Mais uma polêmica acerca da diversidade sexual foi instaurada pelo ministro Milton Ribeiro. Depois de afirmar que gays vêm de “famílias desajustadas”, o titular da pasta da educação voltou a polemizar nesta terça-feira (8), ao sugerir que a abordagem da diversidade sexual em escolas é incentivo a “coisa errada”. Para especialistas, o posicionamento de Ribeiro, além de equivocado, é uma afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mãe de um menino transgênero, a psiquiatra Laís Guimarães alerta que quanto maior as barreiras, menos o indivíduo alcançará um desenvolvimento psicológico e social, processo que pode acarretar doenças graves e até mesmo abandono da escola.
A declaração do ministro foi proferida diante de uma plateia de merendeiras de escolas públicas do país, durante lançamento de um reality show para essas profissionais, no formato “Master Chef”, a ser exibido em rede aberta de televisão, com apoio do MEC e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
“Não vamos permitir que a educação brasileira vá por um caminho de tentar ensinar coisa errada para as crianças. Coisa errada se aprende na rua. Dentro da escola a gente aprende o que é bom, o correto, o civismo, o patriotismo”, disse Ribeiro. “Por isso, que tem um grupo da população que, infelizmente, me critica. Mas tenho certeza que as merendeiras, mães, avós estão comigo. Eu quero cuidar das crianças, não vou permitir que ninguém violente a inocência das crianças nas escolas públicas. Esse é um compromisso do nosso presidente. Não tem esse negócio de ensinar você nasceu homem, pode ser mulher”, prosseguiu. Na sequência, Ribeiro disse respeitar todas as orientações, mas com ressalvas. “Uma coisa é respeitar. Incentivar é outro passo”.
Ao justificar que respeita as diferenças, Ribeiro alegou que "vivemos em um país laico", e deixou claro que não tem vergonha de sua oposição à educação sexual de gênero nas escolas. Em seguida, citou o processo que corre contra ele no Superior Tribunal Federal (STF), a pedido da Procuradoria-Geral da República, que investigue se foi homofóbico em suas declarações de 2020, associando a homossexualidade a famílias desajustadas.
“Eu respeito, mas não vou permitir que, com crianças de 6 a 10 anos, um professor chegue e diga que se ela nasceu homem, se quiser pode ser mulher. Isso eu falo publicamente mesmo. Por isso que meu processo já está lá no STF. Não tenho vergonha de falar isso”, afirmou. “Não tenho compromisso com o erro. Temos que respeitar todos. Nosso país é laico, mas tenho certeza que as merendeiras do Brasil que cuidam das crianças também têm esse cuidado todo especial, não apenas com o que se come, mas com o que se aprende intelectualmente”, arrematou.
O lançamento do reality “Merendeiras do Brasil” contou com a participação de 15 merendeiras de escolas públicas de diferentes regiões do país, selecionadas por meio de “critérios técnicos”. Elas serão submetidas a provas culinárias, disputando o título da melhor profissional que durante o ano letivo preparar refeições para centenas ou milhares de alunos. Ao final do programa, as vencedoras serão premiadas com viagens e uma quantia em dinheiro.
Violação da lei
O psicólogo clínico e escolar Vinicius Mota, especializado em crianças e adolescentes, pondera que as declarações do ministro da Educação “deixam explícito seu achismo, que nada mais é que uma violação do direito da criança e do adolescente. Vide o artigo 5º do ECA, que visa proteger o melhor interesse dessa população e que é soberano a qualquer achismo político-partidário".
Mota lembra que, em todo o país, portarias do Conselho Nacional de Educação versam sobre uso do nome social para crianças e adolescente no âmbito das escolas públicas brasileiras. Psicólogo de escolas da rede pública de ensino, ele trabalha dia e noite na formação de professores, porteiros e merendeiras, como as que participaram do lançamento do reality do MEC. “Atuo com afinco na conscientização dos pais, para que aceitem, acolham, escutem seus filhos. Travamos uma jornada exaustiva, com base nos parâmetros curriculares, certos de que a educação em sexualidade é um direito dos nossos estudantes”, afirma, lembrando que não se cura o que não é doença. “Não temos o poder de mudar o gênero de ninguém. Nossas escolas púbicas continuarão sendo palco da maior diversidade possível. Qual seria o sentimento ao ver uma criança ser negligenciada por um adulto? É nessa perspectiva, de violação do direito da criança, que o Ministro da Educação se posiciona”, afirma Mota, que é vinculado à Clínica Popular Viva Atendimentos, entidade inclusiva com especialidade em questões de gênero e sexualidade.
Mãe de um adolescente transsexual de 16 anos, a psiquiatra Laís Guimarães, 50, observa que a questão de gênero e sexualidade independem do processo de educação. “Isso faz parte da natureza da pessoa. Se o pai, a mãe, a sociedade impedem esse processo, instala-se o caos psicológico”, afirma. “Havendo uma educação rígia, impedindo que o indivíduo vivencie a própria identidade que não é a dela, haverá um sofrimento constante. Quanto mais barreiras, menos a pessoa vai se desenvolver psicologicamente e socialmente, o que pode acarretar doenças graves e interrupção dos estudos, até mesmo abandono da escola”, completa Laís.
Segundo ela, o processo de Ígor Gael teve início aos 10 anos, logo no início da puberdade, quando a então menina começou a apresentar sintomas de ansiedade e incômodo com a mudança do próprio corpo. A partir dos 11, vieram os questionamentos sobre sexualidade. Aos 14 começou a apresentar quadro mais depressivo e deixou de fazer o que mais gostava, como praticar esportes, ir ao clube, tudo para não expor o corpo. Foi quando cheguei à conclusão de que deveria levar as queixas mais a sério”, conta.
Ainda segundo ela, no início deste ano Ígor passou a se submeter a terapia hormonal e sua vida mudou radicalmente para melhor, em todos os sentidos. “Na escola houve aceitação dos colegas e professores. Nunca houve queixa de buillyng. Ele é muito querido e respeitado. Acredito que, pelo fato deste assunto ser mais recente, esclarecido, muitas crianças não encontram maiores dificuldades em se aceitar e também serem aceitas”, conta, alertando que a opção por uma educação rígida e preconceituosa, assim como tratamentos inúteis, podem culminar, além de quadros de depressão profunda, em doenças graves, baixa expectativa de vida e facilitação de exposição à criminalidade.