DF - Mariana Fernandes
postado em 14/08/2018 10:43
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) se manifestou nesta terça-feira (14/8) sobre o edital do concurso da Polícia Militar do Paraná (PMPR) que cobrou a característica "masculinidade" como forma de avaliação psicológica dos candidatos. Em nota, admitiu que o teste recebeu parecer favorável para uso profissional em 2003, porém, o termo "masculinidade" foi elaborado em 1960, ou seja, mais de 50 anos. Segundo o Conselho, a definição hoje não condiz mais com a realidade social, pois "desconsidera toda a construção sócio-história-cultural do sujeito, assim como os avanços científicos ocorridos desde então".
A PMPR defendeu anteriormente que elaborou o edital com base em procedimentos científicos que são, necessariamente, instrumentos aprovados pelo CFP. Um dos testes, que recebeu aval do Conselho, utiliza-se da expressão masculinidade e foi escolhido para selecionar candidatos a cadete.
Na noite desta segunda-feira (13), a PMPR retificou o documento e ajustou o termo "masculinidade" para “enfrentamento". De acordo com a corporação, a medida foi feita sem prejuízo à testagem psicológica necessária à definição do perfil profissiográfico exigido para o militar estadual. "Em nenhum momento a PM têm adotado posturas sexistas, discriminatórias e machistas. A Corporação destaca que depois de 164 anos de instituição têm uma mulher no Comando da Corporação, o que mostra a postura da PM em não fazer diferenciação de gêneros", informou a corporação.
Confira:
Confira:
Em relação ao edital no 01 CADETE PMPR-2019, destinado ao preenchimento de vagas no cargo de cadete policial militar da policia militar do estado do Parana%u0301, a Comissão Consultiva de Avaliação Psicológica (CCAP) do Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem a público manifestar seu posicionamento. O edital em questão apresenta em seu perfil profissiográfico resultante da avaliação psicológica a necessidade de apresentar a característica “masculinidade regular”, definindo-a como “Capacidade de o indivíduo em não se impressionar com cenas violentas, suportar vulgaridades, não emocionar-se facilmente, tampouco demonstrar interesse em histórias românticas e de amor”. Reforçamos que a Resolução CFP 009/2018 dispõe que:
Art. 31 – À psicóloga ou ao psicólogo, na produção, validação, tradução, adaptação, normatização, comercialização e aplicação de testes psicológicos, é vedado:
a) realizar atividades que caracterizem negligência, preconceito, exploração, violência, crueldade ou opressão;
b) induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, raciais, de orientação sexual e identidade de gênero;
c) favorecer o uso de conhecimento da ciência psicológica e normatizar a utilização de práticas psicológicas como instrumentos de castigo, tortura ou qualquer forma de violência.
Neste sentido, destaca-se que a prática tal como descrita no referido edital contrasta com o posicionamento ético-político do CFP e que a característica em questão é avaliada por um instrumento que recebeu parecer favorável para uso profissional em 2003, por ter apresentado os requisitos mínimos que atestavam sua qualidade técnico-científica à época. No entanto, a definição do referido fator foi elaborada na década de 1960 e hoje não condiz mais com a realidade social, uma vez que desconsidera toda a construção sócio-histórica-cultural do sujeito assim como os avanços científicos ocorridos desde então.
Informamos que a função do CFP é de orientar, fiscalizar e regulamentar a profissão de psicóloga(o) e, nesse sentido, os testes psicológicos são aprovados por possuírem os requisitos mínimos que atestam sua qualidade técnico-científica, em consonância com a Resolução CFP no 009/2018, que estabelece diretrizes para a realização de Avaliação Psicológica no exercício profissional da psicóloga e do psicólogo e regulamenta o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos – SATEPSI.
O CFP disponibiliza na plataforma SATEPSI os testes considerados favoráveis e desfavoráveis no sentido de auxiliar o psicólogo na sua tomada de decisão. Além disso, recomenda que os profissionais se mantenham constantemente atualizados consultando periódicos científicos sobre a qualidade técnica e aplicações de instrumentos psicológicos na atuação profissional.
Reforçamos que de acordo com art.1o §2 da Resolução CFP no 009/2018, a psicóloga e o psicólogo têm a prerrogativa de decidir quais são os métodos, técnicas e instrumentos empregados na Avaliação Psicológica, desde que devidamente fundamentados na literatura científica psicológica e nas normativas vigentes do Conselho Federal de Psicologia (CFP), devendo estar atentos a essas contingências sociais que se alteram ao longo do tempo e os itens dos instrumentos psicológicos devem ser analisados em conjunto e à luz de conceitos teóricos a que fazem referência.
Diante do exposto, não cabe ao Conselho Federal de Psicologia definir quais instrumentos e técnicas psicológicas devem ser utilizadas em avaliações psicológicas, inclusive em concursos públicos. Contudo, os resultados de tais instrumentos e técnicas psicológicas não podem ser utilizados de forma isolada e/ou descontextualizada. Reafirmamos que o exercício profissional deve ser pautado nos princípios fundamentais do Código de Ética Profissional e nas legislações vigentes. Desta forma, repudiamos toda prática que não seja regida por tais princípios.
"Discriminatório e preconceituoso"
O Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP/PR) classificou o edital de concurso como discriminatório e preconceituoso. Para Maria Ângela Oliveira, coordenadora da Comissão de Avaliação Psicológica do CRP/PR, o que deve ser avaliado é a capacidade do candidato de demonstrar raciocínio para resolver determinada situação que possa surgir devido a sua função. "Isso independe se ele tem masculinidade ou não, independe de ser homem ou mulher. Ou seja, o edital apesar de aceitar que 50% das vagas sejam preenchidas por candidatas, as discrimina, e também é preconceituoso com os homens, que não devem demonstrar sensibilidade", argumenta.
Em sua defesa, a PMPR diz que todos os testes psicológicos para ingresso na corporação (para oficiais ou praças) buscam o levantamento e síntese de informações com base em procedimentos científicos e em instrumentos aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). O argumento, porém, não convence Maria Ângela. Segundo ela, os testes psicológicos são mesmo validados pelo CFP, mas a escolha por qual teste aplicar cabe ao avaliador.
"Para elaborar um edital de concurso, o avaliador tem que estar atento às consequências e à repercussão dos testes e dos termos que vai usar para classificar as escalas de personalidade", diz a psicóloga. O CRP informou ao Concursos que avalia a possibilidade de emitir nota de repúdio ao edital ainda nesta segunda-feira (13/8). O concurso está sendo avaliado na comissão de psicologia e no departamento jurídico do órgão, que está fazendo uma varredura nos testes legais, já que o construto utilizado é incomum. O Concursos entrou em contato com o CFP, mas até a última atualização desta matéria não obteve resposta.
O Ministério Público do Paraná também informou que está analisando o edital para tomar as medidas que forem necessárias.
Denúncia
Na última sexta-feira (10/8), o Concursos denunciou que o edital, com 16 vagas para cadetes, contém item polêmico, presente no anexo II do documento, que exige um resultado igual ou acima de "regular" para “masculinidade”, que seria a “capacidade de "não emocionar-se facilmente, tampouco demonstrar interesse em histórias românticas e de amor". É exigido ainda que o candidato demonstre a competência de "não se impressionar com cenas violentas e que possa suportar vulgaridades".
Outros itens do teste psicológico também chamam atenção, como "amabilidade" e "afago". Neste último, o candidato deve ter resultado menor ou igual a "médio" para necessidade de buscar apoio e proteção, e sobre o quanto deseja ser "amado, orientado, perdoado e consolado". Além disso, será avaliada a necessidade de ser protegido de sentimentos de abandono, ansiedade, insegurança e desespero, que também deve ser igual ou inferior a "médio". Serão medidas também características de instabilidade emocional, passividade, liberalismo, busca por novidades, interações sociais, afiliação, empatia, dominância e outras.
Para Max Kolbe, advogado e especialista em concursos públicos, o edital apresenta subjetividades exigidas como perfil profissional que "transcendem o limite do absurdo". Ele explica que a realização de exames psicológicos é legítima, porém a adoção de critérios meramente subjetivos, que possibilitem ao avaliador um juízo arbitrário, afronta a garantia de ampla defesa. Já para a psicanalista Thessa Guimarães, o termo "masculinidade", igualado a citada definição é uma evidência do discurso de machismo no Brasil e representa um retrocesso.Saiba mais sobre o assunto aqui.