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COVID-19

Volta às aulas na pandemia: o que as escolas da Europa têm a nos ensinar

Enquanto Brasil discute retorno às escolas, Velho Continente adota medidas que podem servir de exemplo, em meio a diretriz da OMS para retomada e alerta para 2ª onda da pandemia


Avignon (França) – Reencontrar os colegas de colégio já acostumados ao “novo normal” ou submetidos a uma vida acadêmica bem diferente do que se conhecia até o mês de março. Enquanto o Brasil discute como e quando retornar às aulas presenciais, o regime de retomada em alguns países europeus pode trazer lições sobre o que copiar e o que não repetir. Um cuidado ainda mais importante porque o caminho coincide com alertas aparentemente antagônicos da Organização Mundial da Saúde: de um lado, a OMS recomenda que crianças e jovens retornem ao ambiente escolar físico, ainda que com normas estritas; de outro, alertou na última quinta-feira que os novos casos semanais de COVID-19 em alguns países do continente europeu superam os notificados quando a pandemia se manifestou pela primeira vez, em taxas qualificadas como “alarmantes” – isso antes ainda do inverno.

 

Um quadro que só agrava o desafio de se adaptar a mudanças impostas pela pandemia. Seja para quem mora onde a opção foi não reabrir os colégios antes do ano letivo 2020/2021, seja onde professores e estudantes voltaram a se encontrar depois de dois meses de confinamento, um ponto é comum: a incerteza.

 

Na porta das escolas que voltaram, máscaras escondem as feições que variam entre o alívio do reencontro e o medo de uma segunda onda da doença. Mineiros residentes no Velho Continente relatam suas aflições e contam como lidam com protocolos sanitários que prometem assegurar aos filhos a possibilidade de novamente estar ao lado de colegas e professores.No início da semana passada, OMS, Unesco e Unicef publicaram diretrizes de medidas de saúde para se buscar uma reabertura segura das instituições. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, lembrou que crianças em todo o mundo têm sofrido de outras formas, como em sua alimentação, a perda do aprendizado e riscos como maior exposição ao trabalho infantil e à violência doméstica.

 

Mesmo com dados mostrando que menos de 10% dos casos reportados e menos de 0,2% das mortes são de pessoas com menos de 20 anos, a dona de casa Marlene Freitas, de 54 anos, se diz apreensiva pelas filhas Laura, de 15, e Giulia, de 16, estudantes do 1º e 2º ano do ensino médio em Turim, na Itália, onde mora há 20 anos.

 

No país, as salas de aula – vazias desde o fim de fevereiro – só voltaram a ter alunos neste mês. Mas o retorno ocorre em dias escalonados, bem como entradas e saídas dos estudantes. A exemplo do que ocorre em pontos de comércio, colégios sinalizaram sentidos obrigatórios de deslocamentos e farão rodízio de alunos, com uma parte em sala e outra assistindo à aula em tempo real, mas de casa. Intervalos de 10 minutos para troca de professores serão feitos com crianças e adolescentes nas carteiras, sem direito a se levantar. Lanchar também, só sentado.

 


“Tenho muito medo. Nessa idade não há preocupação em se lavar as mãos constantemente, cuidado em não tocar as coisas... Como sei que minhas filhas não medirão febre na entrada da escola, eu o farei de casa. E, infelizmente, nem todos tomarão essa medida. Se eu faço e o outro, não, tem risco”, afirma a mineira, natural de Timóteo, no Vale do Aço. “Torço para que dê certo, mas todos numa classe fechada é complicado. Por enquanto, as portas ainda podem ficar abertas, mas daqui um mês não dá mais, por causa do frio.”

 

Ao lado da Alemanha, a França foi um dos poucos países a reencontrar o caminho da escola logo depois do fim do confinamento, em 11 de maio. As aulas presenciais da educação básica voltaram um dia depois, de maneira escalonada – universidades permaneceram de portas fechadas. A retomada foi voluntária até 22 de junho, quando voltou a ser obrigatória. A ideia era não apenas fechar ciclos, como também dar conta dos 4% de estudantes franceses que simplesmente sumiram do radar dos educadores durante os 56 dias de confinamento.

 

A entrada 2020/2021 foi no último dia 1º e a falta de protocolos sanitários num momento em que as contaminações ganham fôlego novamente gerou controvérsia. Parte do aumento se dá devido à maior capacidade de testagem – por semana, são feitos 1 milhão de testes – e parte pelo fato de o vírus estar novamente ativo.

