Nos 200 anos da Independência do Brasil, professores especializados em história da educação explicam que a sociedade passou de um lugar quase sem escolas, para um país com escolarização mais abrangente. O professor Luciano Mendes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta a existência de 180 mil unidades escolares no Brasil, local de trabalho de quase 5 milhões de trabalhadoras/es da educação. Estima-se que mais de 50 milhões de estudantes, entre crianças, adolescentes e jovens, frequentam escolas no país.
Ao longo do processo de Independência do Brasil, a defesa da educação estava atrelada à necessidade de forjar uma identidade nacional e garantir liberdade. "O processo de Independência, junto com a discussão sobre liberdade, vem com a necessidade de criação de condições para que as pessoas fossem livres, e uma dessas condições, sem dúvida, é a educação, é sobretudo a leitura e o acesso à imprensa, aos jornais", explica Luciano Mendes.
No entanto, cabe ressaltar que a defesa de acesso a meios que garantissem liberdade era, no mínimo, contraditória, como destaca o especialista em história da educação. Em uma sociedade estruturalmente escravista e racista, a liberdade era para poucos. "Uma das contradições naquele momento, algo fundacional da nossa sociedade e que tem impacto até hoje, é a discussão da liberdade, relacionada a imprensa e a educação, e a manutenção de parte significativa da população na condição de escravos", pontua.
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Tomando 7 de setembro de 1822 como marco simbólico da memória da Independência, a abolição da escravidão só veio acontecer 66 anos depois, em 1888. O Brasil foi o último país do continente americano a abolir o regime escravocrata. Entretanto, mesmo após a Lei Áurea, os libertos não tiveram amparo do Estado, no sentido de educação, emprego e dignidade.
Por isso, foi criada a Lei n° 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas. A medida é constituída por reservas de vagas em critérios social e racial nas universidades e institutos federais no país, prevendo vagas para estudantes de escola pública, com renda inferior a 1,5 salário mínimo e para candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
Portanto, o dispositivo legal contribuiu para a presença de mais negros no ensino superior. O professor Luciano Mendes cita três razões que justificam a importância da Lei de Cotas: acesso e permanência de negros às universidades e institutos federais, reconhecimento da dívida histórica do país com a população negra e formação de contingente de profissionais e intelectualidade brasileira para o combate ao racismo estrutural.
Acerca da educação como elemento para forjar uma identidade nacional, a professora e doutora em educação, Cíntia Almeida, conta que a escola era vista como um instrumento para disseminar valores e comportamentos considerados adequados para a sociedade que estava sendo idealizada. "Quando pensamos a Independência do Brasil, devemos ter em vista aspectos econômicos, diplomáticos, políticos e geopolíticos, o que nos leva a considerar, expressivamente, os interesses por trás do surgimento do Estado-Nação e também da formação nacional", afirma a pesquisadora da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
Avanços e desafios
O professor Luciano Mendes define a escola como "a mais capilar das instituições públicas". Essa capilaridade e caráter público são alguns dos principais avanços da educação no Brasil ao longo dos 200 anos de Independência, mas também torna a escola alvo de críticas por motivações político-ideológicas, como aponta a professora Cíntia Almeida.
"Desmerecer ou não reconhecer uma instituição que, historicamente, é responsável pela formação de quase toda a população mundial é construção política. No caso do Brasil, a escola pública, que beneficia expressivamente e majoritariamente a população escolar, torna-se alvo de críticas justamente pelo seu caráter público, coletivo e democrático. É inegável os avanços da escola pública e da educação formal ao longo desses 200 anos de Independência do Brasil", defende a doutora em educação.
Outro avanço é a queda do índice de analfabetismo da população perante a expansão do processo de escolarização no país. Em dados quantitativos, há a estimativa de que, em 1922, ano do Centenário da Independência, 80 a 84% dos brasileiros eram analfabetos. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2019, revelam que cerca de 6,6% da população ainda é analfabeta. Já o analfabetismo funcional, aquele em que a pessoa consegue ler e escrever mas não interpretar, corresponde a 29%.
Em contrapartida, há muitos desafios. A pesquisadora Cíntia Almeida destaca o baixo investimento na educação, infraestrutura de escolas sucateada e desvalorização de professores. "Não é possível alcançar escola e ensino de qualidade sem a responsabilidade e o fortalecimento do Estado na oferta e garantia de políticas públicas", diz.
Ainda segundo a especialista em história da educação, assegurar o acesso, permanência e sucesso no processo de escolarização envolve "investir na infraestrutura, garantir a valorização do trabalho docente, oferecer formação continuada, ampliar a pesquisa, a tecnologia, a cultura, o esporte, a merenda e o transporte escolar".
Apesar da função social da escola, o professor Luciano Mendes avalia que, nos últimos séculos, foi um atribuído um poder ao processo de escolarização que é, em parte, inalcançável. Essa perspectiva, de acordo ele, é uma cortina de fumaça. "Isso é uma certa cortina de fumaça que se produz em torno das grandes desigualdades brasileiras. A escola não tem esse poder que nela é depositado, de diminuir as desigualdades, garantir emprego e conduta ética e moral. São outras formas de ação do Estado que garantirão isso, como reforma agrária, política de distribuição de renda, aumento de salário", reflete o professor.
* Estagiária sob supervisão de Roberto Fonseca
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