A bancada ruralista do Congresso manifestou, ontem, indignação com parte do conteúdo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e cobrou do governo uma posição sobre o que classificou de "cunho ideológico" do certame. Os parlamentares exigem a anulação de três questões que consideram "mal formuladas" e que, no entender deles, fazem críticas ao agronegócio.
A Frente Parlamentar da Agropecuária, que conta com 347 parlamentares, emitiu nota com críticas às perguntas feitas no Enem. Além disso, ameaça convocar o ministro da Educação, Camilo Santana, para prestar explicações. Mais: cobra informações sobre a banca examinadora do Enem e quer saber qual é a bibliografia usada para elaboração das incômodas questões.
As três perguntas do certame — as de número 70, 71 e 89 — que se tornaram alvos dos ruralistas tratam do desmatamento da Amazônia e do avanço da cultura da soja e dos vastos trechos de terras no cerrado que já estão tomados pelas culturas intensivas e de alta produção. A terceira faz menção, na ilustração, ao conflito entre indígenas e homens brancos.
Na questão 70, o enunciado diz que "alternativas logísticas estão servindo de instrumentos que ativam os mercados especuladores de terras nas diferentes regiões da Amazônia" e que "é evidente que o crescimento do desmatamento tem a ver com a expansão da soja". Na pergunta 71, que versa sobre avanços tecnológicos, a ilustração mostra um indígena conversando com um extraterrestre, cujo planeta recebe um homem branco em traje de astronauta — "Acredite em mim, não confie nesse pessoal", diz o originário sobre o visitante.
No caso da questão 89, o enunciado afirma que "no cerrado, o conhecimento local está cada vez mais subordinado à lógica do agronegócio".
Segundo a nota, os ruralistas entendem que, na prova, há "negacionismo cientifico" contra um setor que garante a segurança alimentar "do Brasil e do mundo". "É inacreditável o governo federal se utilizar de desinformação em prova aplicada para quase 4 milhões de alunos brasileiros, que disputam uma vaga nas universidades do Brasil. A anulação das questões é indiscutível, de acordo com literaturas científicas sobre a atividade agropecuária no Brasil e no mundo", diz trecho do documento da FPA.
Para os ruralistas, o governo "propaga desinformação" sobre o agronegócio. "Vincular crimes à atividade legal é informação? A ineficiência do Estado brasileiro está exposta. A vinculação de crimes às atividades legais no Brasil é um critério de retórica política para encobrir a ausência do Estado no desenvolvimento de políticas públicas e eficientes, e de combate a ilegalidades. Não permitiremos que a desinformação seja propagada de forma criminosa entre nossa sociedade, como foi feito durante os anos anteriores do governo atual", acusa a FPA.
Sem interferência
De acordo com o Instituto Nacional e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que elabora o Enem e é responsável pela aplicação, o banco de questões é formulado por professores independentes e selecionados por edital. "O Inep não interfere nas ações dos colaboradores selecionados para compor o banco (de perguntas)", salienta o órgão, que é subordinado ao Ministério da Educação (MEC).
Deputados ligados ao setor do agronegócio também comentaram, isoladamente, a "questão ideológica" do Enem. O presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Tião Medeiros (PP-PR), afirmou que o Enem prestou um "grande desserviço".
"Enquanto batalhamos, diariamente, para construir uma imagem positiva do agronegócio, como pilar da economia brasileira, formador de mão de obra, gerador de riqueza, renda e desenvolvimento, vem o Enem e comete um grave desserviço. As questões, além de enviesadas, levam a uma imagem distorcida do agro aos milhões de estudantes que fizeram a prova. Encaminharei um requerimento de informação ao Ministério da Educação exigindo explicações", afirmou.
A oposição no Congresso aproveitou o episódio para, mais uma vez, intensificar o conflito com o governo. O senador Sergio Moro (União-PR) e os deputados Bia Kicis (PL-DF) e Nikolas Ferreira (PL-MG) criticaram a prova por considerarem, também, que as questões embutem induções ideológicas aos candidatos.
Mas não foi apenas no Congresso que houve repercussão negativa sobre o Enem. Economistas também criticaram as questões que indignaram os ruralistas. "É de um esquerdismo raso, o que me parece ter um viés doutrinário", avaliou o economista Alexandre Schwartsman.
Segundo Armando Castelar, professor e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, as questões têm textos "carregados e adjetivados". "A competitividade é vista como algo bom na economia", entende.
Na visão do economista Sergio Vale, da MB Associados, as perguntas mostram o agronegócio com "um viés negativo, como se fosse um vilão a ser abatido". "Mas não fosse o agronegócio e as demais commodities, o país estaria em crise econômica profunda", advertiu. (Com Agência Estado)Saiba Mais