim
b. Não
c. Em parte
E daí?
Marcou a c? Acertou. O verbo assistir, no sentido de presenciar, é transitivo indireto. Pede a preposição a. A gente assiste a alguma coisa: assiste à aula, assiste ao espetáculo, assiste ao show, assiste à palestra do especialista. No caso, os partidos de esquerda assistem à primeira mobilização de estudantes. Nota 10.
O tropeço ocorreu na locução “a distância”. Ela só aceita o acento quando está determinada. Fora isso, manda o grampinho plantar batata em terra infértil: Faço curso de pós-graduação a distância. O ensino a distância está em alta. Partidos de esquerda assistiram a distância à manifestação. Vi Maria à distância de 100 metros.
Leitor pergunta
Li este título no jornal: “Ciência movida à luz”. Minha pergunta: ocorre crase?
José Ricardo, Brasília
Não. Crase é o encontro de dois aa. No caso, a preposição e o artigo. Sem a duplinha, nada feito. Há um truque infalível que nos tira de enrascadas. Substitua a palavra feminina por uma masculina. Se no troca-troca der ao, sinal de crase. Caso contrário, nem pensar: Ciência movida a luz. (Ciência movida a trabalho.) O cão é fiel à dona. (O cão é fiel ao dono.) Relativamente à questão, nada posso informar. (Relativamente ao caso, nada posso informar.)