 

Se até o fim do ano letivo passado as regras foram rigorosas, na volta às aulas, foram suavizadas. Ficaram para trás medidas como máximo de 15 alunos por turma, com 1 metro de distância entre cada um, inclusive em refeitórios e espaços abertos. As escolas adaptaram seus espaços à nova realidade e algumas optaram por, no máximo, 10 crianças por turma. Professores dividiram as turmas por turnos, que variavam entre dias ou semanas.

 

Com máscaras, mas sem distanciamento

No novo ano letivo, foram mantidas a exigência de desinfecção regular dos espaços e a obrigatoriedade de máscaras para crianças a partir de 11 anos, seguindo recomendação do conselho científico, mas excluídos os distanciamentos. Professores do ensino infantil e aqueles que têm alunos surdos ou com déficit auditivo em classe passarão, nos próximos dias, a usar máscaras transparentes.

 

As aulas ocorrem normalmente em tempo integral, com turmas completas. Escolas adotaram seus próprios protocolos de controle de entradas e saídas, de forma que não haja aglomeração de pais na porta, nem entre os alunos. Colégios localizados próximos a escolas primárias mudaram seus horários para que os adolescentes não se encontrem com os pequenos.

 

Mas o que os pais mais temiam já está ocorrendo: escolas inteiras ou classes sendo fechadas. Antes da volta às aulas, o governo já havia anunciado estar fora de questão as escolas não voltarem e definiu que fechamentos de escolas inteiras ou de classes seriam feitos de forma localizada – o mesmo tipo de quarentena é visado para tentar conter a circulação do vírus em cidades onde a situação volte a ser ameaçadora. Uma semana depois da volta às aulas, o ministro da Educação francês, Jean-Michel Blanquer, anunciou que 28 estabelecimentos escolares e 262 classes estão fechadas por causa da COVID-19. Neles os alunos, novamente, entraram em aula remota pelo menos até o fim do mês.

Cartilha do retorno

Confira algumas das medidas adotadas em escolas de países europeus

 

Itália

 

» Aulas em dias escalonados, assim como entradas e saídas

» Sentido de deslocamento demarcado nas escolas

» Rodízios de alunos entre modo presencial e remoto

 

França

 

» Exigência de desinfecção regular dos espaços

» Obrigatoriedade de máscaras para crianças a partir de 11 anos

» Aulas normais em tempo integral, com turmas completas

 

Espanha

 

» Voltando às salas de forma escalonada, com regras sanitárias rígidas

» Kit COVID: máscara extra, garrafinha de álcool em gel e pacote de lenço

» Limitação do número de estudantes em sala e aferição de temperatura

 

Portugal

 

» Plano de contingência proíbe pais de acompanhar filhos até a sala

» Alunos passam por tapete desinfectante e recebem álcool em gel nas mãos

» Alunos devem levar tablet ou notebook; materiais coletivos não serão fornecidos

 

Espanha: retomada com mensagem preocupante

A Espanha viveu um dos confinamentos mais duros da Europa. Agora, sua volta às aulas coincide com o momento em que o país se torna o epicentro da segunda onda da COVID-19 no continente. Como na Itália, o ano letivo passado foi encerrado no sistema remoto e, desde a última terça-feira, crianças e jovens estão voltando à sala de aula, de forma escalonada e com regras sanitárias rígidas. Mas uma declaração à imprensa local da presidente da Comunidade de Madri, Isabel Díaz Ayuso, mais preocupou do que aliviou pais. Segundo ela, “é provável que todas as crianças de uma forma ou de outra acabem se contaminando”.

 

O primeiro grupo a reencontrar a sala de aula foi o infantil e o equivalente ao 1º e 2º anos do ensino fundamental. Nesta semana, foi a vez da faixa etária do filho da revisora Maria Cláudia Araújo, de 41 anos, paulista que há seis anos mora em Madri. Francisco, de 11, aluno do 6º ano, tem na lista até mesmo o “material COVID”: bolsinha de tela perfurada com máscara extra, garrafinha de álcool em gel e pacote de lenço descartável.

 

“A volta é necessária, mas não tenho ideia de como será. Meu filho e os amigos dele querem voltar para a escola, mas querem voltar para uma escola com pátio, se abraçando e brincando, e isso será complicado dentro das diretrizes que determinaram”, afirma. Em toda a Espanha as máscaras serão obrigatórias para alunos a partir dos 6 anos de idade. Até o 2º ano do fundamental, as turmas deverão ter entre 15 e 20 estudantes no máximo. A orientação é para que todos lavem as mãos várias vezes e as classes sejam ventiladas a cada troca de aula. Também é imperativo medir a temperatura e cada região pode escolher a quem cabe a obrigação: aos pais ou colégios. Em Madri, o governo repassou para as escolas a decisão.

 


Na escola de Francisco, as temperaturas serão medidas na entrada. “As crianças não tiveram mais a escola que tinham e vão voltar para uma escola que não conhecem. Têm uma expectativa, mas vão encontrar uma realidade diferente do que guardam na memória. Isso é que me preocupa”, relata Cláudia. O primeiro dia de aula do garoto será com um caderno e um estojo. A orientação sobre livros e o restante do material virá depois. Levar brinquedos de casa também é proibido. “Muitas comunidades (estados) na Espanha estão atrasando o retorno, vão voltar no fim do mês, mesmo que o número de contágios e hospitalização não seja como no período do pico. Sabemos como será setembro. Para outubro, ninguém ousa prever nada.”

 

Confiança

Em Portugal, o ensino público volta ao presencial um dia antes de o país entrar em estado de contingência – desde a terça-feira passada, foram impostas restrições para funcionamento de comércio e outros serviços não essenciais. Lá, as escolas também permaneceram fechadas e o ano letivo foi encerrado remotamente. Mesmo assim, a administradora e psicóloga Evelyn Cris Gonçalves Mendes Pechir, de 43, está confiante nas medidas adotadas. Os filhos dela, Theo, de 8 anos, e Gael, de 7, alunos do 3º e do 2º ano do ensino fundamental, estudam em escola particular e voltaram antes, no dia 1º.

 

Evelyn Cris/Arquivo pessoal/Divulgação - Dois meninos de cabelo cacheado, camisa branca, calça jeans e tênis verde usando mochilas. Ao fundo, há um portão de grade verde escuro.

“O papel de socialização da escola é muito importante e a falta dessa socialização está fazendo muito mal às crianças”, diz. “Na condição de imigrantes foi pior. Saímos de Belo Horizonte há um ano e meus filhos têm pouquíssimos amigos. O relacionamento deles é quase 100% baseado na escola e, de repente, isso foi cortado. Dez dias antes do retorno, a escola mandou o plano de contingência. No meu contexto, achei que valia a pena voltar, uma vez que adotaram uma série de medidas que me traziam segurança.”

 

Na nova rotina, os pais que antes podiam acompanhar os filhos até a sala agora vão só até o portão de entrada, onde os meninos passam por um tapete desinfectante e recebem álcool em gel nas mãos. Crianças abaixo de 12 anos não são obrigadas a usar máscara, só para trabalhos em dupla. Alunos deverão levar de casa tablet ou notebook uma vez por semana para as aulas de tecnologia da informação (TI), já que materiais coletivos não serão mais fornecidos. Na recreação, cada turma ficará restrita a uma parte do pátio. No refeitório, uma mesa a cada duas será usada.

 

Em terras lusitanas, pelo menos por enquanto, o governo garante que as aulas não mais serão interrompidas e que, se for necessário fechar algum estabelecimento de ensino ou turma, os alunos deverão partir para aula virtual no dia seguinte. “Descartam o fechamento como ocorreu antes, porque os pais precisam trabalhar. Portugal precisa gerir isso logo, pois, caso contrário, o país acaba. É o mais pobre da Europa, não aguenta.”

 

Controle da epidemia precedeu discussões

Um ponto é comum entre os principais países europeus: a discussão sobre a volta às aulas só começou depois que a doença pareceu controlada. Na França, o pico da epidemia levou mais de 7,1 mil pessoas às UTIs. Em 11 de maio, quando as pessoas foram autorizadas a sair às ruas e parte do comércio a reabrir, esse número tinha caído para 2,5 mil. Atualmente, flutua na casa dos 380.

 

As reaberturas foram progressivas. No caso de bares e restaurantes, apenas os que tinham a possibilidade de servir clientes em terraços puderam funcionar no início de junho. O restante esperou até meados daquele mês e hoje, três meses depois, o movimento ainda é perceptivelmente bem abaixo do que era antes. Foi também o período em que o governo liberou academias e piscinas públicas – em algumas cidades, a abertura ocorreu bem depois.

 

Cinemas e teatros reencontraram o público no fim de junho, com um assento a cada dois vazio. Meios de transporte público seguiram por mais de um mês depois do desconfinamento com um a cada dois lugares interditados e horários para atendimento exclusivo ao pessoal de saúde. Grandes museus e a Torre Eiffel só voltaram a ter público entre o fim de junho e o início de julho. Boates até hoje não receberam o sinal verde.