Meio Ambiente

Pesquisadores da UnB estudam a preservação dos lagartos do cerrado

Professor da UnB acompanha a conservação das espécies de lagarto do cerrado há 22 anos. Equipe faz o trabalho de campo na reserva ecológica do IBGE e no Jardim Botânico de Brasília usando armadilhas para analisar os animais

Pedro Marra
postado em 16/07/2022 06:00
O professor de zoologia da UnB Guarino Colli segura um lagarto endêmico do cerrado (Enyalius capetinga) em uma das armadilhas do Jardim Botânico de Brasília -  (crédito: Fotos: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)
O professor de zoologia da UnB Guarino Colli segura um lagarto endêmico do cerrado (Enyalius capetinga) em uma das armadilhas do Jardim Botânico de Brasília - (crédito: Fotos: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)

Duas vezes por semana, o professor de zoologia da Universidade de Brasília (UnB) Guarino Colli percorre matas de áreas de preservação do Distrito Federal para acompanhar a conservação dos lagartos do cerrado. O pesquisador fez parte de um grupo de 900 cientistas de 24 países dos seis continentes que analisaram as necessidades de conservação de 10,1 mil espécies de répteis no planeta. O estudo, publicado em 12 de maio deste ano na revista científica internacional Nature, constatou que pelo menos 21% de todas as espécies estão ameaçadas de extinção.

Em outro artigo específico para o bioma do Centro-Oeste, publicado em outubro de 2014, na revista Biological Conservation, o grupo de estudos de Guarino constatou que, entre as espécies com pequenas distribuições geográficas, 80% a 90% não estão em áreas protegidas. “A gente considerou o tamanho dos bichos, onde comem, onde vivem, e várias características para definir quanto da distribuição geográfica deles deveria ser preservado para que a espécie tenha um risco de extinção baixo”, explica o docente, que desenvolve essa rotina há quase 22 anos.

De acordo com a pesquisa, 94% das espécies de lagartos endêmicos do cerrado possuem grandes lacunas de conservação. Para análise desses animais, a equipe de zoologistas usa 90 armadilhas — com baldes enterrados no chão e conectados por cercas-guia de metal — distribuídas em duas matas, sendo 20 na Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outras 20 no Jardim Botânico de Brasília (JBB).

Também há cinco parcelas de cerrado submetidas a diferentes regimes de queima controlada, com 10 armadilhas cada. "A questão é o entorno, porque as áreas protegidas não podem virar ilhas em área urbana e agrícola, pois as populações ficam isoladas e perdem variabilidade genética, que é importante para a sobrevivência desses animais", contextualiza o professor Guarino.

A estudante de graduação de zoologia da UnB Dianara Figueiredo, 24 anos, que está no laboratório do curso há quatro anos e meio, afirma que o artigo sobre o cerrado vem de um trabalho de longa duração em que conseguiram determinar a distribuição geográfica das espécies. Mesmo que o JBB seja uma área protegida, a estudante esclarece que é um local com participação da comunidade, onde os bichos estão próximos das pessoas e carros. "Se uma mesma espécie é capturada e recapturada tantas vezes ao ano ou ao mês, a gente consegue saber", detalha.

Espécies ameaçadas

Para armazenar os dados desse controle, no Brasil, existe a Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), feita junto de especialistas de 200 instituições nacionais e internacionais. A última lista, divulgada em 8 de junho, mostra que 1,2 mil espécies e subespécies da fauna, entre 71 répteis, estão ameaçadas de extinção — o que corresponde a quase 6% das mapeadas —, com nove espécies extintas. O grupo das endêmicas é o mais ameaçado, pela falta de locais alternativos para a sua sobrevivência. No cerrado, já houve registro de 30 espécies de lagartos endêmicos.

O estudo global, com participação do professor Guarino, traz que, mundialmente, 30% dos répteis que habitam florestas estão em risco de extinção, em comparação com 14% dos répteis em ambientes áridos. O artigo evidencia que esses animais sofrem ameaças com a exploração madeireira e de agricultura. "Temos dados de como a população de répteis aumenta ou diminui naturalmente, se um ano foi mais seco que o outro, o que influencia na sobrevivência deles", contextualiza o zoologista da equipe Gabriel Costa, 42.

