Salário de servidores de órgãos extintos pela União custam R$ 6,4 bi ao ano

União paga fatura bilionária em salários a servidores de órgãos que deixaram de existir há muito tempo, como Sudam, Sudene e Fundação Roquete Pinto, e a funcionários de ex-territórios federais. Até empresas desativadas ainda geram despesas

DF - Concursos - Lorena Pacheco
postado em 11/03/2018 08:50
 -  (crédito: Carlos Silva/Esp. CB/D.A Press - 10/3/11 )
- (crédito: Carlos Silva/Esp. CB/D.A Press - 10/3/11 )
int(0)
A estabilidade do funcionalismo é boa para os servidores, que não precisam temer demissões, mas esse privilégio vem contribuindo para aumentar cada vez mais o rombo nas contas públicas. O contribuinte não sabe, mas vários órgãos extintos pelo governo federal ainda geram despesa anual de R$ 6,4 bilhões para a União. O montante é usado para pagar as remunerações de 70.530 servidores civis e militares, aposentados, pensionistas e anistiados políticos, provenientes de órgãos públicos e territórios federais que não existem mais, mas que, por determinação legal, continuam onerando o Tesouro.

Os dados são do Departamento de Órgãos Extintos (Depex), ligado ao Ministério do Planejamento, que é responsável por administrar essa despesa bilionária. Vale lembrar que, em janeiro, havia 633 mil servidores civis do Executivo federal na ativa, ou seja, o contingente dos órgãos extintos é superior a 10% desse total. De acordo com o Depex, a fatura salarial dos integrantes desse grupo é de quase R$ 500 milhões por mês.

Em dezembro passado, por exemplo, a União desembolsou R$ 492 milhões para pagar esses servidores, sendo R$ 39,4 milhões para os funcionários de órgãos fechados há muito tempo, como a Fundação Roquete Pinto, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e as delegacias regionais e estaduais do Ministério da Educação (Demec). Outros R$ 452,6 milhões foram destinados à remuneração de servidores dos ex-territórios do Acre, de Rondônia, de Fernando de Noronha, do Amapá e de Roraima, além do antigo Distrito Federal, no Rio de Janeiro.

Patrimonialismo

“O serviço público é muito bom para criar coisas, mas, quando ‘descria’, é um grande problema, porque deixa um monte de coisas sem resolver”, afirma o secretário de Gestão de Pessoas do Planejamento, Augusto Akira Chiba. “O governo tem uma peculiaridade. O órgão é extinto, mas a despesa não acaba, porque há carreiras formadas por concursados, que não podem ser demitidos”, acrescenta.

Segundo ele, o Depex ainda é responsável por complementar as aposentadorias e pensões dos ex-funcionários da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) no montante que supera o valor máximo pago pela Previdência Social. Esse custo foi de R$ 153,2 milhões apenas em janeiro deste ano.

“Na administração pública do Brasil existe uma cultura patrimonialista, que vai concedendo benesses ao longo do tempo, e a soma disso tudo explica por que vivemos com deficits assustadores”, critica o especialista em contas públicas José Matias-Pereira, professor da Universidade de Brasília (UnB), lembrando que, desde 2014, o governo não consegue registrar superavit nas contas federais.

Para Augusto Chiba, outro problema é que grande parte dos servidores dos órgãos extintos pertence a carreiras muito específicas, como a de operador de videotape, algo que não existe mais. “Nesse caso, fica difícil realocar os indivíduos em outros órgãos sem caracterizar desvio de função”, observa. Para evitar esse tipo de conflito jurídico, o governo passou a elaborar concursos públicos para cargos com funções mais flexíveis e amplas, como técnico administrativo. No ano passado, o Executivo encaminhou ao Congresso projeto de lei para reformular e modernizar as carreiras, mas o secretário avalia que a proposta não vai acabar com o ônus provocado pela estabilidade. “Os cargos são extintos, mas o servidor não sai. A sociedade tem que pensar sobre esse problema”, ressalta.
 

Convênios

O Depex também está mapeando 98 mil contratos e convênios firmados com governos estaduais e prefeituras por órgãos extintos no governo de Fernando Collor de Mello, como o Ministério do Bem-Estar Social e antecessores, o da Integração Regional e a Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA). “Às vezes, encontramos processos em que a prefeitura não deu a contrapartida que deveria. E há casos em que os recursos foram enviados, mas nada foi feito”, revela.

Os gastos com servidores de órgãos extintos são apenas a ponta do iceberg das despesas com pessoal, que crescem em ritmo acelerado. Em 2017, o governo federal gastou R$ 284 bilhões com a folha salarial, valor 10,2% maior que o de 2016, em termos nominais. Só que a inflação do período foi de apenas 2,95%, ou seja, houve aumento real. “As despesas com pessoal cresceram em ritmo mais forte nos últimos anos devido aos reajustes salariais concedidos erroneamente pelo governo, que agora tenta revertê-los, mas não consegue”, destaca Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas. Para ele, a discussão sobre o tamanho do Estado passa por uma revisão dessas despesas.
 

Imbróglio

Os gastos podem aumentar ainda mais devido à Emenda Constitucional nº 98. Promulgada pelo Congresso em dezembro. Ela permite que as pessoas que tenham mantido qualquer relação de trabalho com os ex-territórios de Roraima e do Amapá, os últimos transformados em estados, sejam integradas aos quadros da União. A expectativa é de que cerca de 30 mil pessoas entrem com processos no Planejamento e que 20% delas, ou seja, seis mil, consigam a integração.

Para Matias-Pereira, a emenda reflete um problema recorrente: o Legislativo cria despesas para o Executivo sem que haja previsão de receitas. “Não existe almoço grátis. O governo, até agora, tem se endividado para pagar gastos correntes, mas isso tem limite, e ele está perto. Chegará uma hora em que a União não terá mais dinheiro para pagar salários nem aposentadorias”, alerta.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação