Para utilizar rede Wi-fi, que deveria ser pública e gratuita, estudantes, professores e moradores de Santa Filomena, no interior do Piauí, precisam assistir a uma propaganda de 30 segundos sobre programas sociais do governo de Jair Bolsonaro. A exigência se repete a cada vez que acessam a rede. Além disso, há relatos de que moradores da região do Rio Negro, no Norte do país, recebem por meio do Wi-fi Brasil informações falsas sobre as organizações de defesa das comunidades indígenas, onde vivem 23 etnias.
De acordo com a reportagem publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, nesta segunda-feira (27/9), o Governo Federal está condicionando o uso de internet pelos beneficiários do programa à visualização de uma peça publicitária. A ação parte do Ministério das Comunicações comandado pelo ministro Fábio Faria que coordena o Wi-fi Brasil, projeto do Conecta Brasil, que reúne iniciativas para promover a inclusão digital.
Os anúncios de visualização obrigatória veiculam temas como o 13º salário do Bolsa-Família, propagandas do projeto são exibidas para os próprios beneficiários dela. Os roteadores estão sendo instalados em pontos de maior circulação das comunidades contempladas, como escolas, postos médicos e unidades de segurança pública.
Para Fabio Faria, ministro das Comunicações, o objetivo é tornar a internet pública no Nordeste, fonte alternativa de informações às "notícias contra o presidente”.
Ilegítima e ilegal
O advogado Dângelo Saraiva afirma que exigir o consumo de 30 segundos sobre ações governamentais para utilização da rede se trata de uma imposição ilegal, na medida em que fere princípios da administração pública previstos na Constituição, como o da impessoalidade. Para ele, a imposição não é legítima e é ilegal.
O jurista ainda comenta o Artigo 37 da Constituição Federal que trata da Administração Pública. “A administração deve obedecer a alguns princípios, dentre eles a moralidade e a impessoalidade, no caso a propaganda pró-governo fere esses dois princípios constitucionais”. Saraiva cita o fato de o atual governo usar a máquina pública para fazer uma campanha antecipada como algo muito grave.
Campanha eleitoral antecipadíssima
O deputado distrital e professor, Reginaldo Veras (PDT) também fala sobre o desrespeito a princípios constitucionais na imposição, que para ele é absurda. “É inconstitucional, fere o princípio da impessoalidade porque obriga a pessoa a assistir para ter acesso a um serviço público, principalmente se levar em consideração que a imagem do Governo Federal e a propaganda federal estão ligadas à imagem do presidente”, diz.
O parlamentar afirma ainda que esse tipo de atitude por parte do governo pode vir até a ser questionada pelo poder judiciário, e que se trata de uma campanha eleitoral antecipadíssima. “Entendo que é um governo desesperado tentando fazer propaganda eleitoral, principalmente nas regiões onde ele tem menos popularidade, que são as regiões mais longínquas do Norte e Nordeste brasileiros”, afirma.
Nas regiões citadas por Veras, o presidente teve menor expressividade de votação na eleição passada e são os locais onde ele tem menos aceitação até hoje. De acordo com dados do Ministério das Comunicações, o programa Conecta Brasil custará aos cofres públicos R$ 2,7 bilhões, desse valor R$ 2,46 bilhões serão direcionados para implementação de internet no Norte e Nordeste.
Demonstração de desrespeito aos processos de inclusão social
De acordo com a diretora da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Emanuele Nascimento, é necessário pontuar a incoerência do governo que, desde a recém redemocratização do país, foi o que menos investiu em educação. Para ela, a atual gestão governamental além de executar uma série de corte de verbas para o setor, é oportunista. “Na primeira oportunidade usa da vulnerabilidade socioeconômica dos estudantes, do Norte e Nordeste, que precisam de internet para ter acesso ao aprendizado devido à paralisação das aulas presenciais e adaptações no ensino, que podem persistir por anos, para se promover em um ano pré-eleitoral”, avalia.
A diretora ainda fala sobre a inversão de prioridades por parte do governo e é taxativa: “Bolsonaro só tem a educação como prioridade se for para ser sua principal inimiga, e muitos são os exemplos disso, como a negação de vacina para os adolescentes do nosso país”. Falando pela entidade, Manuela afirma que condicionar o uso de internet ao consumo de propaganda institucional é a maior demonstração de desrespeito aos processos de inclusão social e digital, necessários para garantir dignidade ao povo brasileiro.
Exigência antidemocrática
Rosilene Correa é diretora do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) e diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Para ela, o governo não pode se utilizar de mecanismos como esse, pois a conectividade se trata de um direito para a juventude da rede pública. “Aquilo que é para garantir a o acesso internet não pode ser um instrumento de propaganda, de autopromoção”, garante.
Rosilene afirma ainda que ao impor isso o governo na verdade está se promovendo e as instituições que ela representa não entendem isso como razoável. Há outras maneiras de apresentar os feitos governamentais e a execução dos seus programas e projetos. “Para nós, é um imposição e exigência bastante antidemocrática”, finaliza.
A diretora buscou dados sobre casos semelhantes, via Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), no Distrito Federal e em outros estados da federação, mas não conseguiu identificar localidades, além das citadas pela reportagem, com esse tipo de ocorrência.
*Sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo