A secretária de Educação do Distrito Federal, Hélvia Paranaguá, classificou como deplorável e inadmissível o episódio em que um aluno da rede pública de ensino "presenteou" uma professora com um pacote de esponjas de aço, no Dia Internacional da Mulher. Em entrevista ao jornalista Roberto Fonseca, no CB.Poder — parceria entre Correio e TV Brasília — desta quarta-feira (15/3), a secretária destacou a necessidade de pautas de combate ao preconceito serem trabalhadas em sala de aula. Hélvia Paranaguá comentou ainda sobre duas manifestações ocorridas esta semana. Uma foi a dos professores, que querem reajuste salarial. Segundo ela, o governo estuda o assunto. O outro protesto foi dos estudantes, que pedem a revogação do Novo Ensino Médio. A secretária defendeu o modelo, mas disse que precisa de ajustes e de mais recursos.
Recentemente, um aluno do Centro de Ensino Médio 9, de Ceilândia, entregou uma esponja de aço para uma professora negra, no Dia Internacional da Mulher. Como a Secretaria de Educação está tratando o assunto e o que esse caso traz de lição para a sociedade?
Quando me deparei com o vídeo, acho que minha indignação foi muito maior que a da professora. Talvez, por ela ter o contato com o aluno, e eu não. Fiquei indignada. Achei de mau gosto. Como foi colocado: “um presente de grego”. Isso nos traz um alerta de que a escola precisa trabalhar cada vez mais tudo que envolve racismo, todas as pautas sobre preconceito. Ali poderia ser uma questão — por ser Dia da Mulher — de machismo escancarado, pelo fato de a professora ser preta. Uma série de questões surgiu daí. A família delega muito para a escola o seu papel de educar a criança. Muitas vezes, o menino vê em casa um comportamento machista do pai e o traz para a escola. Não estou falando que é o caso desse garoto. Não conheço a família dele, mas acontece muito isso. Precisamos ter dois trabalhos: um é com a família, de dizer que tem de trabalhar essas questões com seus filhos, e outro é na escola, que deve intensificar isso. A gente já faz um trabalho, temos cartilha, tudo isso já é feito, mas é preciso intensificar mais ainda. Então, ficou um alerta. Foi deplorável. O Dia Internacional da Mulher é um momento em que a mulher tem que receber carinho. Os alunos, normalmente, são muito carinhosos. Fui professora de sala de aula e passei por isso. Tanto no dia da mulher quanto no dia do professor, eles chegam com um bilhetinho, uma rosa, um cartãozinho, às vezes, um abraço, e não com uma bucha para uma professora. Muito triste, fiquei indignada, isso é inaceitável.
Foi tomada alguma providência pela Secretaria de Educação?
Sim. Quando nós soubemos, havia passado um tempo, porque o vídeo foi feito em 8 de março e só foi veiculado no dia 13. A Diretoria de Direitos Humanos, que trata de todas essas questões, foi à escola, inclusive está lá hoje (ontem), para ter uma conversa com os professores e fazer todo um trabalho, uma mediação. Ficou um clima de guerra também. O estudante começou a sofrer algum tipo de retaliação e bullying. Aí, entra o nosso papel, enquanto gestores públicos, de fazer essa intervenção. A regional de ensino esteve presente desde que soube, a direção da escola está atuando.
Um dos pontos que os especialistas levantam é a necessidade de promover mais a educação antirracismo. Quais são os desafios de fazer isso?
Começamos na própria Escola de Formação Continuada de Profissionais da Educação (Eape). Isso tem que ser trabalhado com todos os professores, porque eles é que lidam com o estudante diretamente. Então, a desconstrução desse racismo que existe, da homofobia, de tudo que envolve o preconceito, tem que ser trabalhada em sala de aula, por meio de redação, de leitura, de trabalhos, da conversa com o professor. Isso deve acontecer desde a educação infantil. Isso tem que começar na base. Uma bucha no dia da mulher? Por quê? Significa que a mulher tem que estar no tanque ou lavando panela? Não, a mulher conquistou o seu espaço. Estamos trabalhando. Pedimos muito para as famílias também nos ajudarem. Precisam educar os filhos. A criança tem que chegar na escola sabendo o que é respeito. O professor é autoridade máxima em sala de aula, não pode ser constrangido dessa forma, como foi a professora.
Como trazer mais a família para dentro da escola?
A escola chama, mas nem sempre o pai vai, nem sempre a mãe vai. Então, a gente conclama. A família tem que estar lá, acompanhando o filho. Esse papel da família está sempre sendo relegado só para a escola. Conclamo os pais a estarem mais presentes na escola e na vida dos seus filhos. Tenho certeza que, talvez, até essa mãe (do estudante que deu uma esponja de aço para a professora) tenha sido surpreendida. Eu ficaria. Surpreendida de ver o filho fazendo um papelão desse. É um trabalho hercúleo e contínuo. Isso não pode parar nenhum dia do ano. Os 200 dias letivos tem que ser trabalhados na interdisciplinaridade, de forma lúdica, na hora que o menino demonstra um comportamento tem que dizer: “Olha não é assim, peça desculpa ao seu colega”. É todo um trabalho de ano inteiro, de vida inteira. É um trabalho que não tem fim, porque vemos esse comportamento no adulto. Gente com formação, com nível, e tendo esse tipo de comportamento. Tenho certeza que tem gente que aplaudiu. Os coleguinhas estavam rindo e filmando. As meninas estavam criticando. Ainda tem machismo muito forte na nossa sociedade que a escola precisa combater todos os dias.
Está prevista uma cartilha em maio sobre um guia de prevenção à vida? Qual vai ser a diretriz?
Quando a gente distribui uma cartilha, ela é precedida de uma formação. Nós temos essa escola que eu falei (Eape), que ela faz a formação continuada. O ano inteiro ela atua com cursos. Isso vai ser trabalhado com o professor. Isso acontece sempre que uma cartilha é produzida, que um tema é trazido. Por exemplo, quando foi iniciado o ensino remoto, quando imaginaríamos que iríamos parar, de repente, por causa da Covid, com o professor em casa, fazendo uma aula mediada por tecnologia? Tivemos que nos reinventar e rapidamente fazer cursos na Eape para aprender como lidar com a tecnologia naquele momento. Foram dois meses de cursos super-rápidos e objetivos. Aqui é a mesma coisa. Colocar a cartilha com formação, para que o professor atue de forma bem pontual, chegue no cerne da questão, nos problemas que são seculares.
Tivemos, na terça-feira (14/3), uma paralisação dos professores da rede pública no DF. Foram aprovados vários atos e uma assembleia para 26 de abril, com indicativo de greve. A principal reclamação é que a categoria está há oito anos sem reajuste efetivo. Como a reivindicação está sendo tratada dentro do governo?
Nós fizemos, na secretaria, um grupo de trabalho com o Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) e o Sindicato dos Trabalhadores em Escolas Públicas no DF (Sae-DF) para pensar em um plano de cargos e salários para apresentar ao governo. Isso está na Secretaria de Planejamento do DF, foi apresentado. A última informação que eu tive da (então) governadora em exercício Celina Leão foi que o governo recebeu um alerta do Tribunal de Contas (do DF) informando que estamos naquele limite prudencial da lei de responsabilidade fiscal. Estou aguardando estudarem o projeto e ver o que é possível, se agora, ou no segundo semestre, o governo acha que vai poder conceder algum reajuste para as nossas categorias, que realmente estão defasadas.
Há expectativa de dar uma resposta à categoria até a próxima assembleia?
Acredito que sim. O secretário de Planejamento, está com essa pauta, a (então) governadora em exercício recebeu os dois sindicatos, eu estava presente, e nós estamos aguardando uma posição do governo em relação a essa demanda apresentada.
Houve uma manifestação que pedia a revogação do Novo Ensino Médio, nesta quarta-feira (15/3), na Esplanada dos Ministérios. A principal reclamação é que está muito focado no mercado de trabalho. Qual a opinião da senhora sobre esse tema?
Estaria mentindo se eu dissesse que está tudo ok e não tem problema. A implementação do Novo Ensino Médio tem trazido alguns problemas. Agora, a revogação, acho muito temerária, porque nós fizemos todo um trabalho, estamos no terceiro ano da implementação do Novo Ensino Médio. Eu estudei no antigo ensino médio. Era tudo muito voltado para os componentes curriculares, as disciplinas. Hoje, com o Novo Ensino Médio, o estudante faz um projeto de vida baseado naquilo que ele tem maior aptidão. Por exemplo, meu filho caçula faz estatística na Universidade de Brasília (UnB), porque gosta de matemática. Tenho uma filha que é jornalista e outra, advogada. Cada um escolhe a sua área e vai atuar nela. O Novo Ensino Médio permite que o estudante veja onde se encaixa nesse cenário. Tem a possibilidade de fazer essa escolha do que quer fazer. Precisa de ajustes? Precisa. Não foram planejados mais espaços nas salas de aula. Tem vários caminhos que ele (o estudante) vai seguir, aí nos deparamos com a limitação de espaço físico para separar os grupos para que eles possam ter essas disciplinas nessas trilhas. Tem essas questões, mas acho que está faltando fomento. Estão faltando mais recursos para as escolas poderem expandir. Não é simplesmente dizer “vamos soltar ao que era”. Acho muito complicado esse retorno.
*Estagiário sob supervisão de Malcia Afonso
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