Para o ambientalista do grupo SOS Ribeirão Sobradinho Nelson Rodrigues, há vários fatores para a ameaça de extinção de répteis. Segundo ele, o primeiro é a informação. Muitas vezes, as pautas sobre a extinção de animais dão ênfase à onça pintada, mico-leão dourado ou anta. "Os répteis vão ficando esquecidos, mas são importantes para a cadeia alimentar, porque depois vem o crescimento desordenado dos predadores, invasões que atrapalham mais ainda", avalia o especialista.

Há dois anos, junto da equipe da região serrana do DF, Nelson faz o plantio de mudas na reparação do Ribeirão Sobradinho, o que totaliza 8km da nascente até a saída da cidade. Durante o trabalho, ele percebeu que os predadores de répteis não costumam encontrá-los na natureza e acabam indo para a área urbana ou meio rural. "As queimadas também têm um impacto forte, porque leva tempo para se regenerar, ainda mais no período de seca, entre junho e agosto. É por isso que fazemos esse plantio de mudas", conclui Nelson.

Cenário

Vida animal em risco

  • 1.249 espécies e subespécies da fauna ameaçadas de extinção
  • 9 extintas ou regionalmente extintas (não contabilizadas como ameaçadas)
  • 219 espécies e subespécies entraram na lista
  • 144 saíram da lista
  • 124 foram avaliadas pela primeira vez

Nível do perigo

  • 1 extinta na natureza (Pauxi, nome científico da ave Galliformes Cracidae Pauxi)
  • 358 criticamente em perigo
  • 425 em perigo
  • 465 vulnerável

Entre as 1.249 ameaçadas de extinção

  • 257 aves
  • 59 anfíbios
  • 71 répteis
  • 102 mamíferos
  • 97 peixes marinhos
  • 291 peixes continentais
  • 97 invertebrados aquáticos
  • 275 invertebrados terrestres

Fonte: Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção/Ministério do Meio Ambiente (MMA)

  • 15/07/2022. Crédito: Carlos Vieira/CB/D. A Press. Brasil. Brasília - DF. Cidades. Vistoria de preservação de répteis no Jardim Botânico de Brasília. Carlos Vieira/CB/D.A.Press
  • 15/07/2022. Crédito: Carlos Vieira/CB/D. A Press. Brasil. Brasília - DF. Cidades. Vistoria de preservação de répteis no Jardim Botânico de Brasília. Carlos Vieira/CB/D.A.Press
  • 15/07/2022. Crédito: Carlos Vieira/CB/D. A Press. Brasil. Brasília - DF. Cidades. Vistoria de preservação de répteis no Jardim Botânico de Brasília. Carlos Vieira/CB/D.A.Press
  • 94% das espécies de lagartos endêmicos do cerrado possuem grandes lacunas de conservação Carlos Vieira/CB/D.A.Press
  • 15/07/2022. Crédito: Carlos Vieira/CB/D. A Press. Brasil. Brasília - DF. Cidades. Vistoria de preservação de répteis no Jardim Botânico de Brasília. Carlos Vieira/CB/D.A.Press
  • 15/07/2022. Crédito: Carlos Vieira/CB/D. A Press. Brasil. Brasília - DF. Cidades. Vistoria de preservação de répteis no Jardim Botânico de Brasília. Carlos Vieira/CB/D.A.Press
  • Zoologistas da UnB usam 90 armadilhas — com baldes enterrados no chão, conectados por cercas-guia Carlos Vieira/CB/D.A.Press
  • O professor Guarino e os alunos Gabriel Costa e Diainara Figueiredo no JBB Fotos: Carlos Vieira/CB/D.A.Press
  • 15/07/2022. Crédito: Carlos Vieira/CB/D. A Press. Brasil. Brasília - DF. Cidades. Vistoria de preservação de répteis no Jardim Botânico de Brasília. Carlos Vieira/CB/D.A.Press
  • O professor de zoologia da UnB Guarino Colli segura um lagarto endêmico do cerrado (Enyalius capetinga) em uma das armadilhas do Jardim Botânico de Brasília Fotos: Carlos Vieira/CB/D.A.Press

 

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