Eu, Estudante

RACISMO

Professora que recebeu esponja de aço de aluno não vê racismo explícito na atitude

Edmar Sônia, professora do CEM 9, de Ceilândia, afirmou ao Correio que enxerga a situação mais como uma forma de empoderamento machista. Ela revelou que nunca sofreu episódios de racismo, mas enfrentou preconceitos por ser mulher

A professora da rede pública do Distrito Federal Edmar Sônia, 48, não imaginava que o vídeo em que recebe uma palha de aço de presente de um aluno, no Dia Internacional da Mulher, repercutiria tanto. Nesta quarta-feira (15/3), ela decidiu falar sobre o ocorrido, que gerou revolta de internautas e a reação de autoridades, como a Polícia Civil (PCDF), que está apurando o caso.

Edmar é professora há 17 anos. No Centro de Ensino Médio (CEM) 9, de Ceilândia, ingressou em 2023. Apesar do pouco tempo na unidade, ela revela que a relação com o estudante e demais colegas é satisfatória. “Estou mais assustada com a proporção que o vídeo tomou do que com o episódio em si. Fiquei sabendo que um jornalista francês tentou entrar em contato comigo para falar sobre o ocorrido”, diz a professora. “Ainda não consegui ter um discernimento do que está acontecendo, estou digerindo tudo.”

Além de poder ser interpretado como uma atitude machista, pelo fato de sugerir que o papel da mulher é nos trabalhos domésticos, muitos dos que viram o registro o acusam de racismo, pelo estereótipo historicamente atribuído ao cabelo das pessoas negras. Edmar conta que outros alunos a procuraram para conversar sobre o que ocorreu na sala de aula. “Alguns vieram me acolher e abrir esse espaço de escuta, o que eu achei muito legal.”

“Foi uma manifestação repentina comigo. Não consigo pensar que aquilo foi algo pensado para acontecer comigo”, analisa a professora. À reportagem, ela não conseguiu confirmar a versão de que o “presente” teria sido oferecido anteriormente à namorada do estudante, que não o aceitou e não é negra, segundo o que foi informado por outro funcionário da instituição.

Edmar não vê racismo explícito no gesto do aluno, mas que, talvez, o preconceito racial estaria ali de maneira oculta. “Eu enxerguei mais como uma forma de empoderamento machista, mas entendo que, para outras pessoas, isso deve ter doído nesse lugar da raça”, pondera.

Machismo

A educadora relata que não sofreu episódios de racismo ao longo da vida, tanto dentro, quanto fora da sala de aula, mas o fato de ser mulher já a fez ouvir muitos comentários e piadas desagradáveis. “Já tive que aguentar falas nos diminuindo e criticando nossas condutas no trânsito, por exemplo”, lamenta.

“Acredito que haja a necessidade de se discutir os papéis do homem e da mulher na sociedade. Lidamos com as questões sociais de forma muito precária e precisamos retomar discussões importantes para o nosso convívio social”, reflete. Até o momento, a professora diz que não pretende registrar um boletim de ocorrência contra o estudante.

A docente é mãe de dois filhos de 23 e 26 anos. "Eles estão tranquilos, porque eu havia comentado com eles sobre o ocorrido no mesmo dia que aconteceu. Até mostrei o pacote de Bombril. Como não me exaltei, eles reagiram da mesma forma. O que mais impactou foi a repercussão geral e a solidariedade das pessoas comigo."

Justiça

A Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) 2 (Taguatinga) instaurou procedimentos para investigar o fato ocorrido na sala de aula e convocou, além de testemunhas, a professora e o aluno para prestar depoimento. O delegado-chefe adjunto da unidade, Flávio Messina, explicou ao Correio que, quando há infração envolvendo menores, a polícia pode empreender investigação, mesmo sem a denúncia da vítima.

A depender do entendimento do juiz, caso haja um processo, o adolescente, se for considerado culpado, poderá cumprir medidas socioeducativas, que podem ser uma advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional.

De acordo com o advogado criminal Oberdan Costa, a legislação ainda não prevê injúria com agravante em virtude do gênero da vítima, muito embora um projeto de lei existente proponha a tipificação do crime.

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